Por que a poesia em tempos de indigência?

Vive-se um tempo de pobreza extrema, miséria, carência, privações. Enquanto uns
poucos refestelam-se em manjares soberbos e fartos, dois terços da população do
mundo não têm direito aos ingredientes básicos para uma dieta alimentar diária
saudável e digna, não têm acesso a saneamento básico, não conseguem cumprir os
limites mínimos de escolaridade para poderem ser considerados alfabetizados na
concepção Freireana da palavra: “aqueles que são capazes de ler o mundo em que
vivem.” Grassa a indigência! a indigesta indigência!

Nesse contexto, muitas vozes têm se levantado para combater a maldade. Entre elas as
dos poetas. E o poeta faz verso contra a fome -e a denuncia; faz verso pelo doente
moribundo – e o chora; verseja a seca, a sede e o retirante; faz versos com aquele
“corpo estendido no chão” … a poesia é eternamente inconformada, ela se indigna
com as injustiças cometidas contra os pequeninos e grita e brada e clama: justiça!
liberdade!

A poesia é capaz de alegrar a alma humana tanto quanto as flores podem embevecer o
nosso olhar e alimentar o nosso espírito, porque a poesia resgata os doentes de suas
dores, os tristes de suas desventuras, os desesperados de suas desilusões, e os traz
à tona, à vida, ao ritmo da música das palavras perfeitamente encaixadas, cúmplices
serenas da harmonia mitológica de Eros contemplando Psiquê, enleado de amor diante
de tanta beleza.

O poeta joga bola de algodão e meia; sabe “fingir que é dor a dor que deveras
sente”, brinca com as palavras, chacoalha versos, monta e desmonta quadrinhas, segue
alegrando a vida, enfeitando-a e perfumando-a com o sabor de suas letras de mil
sentidos escondidos e aromas camuflados.

A poesia dorme no leito das estrelas e desperta com o olhar perdido entre meteoros,
hai kais, cordéis, sonetos, metáforas e cometas, acalentando sonhos e esperanças dos
felizes e infelizes, dos tristes e alegres, ricos, pobres e miseráveis, dos fartos e
dos que estão privados da decência e da dignidade de ser gente. A poesia liberta o
homem, encanta o mundo, salva o planeta. Sua letra comove corações e denuncia
aberrações e explorações. A indigência é indigna e o poeta, rebelde, denuncia a fome
– o bicho, meu Deus, era o homem! E a guerra – pensem nas meninas, tristes rosas
cálidas! E a sede e a pobreza …, ela serve como instrumento de desmascaramento do
sistema cruel e perverso imposto ao ser humano, na fragilidade de sua solidão macro
e microcósmica.

E assim, segue a poesia em tempos de indigência, com seu lirismo quase absoluto,
tirando a maquiagem das indústrias da guerra, da fome, da doença, da pobreza, que se
alimentam do sangue dos inocentes e, com a magia que lhe é peculiar, redime o homem
da sua alienação e revela a verdade, em nome da justiça, da liberdade e da
cidadania.

*Maria de Lourdes da Silva

é professora de filosofia

Ilhéus-Itabuna-Ba

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