Peruíbe, em Nova Viçosa, foi suspensa por seis meses para evitar problemas
decorrentes do consumo do crustáceo. A medida foi tomada há um mês, quando
foi constatada a mortandade de caranguejos no município. “Ficamos receosos
por não saber qual é a causa desta mortandade”, disse a técnica da
secretaria municipal de Meio Ambiente, Geovânia Moreira Leite.
Para fazer cumprir a decisão, os fiscais da prefeitura interceptaram dezenas
de marisqueiros instalados em barracos dentro do mangue do Rio Pituaçu. A
partir de junho, cerca de 50 marisqueiros cadastrados pela secretaria
receberão cestas básicas no período em que não poderão pegar caranguejo.
Em Canavieiras, quase três anos depois da passagem da mortandade nos
manguezais, já podem ser vistos pequenos caranguejos nas gaiteiras, sobre os
apicuns, onde se escondem nas tocas cavadas na lama. Uma lei municipal
determinou a proibição de captura de fêmeas para intensificar o
repovoamento, ampliando o alcance da portaria do Ibama que proíbe a captura
de caranguejos com carcaça menor que 4 centímetros.
Mas, por falta de fiscalização, é no mangue, frente a frente com o
marisqueiro, que a sorte dos bichos é lançada. “Este não serve”, afirmou o
pequeno agricultor e marisqueiro Adelito Oliveira Avelino, 57 anos,
mostrando o tamanho da carcaça do bicho, em uma das tantas tentativas de
encontrar o crustáceo no manguezal do povoado de Puxim do Sul, em
Canavieiras, no final da manhã de quarta-feira da semana passada.
Mais mortes podem ocorrer
Responsável pela única pesquisa científica sobre a mortandade de
caranguejos-uçás em andamento, o doutor Antônio Ostrensky, da Universidade
Federal do Paraná, reconhece que ainda há muitas perguntas sem resposta.
“Identificamos o fungo que leva o caranguejo à morte, mas não sabemos ainda
como ele está entrando no caranguejo. Até chegarmos a medidas de controle,
novas mortandades poderão acontecer porque não se conhece o mecanismo de
propagação da doença”, afirmou ele.
Ele descarta a suspeita de vírus sustentada por alguns pesquisadores. “Não é
um vírus. Exames feitos para vírus deram resultado negativo. Usamos a
técnica de microscopia de transmissão e não encontramos nenhuma célula
doente apresentando vírus. O único corpo estranho encontrado foi o fungo,
que talvez seja de dois tipos. Exames de DNA estão sendo feitos nos Estados
Unidos para verificar isso”.
Com o custo de R$ 220 mil, a pesquisa, que começou em janeiro de 2004, foi
contratada pela Companhia de Desenvolvimento Industrial e de Recursos
Minerais vinculada ao governo de Sergipe por causa de uma ação do Ministério
Público que responsabilizava o cultivo de camarão em cativeiro
(carcinicultura) pela mortandade de caranguejos-uçás naquele Estado.
“Fomos contratados para dar resposta ao governo, que por sua vez tem que
responder ao MP. Não descartamos nem afirmamos que a carcinicultura tenha a
ver com o caso. Não temos vínculo algum nem com o governo nem com a
carcinicultura. Os resultados finais da pesquisa estão previstos para junho.
Até lá concluímos a identificação do agente patogênico (fungo) e a presença
dele no ambiente. O fato é que ainda estamos apenas engatinhando”, afirmou.
Para ele, é fundamental a continuidade dos estudos, e isso vai depender de
investimento público. “Não temos exclusividade na continuidade dos estudos e
os dados já obtidos estão disponíveis a quaisquer interessados”, informou.
Ostrensky destaca que em contato com comunidades marisqueiras ele pôde ver a
situação de abandono em que se encontram. “É inacreditável”, afirmou.
Segundo ele, de acordo com dados do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos
Pesqueiros do Litoral Nordestino – (Cepene), foram cerca de dez mil famílias
atingida em toda a área afetada.
Faltam pesquisas oficiais
“Nenhuma pesquisa sobre a mortandade de caranguejos nos manguezais da Bahia
foi feita pelos órgaos públicos ligados ao meio ambiente. Tivemos várias
reuniões com o pessoal do Centro de Recursos Ambientais (CRA) e do Ibama,
mas nada foi feito de concreto”, afirmou a bióloga do Instituto de Proteção
de Ambientes Litorâneos – (Ecotuba) e professora do Colégio Modelo de
Canavieiras, Sara Maria Brito Araújo.
