Apesar de manifestação ativa da comunidade em defesa da biodiversidade e dos recursos hídricos, o governo do Estado da Bahia, através da CONDER (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia), em parceria com a Prefeitura Municipal de Itacaré, está iniciando a instalação de um aterro sanitário na fazenda EMATA, localizada na região do Capitão, Zona de Amortecimento do Parque Estadual da Serra do Conduru-PESC, uma das mais importantes áreas de proteção integral da região do sul da Bahia.
A instalação de um aterro sanitário na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Conduru configura-se em uma enorme ameaça a sua fauna silvestre. Animais endêmicos da Mata Atlântica que possuem hábitos alimentares generalistas e costumam procurar alimentos em áreas de restos acumulados, como o saruê (Didelphis aurita) e o sagüi (Callithrix kuhlii), além de raposas e pequenos roedores silvestres, ficarão susceptíveis às doenças trazidas pelo lixo da cidade para a zona de amortecimento da Unidade de Conservação.
O macaco-prego-do-peito-amarelo (Cebus xanthosternos) é uma das espécies de primata mais ameaçadas do mundo! E uma das poucas populações da espécie com chance de sobreviver em função da preservação do habitat é justamente a população do PESC e áreas adjacentes. No entanto, vemos que, além de ameaças recorrentes no local como a caça e a fragmentação de seu habitat, a modificação dos remanescentes florestais sem a devida cautela pode ser mais um fator a contribuir para o desaparecimento deste primata.
Outras 55 espécies de vertebrados terrestres que ocorrem apenas na Mata Atlântica, 8 delas ameaçadas de extinção, como o mutum-do-bico-vermelho (Crax bluemenbachii) e a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus), habitam o PESC e as outras 3 reservas particulares próximas a pretensa área de aterro sanitário! Ademais, o aterro sanitário ficaria extremamente próximo a uma das áreas consideradas prioritárias para futura ampliação do PESC, o Campo Cheiroso, considerado relicto vegetacional por possuir características únicas na região.
O PESC é uma zona núcleo na região sul da Bahia da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, uma rede mundial que serve como instrumento para a conservação da biodiversidade do qual o Brasil é signatário. As zonas de amortecimento têm como função minimizar os impactos negativos sobre a zona núcleo, a instalação de um aterro sanitário na zona de amortecimento fere diretamente este preceito.
O Plano de Manejo do PESC ressalta a porção norte desta unidade como área detentora de matas primitivas e veta qualquer instalação de infra-estrutura na zona de amortecimento adjacente a este região, justamente a área pretendida para o aterro sanitário.
Ainda, o PESC é um dos mais importantes blocos florestais do Corredor Central da Mata Atlântica, que tem como objetivo final formar corredores ecológicos ligando grandes fragmentos florestais por meio da preservação de fragmentos menores entre eles. A formação dos corredores ecológicos é de extrema importância para a manutenção de diversidade genética da fauna da região, entretanto o transito de um grande número de animais silvestres infectados de um fragmento a outro pode ser uma ameaça a toda a fauna do Corredor Central.
Para localização do aterro sanitário foram realizados estudos que apontaram a inviabilidade de sua instalação na EMATA, destacando-se estudo solicitado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Subseção de Ilhéus ao técnico MSc. Pedro Fidelman que sugere “alternativas locacionais para realização do aterro, e que sejam buscadas alternativas tecnológicas” no mesmo sentido dos pareceres elaborados pelo Prof. Dr. Ronaldo Montenegro Barbosa (Instituto de Geociências – UFBA), o qual deu parecer contrário a escolha da área da EMATA para instalação de aterro sanitário.
Destaca-se que os estudos apontam como melhor localização para o aterro sanitário a área do atual lixão, como inclusive foi apontado pelo Plano Diretor de Limpeza Urbana de Itacaré (elaborado pela CONDER), estudo realizado por Prof. Marcos Alves de Magalhães (Universidade Federal de Viçosa).
Em setembro de 2005 o Governo aprovou, através do seu Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM, o Plano de Manejo da APA Itacaré – Serra Grande, documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais da unidade de conservação, se estabeleceu o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais. A área preterida para implantação do aterro foi classificada como Zona de Proteção do Capitão, criada com o objetivo de promover a manutenção da integridade dos remanescentes florestais da Mata Atlântica; preservar a diversidade biológica local e os recursos hídricos; garantir o equilíbrio dos processos ecológicos; propiciar pesquisa científica; promover a recuperação das áreas degradadas; incentivar educação ambiental e o turismo ecológico; intercâmbio genético através da formação de corredores ecológicos e garantir cobertura florestal de no mínimo 80% do total das propriedades rurais.
