“A vantagem ambiental é a redução da poluição, principalmente de dióxido de carbono, que provoca o efeito estufa. Na questão social, a partir do momento em que vamos produzir matéria-prima, teremos geração de emprego e renda, para que se tenha uma oferta maior dessas oleaginosas para produzir biodiesel”, contextualiza a professora Mônica Pires, uma das responsáveis pela pesquisa.
O Projeto Biocombustível da Uesc começou em 1998, usando dendê como matéria-prima. “Em março de 2000, recebemos uma planta-piloto doada por uma universidade alemã e, a partir daí, passamos a produzir biodiesel”, informou a pesquisadora. Veículos da universidade e automóveis de alguns alunos foram abastecidos com o produto por mais de dez mil quilômetros sem problemas no motor.
A equipe que realiza o projeto é formada por nove docentes e dez alunos de diversas áreas, como química, computação e economia. O biodiesel é produzido através da transesterificação, um processo químico em que um catalisador (hidróxido de potássio, no caso) reage com o álcool e, em seguida, com o óleo.
No Carnaval deste ano, oito veículos (trios elétricos e carros de apoio) desfilaram pelas ruas de Salvador utilizando o biodiesel (B5) produzido na Uesc e proveniente do óleo de mamona, com autorização da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Em 2005, a Uesc também produziu o biodiesel que abasteceu todos os trios elétricos do Carnaval de Itabuna, através da trans-esterificação de óleos e gorduras residuais (OGR).
A Uesc já chegou a produzir mensalmente mais de mil litros de óleo. Para a obtenção da gordura derivada de frituras (necessária para a condução do processo), a universidade mantém parceria com 40 estabelecimentos que servem alimentação, entre restaurantes, lanchonetes e barracas de praia.
Cerca de 500 postos espalhados pelo país comercializam biodiesel. Salvador, Vitória da Conquista, Santo Antônio de Jesus, Ilhéus e Itabuna contam com esses postos. O biodiesel é cerca de R$ 0,05 mais barato que outros combustíveis, o que resulta numa economia de R$ 5 a cada cem quilômetros rodados.
Rendimento
Mônica Pires afirma que, em comparação a outros combustíveis, o rendimento é praticamente o mesmo. “Qualquer veículo ou motor que funcione com óleo diesel também funciona com o biodiesel”, informou. Ela acredita que o programa na Bahia está bem estruturado e é colocado como prioridade pelo Governo do Estado.
“A Bahia apresenta condições climáticas favoráveis e tem um grande potencial nesse sentido, em função da abundância de matéria-prima em seu território, como mamona, soja, dendê e algodão, além da possibilidade de produção de girassol. O que falta é uma adesão maior da iniciativa privada”, completou.
Aluno do quinto semestre de licenciatura em Química da Uesc, Rauldenis Almeida, 21 anos, está vivendo a experiência de produzir biodiesel a partir do dendê e do álcool. Bolsista há dois meses pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), ele se interessou pelo projeto pensando em fazer mestrado, para o qual é importante uma iniciação científica. “Acredito nas vantagens ambientais e econômicas do biodiesel como fonte de energia renovável”, afirmou.
O reitor da Uesc, Joaquim Bastos, explicou que os recursos para o projeto, em sua maioria, vêm do Tesouro Estadual. “Mas para que a pesquisa tivesse o destaque que hoje tem, foi necessária a utilização de outros canais de captação de recursos, como as agências de fomento externas. A Uesc trabalha também com a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia, já que a bioenergia é um assunto de interesse nacional”, comentou.
O reitor apóia o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, implementado em 6 de dezembro de 2004, que pretende tornar obrigatório o uso do B2 e autorizar o uso do B5 a partir de 2008. “Esse incremento produtivo certamente vai implicar a geração de emprego e renda e o desenvolvimento da própria tecnologia. O Brasil tem todas as oportunidades de se tornar o maior produtor desse tipo de combustível”, concluiu.
Parceria
Um dos parceiros da Uesc nessa empreitada é o Hotel Transamérica, na Ilha de Comandatuba, município de Una. O empreendimento aderiu ao projeto em 2001, quando o óleo bruto e residual proveniente das frituras da cozinha do hotel passou a ser enviado para a Uesc.
A universidade, então, produzia o biodiesel e encaminhava novamente ao hotel, que já utilizou o produto em pequenos veículos, através de experiências com o B20 (20% de biodiesel e 80% de óleo diesel). Na alta temporada, o Transamérica é capaz de armazenar semanalmente 400 litros de óleo residual.
“O biodiesel tem vantagens econômicas, reduzindo o uso de um recurso não-renovável que é o petróleo, e ambientais, deixando de poluir os ecossistemas sensíveis. Também devemos levar em conta que 98% do biodiesel é biodegradável e deixa de lançar óleo residual em rios, estuários e no solo, evitando a poluição das águas superficiais e dos lençóis freáticos”, comentou Frederico Andrade, engenheiro agrônomo e responsável pela área ambiental e paisagística do hotel.
Se não houvesse a transformação do óleo e gordura residual em combustível renovável, o descarte das frituras geradas na atividade hoteleira seria encaminhado para o sistema de saneamento ou de tratamento de esgoto. O resultado poderia ser a obstrução dos ductos por encrostamento nas paredes da tubulação, reduzindo o seu diâmetro e aumentando o consumo de energia das estações elevatórias.
Um dos resíduos da transesterificação é a glicerina, utilizada pelo hotel em sua oficina de compostagem para uso posterior na grama do campo de golfe. A glicerina também pode ser usada na formação do biogás, que pode abastecer máquinas de podar gramados.
Potencial
A Bahia possui um grande potencial para a produção do biodiesel, com produção expressiva de mamona, dendê, soja e algodão. Segundo pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dos 452 municípios do Nordeste que apresentam potencial para o cultivo da mamona em condições de sequeiro, 181 ou 41,8% deles estão localizados na Bahia. Atualmente, o estado ocupa a posição de líder isolado na produção nacional de mamona, com 92%.
Segundo o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Rafael Lucchesi, o potencial nacional é muito grande, ainda que falte nas políticas públicas federais um marco regulatório mais forte que impulsione e apóie mais fortemente a montagem de um complexo agroindustrial energético. Ele destaca que a Bahia é o segundo maior produtor nacional de algodão e está também muito bem posicionado na produção de mamona. “Temos também a soja, o dendê, o amendoim forrageiro, enfim toda uma multiplicidade de rotas para as quais a Bahia está muito bem posicionada”.
Para Lucchesi, a cadeia do biodiesel precisa ter um investimento mais forte em tecnologia e nisso a Bahia é pioneira com a primeira planta de biocombustíveis do Brasil, na Uesc, além de ter um grupo de competência na Ufba e o apoio da Secti e da Fapesb através da capacitação nessa área. “O programa de biocombustíveis pode ter um fantástico efeito de desenvolvimento, criando um cinturão agroenergético no semi-árido nordestino, o que seria para o Brasil, do ponto de vista social, um dos programas de maior importância”, concluiu.