Na unidade técnica da Bahiapesca em Canavieiras, não há informações sobre o
caso. “O que notamos é que os caranguejos morreram antes da chegada da
carcinicultura (criação de camarão em tanques) na região”, disse o chefe da
unidade, Paulo Roberto Reis de Souza.
Coube à Prefeitura de Canavieiras a contratação de um estudo sobre a
mortandade dos caranguejos em 2003, quase dois depois dos primeiros casos de
morte. Realizado por uma pesquisadora de Sergipe, o estudo concluiu pela
possibilidade de o fenômeno estar associado à propagação de um vírus.
Segundo o assessor de Meio Ambiente da prefeitura, Jackson Ferreira Souza, a
falta de laboratórios especializados no País, no entanto, impediu que a
hipótese da pesquisadora fosse comprovada.
A assessoria de comunicação do CRA informou o assunto foi considerado de
competência do Ibama e que técnicos do órgão participaram de um grupo de
trabalho sobre o tema. O resultado do trabalho não foi informado. O chefe do
núcleo de pesca da gerência executiva do Ibama na Bahia, José Armando Duarte
Magalhães, disse que houve uma tentativa de formação de uma comissão para
entender o caso, “mas, sem êxito”. “A expectativa é que a pesquisa de
Sergipe tenha sucesso”, disse.
Bicho reaparece, mas ainda está pequeno para a captura
Com muito custo, é possível encontrar pequenos caranguejos-uçás no manguezal
de Puxim do Sul, uma pequena localidade do município de Canavieiras. É um
sinal do repovoamento da espécie. Eles são mais ariscos que os aratus e logo
se entocam em buracos cavados na lama, de onde os marisqueiros os retiram
com a mão. Neste contato, é possível observar se têm o casco superior a 6
centímetros na largura ou se não se trata de uma fêmea em fase de
reprodução, situações em que não podem ser retirados do mangue.
É um trabalho duro, que as gerações mais novas de marisqueiros já não querem
enfrentar e por isso apelam para o uso de redinhas, uma espécie de armadilha
montada com linha de náilon presa na vegetação na boca dos buracos. Ao sair
da toca, o bicho se prende na linha e não consegue sair mais. O pior é que
muitos deles acabam morrendo quando a maré enche sem que sejam retirados
dali. “Eles não querem ter trabalho”, disse Adelito Oliveira, de 57 anos,
que ainda adota a prática tradicional e denuncia a captura de pequenos
caranguejos em Canavieiras.
Com o sumiço do caranguejo no estuário formado pelo Rio Pardo, um dos quatro
maiores rios do Estado, em Canavieiras foi registrada a migração de
marisqueiros para outros municípios. Segundo o presidente da Colônia Z20 dos
Pescadores de Canavieiras, Renvil Fernandes Costa, os marisqueiros não
tiveram qualquer tipo de apoio, muitos foram para outras atividades, como a
colheita de café.
Fazendas de camarão preocupam no sul
Das 25 fazendas de produção de camarão projetadas para Canavieiras, seis já
estão em operação. Os empreendimentos começaram a se instalar a partir de
2003, quando o governo passou a divulgar o Macrodiagnóstico do Potencial da
Bahia para a Carcinicultura Marinha. Disponível em CDRom nas unidades da
Bahiapesca, o estudo identifica áreas dos municípios de Conde, Ituberá,
Canavieiras e Caravelas, ideais para o cultivo do camarão. Em Canavieiras,
foram indicados cerca de 40 mil hectares em áreas classificadas como boa,
excelente e regular.
Segundo o assessor de Meio Ambiente da Prefeitura de Canavieiras, Jackson
Ferreira Souza, o pacote da carcinicultura chegou pronto no município. “Se
fosse discutido, a área sul do município não seria liberada. Locais como
Campinhos, de pesca tradicional, vão ficar isolados” disse ele.