Nos causa total estranheza e perplexidade a decisão empenhada pela CONDER e Prefeitura de Itacaré em instalar o aterro sanitário de Itacaré na área da EMATA, mesmo com a contrariedade da população e da sociedade civil organizada. Esta decisão está baseada em um estudo da CONCREMAT Engenharia S/A (Rio de Janeiro) de setembro 2004, que não foi disponibilizado a acesso público até estes últimos dias. Estamos encaminhando este estudo para o Prof. Dr. Ronaldo Montenegro Barbosa para a sua avaliação; a primeira vista parece que os critérios de impactos ambientais devem ser revisados tendo em vista a inserção da região do Capitão na APA de Itacaré-Serra Grande e as evoluções das políticas de conservação com a presença de unidades de conservação na proximidade.
Frente ao grave risco de dano ambiental em Itacaré, com a presente ameaça aos recursos hídricos e à biodiversidade, o Sub-Comitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica em sua última reunião deste ano reiterou sua posição contrária à instalação do aterro sanitário na EMATA. No mesmo sentido a 1ª Conferência Estadual de Meio Ambiente da Bahia (novembro 2005) firmou posição contrária à instalação do aterro sanitário de Itacaré na EMATA.
No dia 28 de dezembro houve uma reunião pública em Itacaré para apresentação do projeto do Aterro Sanitário na EMATA. A grande estranheza é que este assunto não foi levado para discussão em nenhuma reunião do Conselho Gestor da APA, que deveria ser consultado. Nesta reunião a comunidade e as ONG’s presentes (IESB, Instituto Floresta Viva, SOS Itacaré, Associação Rosa dos Ventos) pediram que sejam disponibilizados o estudo e o projeto para a comunidade de Itacaré e que seja convocada uma reunião extraordinária do Conselho Gestor na primeiras semanas de janeiro de 2006. Além disto, nesta mesma reunião, foram questionadas as razões desta posição da Conder que pareceu ditada mais por interesses particulares que pelas necessidades da sociedade e do meio ambiente. Nesta mesma reunião o representante da CONDER assegurou que as obras se iniciariam em 60 dias, porém, em 19/1/2006 as maquinas e um grande aparato de policiais começou o desmatamento. A Rosa dos Ventos apresentou na reunião do CEPRAM no dia 20 de janeiro de 2006 a sua preocupação e pediu a revisão do projeto.
Diante do exposto, as instituições abaixo assinadas solicitam:
· a interrupção imediata das obras iniciadas, com o descarte de qualquer possibilidade de instalação de aterro sanitário na área da EMATA;
· a conseqüente revisão do projeto para a instalação do Aterro no local onde encontra-se o atual do Lixão de Itacaré, área já impactada, fora da Zona de Amortecimento do PESC e mais próxima do Núcleo Urbano de Itacaré. Sendo fundamental que haja um compromisso explícito para o seu gerenciamento adequado de forma a evitar que o mesmo retroceda à condição de lixão;
· a elaboração e implementação de um projeto inovador que limita os impactos ambientais, integrando processos de coleta, de triagem e de reciclagem de todo o lixo do município com envolvimento e comprometimento da sociedade;
· a convocação imediata de reunião integrada dos Conselhos Gestores da APA de Itacaré/ Serra Grande e do Parque Estadual Serra do Conduru para a devida discussão desta questão.
Assinam esta Nota Pública as seguintes entidades:
Associação Rosa dos Ventos
Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
GAMBÁ-Grupo Ambientalista da Bahia
Núcleo APEDEMA Ilhéus:
* Centro Cultural e Profissionalizante Fazenda Tororomba
* FUNPAB-Fundação Pau Brasil
* GACMA-Grupo de Apoio às Comunidades e ao Meio Ambiente
* HIDROGEO-Instituto de Pesquisa e Educação sobre Recursos Hidrogeológicos
* IESB-Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia
* INIBIO-Instituto Ilheense de Biologia
* OIA-O Instituto Ambiental
* ORDEM-Organização Pró-Defesa e Estudo dos Manguezais da Bahia
* PRESERVA-Associação de Proprietários de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe
ABARÁ-Associação Brasileira de Apoio aos Recursos Ambientais
ABCRN-Associação Baiana para Conservação dos Recursos Naturais
Associação Cultural e Ecológica Estela Chaves
Centro TERRA VIVA
FAMI-Federação de Associações de Moradores de Ilhéus
ECOTUBA-Instituto de Conservação de Ambientes Litorâneos da Mata Atlântica
MDPS-Movimento de Defesa de Porto Seguro
PAT ECOSMAR-Projeto Amiga Tartaruga.
Adriano Wild