A vila de São Jorge dos Ilhéus foi fundada na primeira metade do século XVI, antes mesmo da cidade do Salvador, primeira capital da colônia portuguesa. Sua localização inicial foi o atual Outeiro de São Sebastião, pois àquela época era comum as vilas serem fundadas nas partes mais elevadas, para as pessoas terem melhor visão e poderem se defender do ataque dos inimigos.
Panorâmica de Ilhéus na segunda metade do século passado
Segundo Silva Campos a vila teve um desenvolvimento inicial muito grande, que durou pouco, pois entrou num marasmo que perdurou por mais de dois séculos.
Desta época, restam os vestígios de um engenho construído na localidade do Rio do Engenho, onde a Capela de Santana é considerada um dos poucos sítios históricos da primeira metade do século dezesseis, ainda conservado.
Igreja de Nossa Senhora da Vitória antes das reformas
De acordo com Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, os colonos portugueses passaram a imitar a arquitetura frágil dos indígenas, baseada em coberturas toscas de palha de palmeiras, por ser mais rápida, mais fácil de fazer e mais adequada ao calor tropical.
Baía do Pontal antes da construção da ponte Lomanto Junior
Pensamos ser este o motivo de não encontrarmos muitas construções antigas, em nossa cidade. As exceções estão nas igrejas construídas pelos jesuítas, e em prédios governamentais ou casas de proprietários de engenhos de açúcar. Da antiga capitania doada a Jorge de Figueiredo Correia, só restam: a Capela de Santana, a Igreja de São Jorge (final do século dezessete, segundo o IPAC), a Capela da Vitória, construída no final do século dezesseis à época da invasão francesa na vila de São Jorge e reconstruída muitas vezes por causa de incêndios, nada mantendo da original. Temos também a Igreja de N.S. da Escada, em Olivença. A capela de São Sebastião, também do século XVII foi demolida no final da década de 1920, para que no local fosse construída a atual Catedral de São Sebastião.
Igreja de São Sebastião antes da Catedral que foi construida em mesmo local
A vila só desceu o morro a partir do final do século dezesseis, quando começou a ser formado o aglomerado urbano que chamamos de Centro Histórico. E só começou a crescer depois na segunda metade do século dezenove quando o cacau começou a se tornar produto importante na mesa do europeu. O cacau também faz parte do nosso patrimônio cultural, e, no nosso entendimento, precisa ser valorizado como produto que ajudou a construir a cultura regional.
Em 1860, quando o Príncipe Maximiliano da Áustria aqui esteve, escreveu: “As casas em Ilhéus são parecidas com as de Itaparica. As mesmas janelas sem vidraças, a mesma arquitetura provisória, evocando casinhas de madeira de um brinquedo de criança”. Era um núcleo urbano sem grande importância. A mudança começou a acontecer com o crescimento da lavoura cacaueira.
Silva Campos diz que no começo do século vinte, Ilhéus já fervilhava de pessoas novas e cheias de projetos que transformariam a cidade, mas a maior concentração populacional encontrava-se na zona rural, era o tempo de plantar as roças de cacau.
Algumas pessoas entendem que nosso patrimônio histórico não tem um valor maior, nada representativo, mas… como bem disse Mário de Andrade… há que se reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as velhices dum tempo de luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir. Há consenso de que o patrimônio cultural de um povo é que lhe reforça a auto-estima e lhe confere identidade.
A cidade de Ilhéus sofreu modificações, ao longo do tempo, pois o cacau gerava muita riqueza. Assim, foram demolidas muitas casas, importantes exemplares do nosso patrimônio histórico, cujo maior exemplo está na demolição da capela de São Sebastião, para dar lugar à construção da atual catedral.
Este monumento que é, hoje, o símbolo da cidade, levou mais de trinta anos para ser construído. Foi fruto do sonho de D. Eduardo, bispo diocesano na década de 1930 e do esforço de padres, dos capitalistas e dos fiéis. Ela tem um estilo eclético onde são misturadas colunas dóricas, capitéis corínteos, abóbadas romanas; e representa a idéia de grandiosidade que acompanhou os coronéis do cacau quando construíram suas residências. Segundo testemunhas, a maravilha das maravilhas foi a sua inauguração, quando a cidade foi invadida por bispos, tendo vindo inclusive o Núncio Apostólico, D. Sebastião Baggio, representante do Papa no Brasil.
Com esta mentalidade de construir coisas grandes, foram erguidos belíssimos prédios da cidade, como o Palácio Paranaguá, sede da Prefeitura Municipal (1907), Escola General Osório, primeira escola pública do município (1915), colégio da Piedade (1917), Palácio Episcopal (1928), Teatro Municipal (1932), Ilhéus Hotel (1932), Associação Comercial de Ilhéus (1934), e muitas residências dos coronéis, os capitalistas da época. Algumas continuam de pé formando nosso patrimônio histórico. Outras, infelizmente, foram demolidas em nome do progresso.
Outros prédios foram aparecendo e tendo importância por causa de um fruto nascido nos cacauais de ferradas em 1912, que percorreu o mundo contando as histórias das terras do sem fim… nosso escritor maior, nosso amado Jorge, que nos legou, além das muitas histórias, a fama do bar Vesúvio e do cabaré Bataclan.
Gostaríamos de fazer nossas as palavras de Mário de Andrade, que na década de trinta afirmou: “O ensino primário é imprescindível, mas não basta ensinar o analfabeto a ler. É preciso dar-lhe contemporaneamente o elemento em que possa exercer a faculdade que adquiriu. Defender nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização”.
Maria Luiza Heine
mlheine@oi.com.br