“O medo do pescador é o despejo de dejetos nos manguezais”, disse o
presidente da Colônia Z 20 dos Pescadores de Canavieiras, Renvil Fernandes
Costa, sobre a chegada das fazendas de camarão. “A colônia não foi
comunicada. Tivemos informação depois que o processo estava encaminhado”,
disse ele, sobre o mapeamento feito pelo Estado. Sua preocupação é com as
áreas próximas a Barra Velha e Campinhos, que considera de risco por serem
formadas de brejos e pantânos.
Resolução do Conama é polêmica
De acordo com o presidente da Bahiapesca, Max Stern, os critérios do
mapeamento das áreas potenciais para a carcinicultura na Bahia basearam-se
na legislação estadual e não na resolução do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – (Conama) que trata do licenciamento ambiental dos empreendimentos
de carcinicultura na zona costeira.
Stern disse que “não existe resolução alguma do Conama em vigor. São
resoluções polêmicas e muito restritivas para o setor produtivo”, afirmou. A
afirmação do presidente foi contestada pelo coordenador do Grupo
Ambientalista da Bahia – (Gambá), Renato Cunha. “A resolução do Conama está
valendo e deveria estar sendo obedecida, disse ele.
A exigência de estudo de impacto ambiental para empreendimento com área
acima de 50 hectares é o principal ponto de desacordo do governo do estado
com o Conama. De acordo com o coordenador de Análises de Projetos e Estudos
Ambientias do Centro de Recursos Ambientais, Ruy Muricy, a procuradoria
geral entende que, pelo fato de o estado ter legislação pertinente ao caso,
não é necessário a aplicação das regras de licenciamento do Conama. Pelas
regras do estado, até 50 hectares o empreendimento é considerado de pequeno
porte e sujeito a apenas uma licença simplificada.
“Só se olha o ambiente”
Atraído pela propaganda do governo, o administrador de empresas Anderson
Cândido Moraes largou emprego de professor universitário e, na companhia da
mulher, saiu da cidade de Tubarão no Estado de Santa Catarina, há dois anos,
para investir no negócio de cultivo de camarão. Com a “poupança da família”,
ele disse ter reunido recursos próprios na compra de 160 hectares para a
implantação de duas fazendas em áreas de excelente qualidade, ou seja,
próximas do estuário, de onde é retirada a água para os tanques e para onde
são lançados os efluentes (água resultante do cultivo, com cascas e restos
de ração e produtos usados).
As obras da Fazenda Bahia Sul começaram em janeiro. Em ritmo intenso de
trabalho, a fazenda já está produzindo antes mesmo de serem concluídos todos
os 11 tanques previstos. Os viveiros foram abertos a distância que, segundo
ele, não ultrapassa 30 metros da vegetação do manguezal, conforme foi
orientado no processo de licenciamento.
Para ele, o questionamento feito sobre os riscos da atividade para o
manguezal coloca o produtor numa situação incômoda. “Parece um crime
produzir nesse país. Só se olha o ambiente. O trabalho perdeu o valor”,
disse ele, ressaltando já ter contratado 55 pessoas de Canavieiras. “Isso
ninguém olha”, disse, em tom ressentido.
Apesar de já ter realizado uma despesca, ele não dispunha na semana passada
dos dados do monitoramento do efluente. Segundo ele, o material coletado
ainda estava em análise de laboratório. Anderson informou que o cultivo em
sua fazenda é à base de ração e que não utiliza antibióticos e hormônios de
crescimento. Ele explicou que a causa de doença em viveiros de camarão está
associada ao excesso de camarões por cada tanque. Para evitar isso, ele
disse trabalhar com 20 camarões por metro quadrado. “Na década de 80, a
densidade era muita alta, de 50 a 70”, ressaltou.
Camarões podem propagar doenças
Anders Schmidt/ Biólogo marinho
É sabido que o cultivo de camarões, quando feito de maneira irresponsável e
ilegal, pode causar o desmatamento indiscriminado e a poluição da água pelas
sobras de ração, produtos químicos e antibióticos utilizados.
A grande mortandade de caranguejos que afetou quase toda a região Nordeste
tem sido associada a uma possível doença transmitida pelo camarão
Lithopenaeus vannamei, o mais utilizado na carcinicultura. No entanto, temos
que aceitar que não existem provas desta suposição. A ciência possui algo em
comum com a justiça: ambas precisam de leis, de investigações e de provas.
