A intenção do governo é criar um fundo de investimento, administrado pela Caixa Econômica Federal, que deteria cotas dos projetos para construção de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e energia elétrica. O FGTS, no entanto, não seria o único “sócio” no empreendimento.
Para evitar riscos excessivos nas operações, haverá um limite de 30% para investimento do fundo em cada projeto. O restante dos recursos terá que vir da iniciativa privada ou de outros financiadores.
Uma das preocupações do governo é “não dilapidar” o patrimônio do fundo, segundo relatou à Folha um ministro envolvido na negociação. Para isso, várias travas estão sendo fixadas, além do limite de aplicação de 30%. O fundo de investimento que receberá os recursos do FGTS estará submetido à fiscalização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e deverá ser avaliado por agências de classificação de risco.
Além disso, o risco desses empréstimos será do próprio FGTS. Com isso, o governo acredita que os financiamentos serão feitos com critérios mais técnicos já que, em caso de prejuízo, são os próprios trabalhadores que arcarão com o calote.
“O Brasil é um país em construção e sempre precisará de recursos para investimentos. A única ressalva que faço é que será preciso preservar os recursos do FGTS que hoje vão para habitação e saneamento”, afirmou o ministro Márcio Fortes (Cidades).
A legislação determina que os recursos do FGTS sejam aplicados em habitação, saneamento e infra-estrutura urbana. Atualmente, o fundo dispõe de um ativo total equivalente a R$ 176,7 bilhões. Nesse valor estão os créditos que o FGTS tem a receber por causa dos empréstimos contratados nessas áreas.
O fundo registra, no entanto, um patrimônio líquido de R$ 20,3 bilhões, de acordo com demonstrativos do mês de março. Ou seja, ainda que todos os 56 milhões de trabalhadores com contas do FGTS saquem seus recursos, os R$ 20,3 bilhões continuam disponíveis. O governo quer usar esses recursos, que hoje estão aplicados em títulos da dívida pública, para alavancar o desenvolvimento do país.
“Não podemos ficar apenas financiando a dívida pública. É preciso sair dessa ciranda financeira. Já que os trabalhadores não vêem esse dinheiro que está na ciranda, que eles vejam nas estradas”, disse o representante da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no FGTS, Luiz Gonzaga Tenório.
Lobby
Antes de editar a medida provisória mudando as regras de aplicação do FGTS, o governo terá de travar uma batalha no conselho curador do fundo, embora conte com a maioria dos assentos do órgão. Ministros que negociam a proposta avaliam que o poderoso lobby do setor da construção civil será o principal obstáculo.
O setor já avisou que é contrário à mudança e defende a manutenção das regras.
“Ninguém é contra investimentos em infra-estrutura, mas existe dinheiro sobrando para isso. Tem os recursos da Cide, tem as PPPs. Não há coerência nessa proposta. Não há que desviar a finalidade do fundo [habitação e saneamento]”, disse o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Paulo Safady Simão.
Ele lembra que parcela dos recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é destinada à recuperação e construção de estradas. Já as PPPs (Parcerias Público-Privadas) teriam sido criadas pelo governo para garantir mais investimentos em infra-estrutura.
Simão acrescenta que, se há folga de recursos do FGTS, o governo deveria aproveitar e desonerar o setor produtivo. Para pagar a dívida dos planos Verão e Collor I, o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) elevou a alíquota mensal do FGTS em 0,5 ponto percentual. A multa rescisória foi de 40% para 50%.
JULIANNA SOFIA
LEANDRA PERES
Folha de S.Paulo