Pense nessas ocupações: lojista, empregada doméstica, trabalhador da indústria e da construção civil, vigia, servente, caminhoneiro, porteiro e professor primário. Aí estão os ofícios de um quarto da população brasileira, segundo estudo realizado pelos economistas Ana Flavia Machado, Ana Maria Hermeto, Camilo de Oliveira e Nayara França Carvalho, do departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Realizado a partir da análise dos dados do Cadastro Geral de Domicílios (CAGED), do IBGE, o trabalho levou em conta tanto trabalhadores formais quanto informais. Inicialmente, o estudo foi feito com o intuito de levantar a evolução da desigualdade existente entre o grau de escolaridade dos trabalhadores e a formação exigida nas mais variadas profissões no período de 1981 a 2001.
A dança das ocupações é decorrência do avanço e do desaparecimento de determinadas tecnologias. Marcio Pochmann, economista, pesquisador e professor livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp, defende que a tecnologia transforma as ocupações e até gera empregos. “Os países que mais investem em tecnologia são os portadores da melhor qualidade de emprego”, afirma. “Em 1969, um terço do desemprego mundial era em países do G-7. Em 2002, esse número caiu para 12%. E são eles que mais investem em tecnologia”, diz Pochman, para quem esta é uma fase de transformação tecnológica diferente da ocorrida no final do século XIX, já que dessa vez é relacionada à transformação dos setores existentes em vez do surgimento de novos. “A informática, a biotecnologia e os novos materiais, por exemplo, acabam sendo absorvidos pelo que já existe. O computador foi transformando as áreas que já existiam tradicionalmente”, explica. Ele afirma ainda que apesar da escolaridade da mão-de-obra no País ter crescido nos últimos 20 anos, embora ainda seja baixa, seis anos, em média, isso não significa que haverá vagas para absorvê-las. “No ano passado, na cidade de São Paulo, a cada pessoa analfabeta, tínhamos três desempregados de nível universitário”, lembra Pochmann.
O desaparecimento de empregos em determinadas profissões tem algumas explicações. Segundo Sebastião Gonçalves dos Santos, presidente do Sindicato dos Contabilistas de SP, as máquinas por si só não diminuem o trabalho. Embora cerca de 70% da hierarquia das empresas tenha sido enxugada, explica, o trabalho braçal é feito pelos instrumentos tecnológicos e a redução de contabilistas nas empresas é reflexo da maciça terceirização. Segundo Santos, para sobreviver no mercado hoje, “o profissional precisa visualizar a empresa de uma maneira geral”, capacidade para a qual acredita que os bancos escolares não têm contribuído.
Outro exemplo de assimilação de tecnologia é o ocorrido na telefonia. Se as telefonistas estão em extinção, os operadores de telemarketing aumentam, e muito. Segundo dados da Associação Brasileira de Telemarketingn (ABT), os callcenters hoje empregam cerca de 555 mil pessoas, 55 mil a mais que em 2004. A previsão é que até 2006 sejam criados mais 60 mil empregos.
Mário Sérgio Salerno, diretor de estudos setoriais do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas (IPEA), acredita que o suposto desaparecimento de certas funções da metalurgia e do segmento bancário seja parte de um processo de transformações. Segundo ele, nos bancos houve a terceirização de algumas funções de retaguarda. Mesmo nas montadoras de automóveis, o operário que antes só fazia determinada operação acumula hoje funções de inspeção. Mesmo algumas operações se transformam e, por conseqüência, a quantidade de pessoas necessárias. “Nos anos 80, um carro tinha 5 mil pontos de solda. Hoje, tem 2,5 mil”, exemplifica.
Marcio Pochmann responsabiliza as privatizações da era FHC pela diminuição de cargos de pesquisa nas empresas e conseqüente desemprego. “As multinacionais fazem isso em seu país de origem, não vão duplicar custos fazendo aqui também”. Com poucas oportunidades, há profissionais bem qualificados que migram para outros países. “O Brasil, a Índia e a China são exemplos de fuga cérebros por não gerarem oportunidades de trabalho a contento”. E, com isso, tais países viram alvo de empresas que buscam regiões para o desenvolvimento de trabalhos repetitivos a custos mais baixos. Pochmann acredita também em outro tipo de relação capital-trabalho nos próximos anos. “É necessária uma reforma trabalhista que agrupe as profissões que já existem e as antigas, que jamais vão se transformar em trabalho assalariado”, justifica ele. Por exemplo os camelôs, 11ª atividade que mais absorve trabalhadores, são 70 mil na cidade de São Paulo, 60% deles há mais de 15 anos na atividade, segundo a Secretaria Municipal do Trabalho. “É uma profissão que não vai desaparecer”, lembra o economista. E não só ela. Outros números indicam que o salário está com seus dias contados: “Em 1981, de cada três ocupados, dois eram assalariados. Hoje, de cada dois, apenas um é”, contabiliza. Estagnação econômica somada a produtos de baixo valor agregado e baixo investimento em pesquisa levam à menor expansão desse tipo de emprego”, conclui.
Por Laila Mahmoud
ISTOÉ Dinheiro