Sendo assim, temos que convir que esta acusação é injusta. No entanto, a
ausência de provas não impede os cientistas de levantarem hipóteses ou, numa
linguagem mais jurídica, suspeitas.
Já foi provado cientificamente que os camarões utilizados na carcinicultura
podem ser portadores de uma infinidade de vírus causadores de doenças. O
vírus da síndrome da mancha branca leva a uma mortalidade de até 100% em
tanques de criação. Pesquisadores realizaram na Índia experimentos que
comprovaram que este vírus pode ser transmitido para outras espécies de
camarões, lagostas, pitus e caranguejos. (Rajendran et al. 1999).
Outro pesquisador, no Golfo do México, expôs outra espécie de caranguejo ao
vírus e constatou não só a infecção como também o aparecimento dos sintomas
e conseqüente morte dos indivíduos testados (Soto et al. 2002). Esses
resultados não são suficientes para afirmar que a mortandade dos caranguejos
no Brasil foi causada por uma virose transmitida pela carcinicultura. Isso
porque os caranguejos utilizados nos experimentos não são da mesma espécie
que o nosso, e, durante a mortandade, os caranguejos-uçás não apresentaram
os sintomas da mancha branca.
No entanto, isso não deve nos deixar tão tranqüilos, pois, como já foi
relatado, os camarões da carcinicultura são portadores de muitos outros
vírus. Para certificar que não há riscos, seria necessário realizar testes
com todos estes vírus e com as nossas espécies de caranguejo.
Sendo essas doenças prejudiciais para os carcinicultores, não é de interesse
deles que seus camarões venham a ser contaminados. O problema é que a
transmissão das doenças ocorre involuntariamente e de maneira muito rápida.
O vírus da mancha branca, por exemplo, foi primeiramente identificado na
Ásia em 1992 (Takahashi et al. 2003) e em 1995 já estava atacando camarões
na América Central (Lawrence et al., 2001).
Há alguns anos, o Equador, um país relativamente próximo ao nosso, teve suas
fazendas de camarão afetadas pelo vírus da mancha branca. Um outro vírus,
chamado Taura, foi registrado inicialmente em 1992, nas margens do Rio
Taura, também no Equador, e se espalhou rapidamente pela América Central,
chegando aos Estados Unidos (Nascimento, 2001).
A questão é: como evitar a contaminação dos camarões utilizados na
carcinicultura brasileira com tantas doenças por aí? É muito fácil dizer que
basta não comprar pós-larvas de camarões de países afetados pelas viroses.
Mas como controlar isso em um país que não está conseguindo controlar o
tráfico de animais silvestres?
Segundo o Dr. S. K. Johnson, os viveiros de camarões são sistemas abertos
onde todo o tipo de troca biológica pode ocorrer, além da água ser captada
dos estoques naturais.
Uma grande monocultura está começando a se disseminar de maneira desenfreada
em nossa região. Infelizmente, as experiências de outros países levam a crer
que, mais cedo ou mais tarde, uma “vassoura-de-bruxa” de camarão poderá
chegar, com o agravante de poder contaminar espécies nativas. É uma
hipótese? É uma suspeita? Sim. A questão é: vale a pena correr o risco e
esperar para conferir?
Depoimento
Adelito Oliveira Avelino
“Dava pra fazer um romance do sofrimento que eu já passei na vida. Nasci
aqui mesmo no Puxim. Meu pai morreu cedo, eu tinha oito anos e comecei a
trabalhar. Tomava um cafezinho com farinha e ia pra roça mais minha avó,
capinar ajudar plantar roça. Ela gostava muito de pescar também. Naquele
tempo tinha fartura de caranguejo, cada um comia um quarto, e ficava
satisfeito. Sempre falo para os meus filhos, que, só não tô muito triste
porque eles estão estudando. O que eu não tive, tô dando pra eles.
Aqui tem muita coisa irregular, a poluição e a perversidade de matar os
caranguejos. Me interessei pelos bichos. Quando eu via os meninos rumano
bala nos pássaros eu corria atrás pra tomar os estilingues. Hoje em dia, a
gente não vê um pio de um passarinho.
Essas fazendas de camarão é que vai destruir a gente. Já ta começando,
porque as águas da lavoura estão jogando dos tanques pro rio. Eu acredito
que vai prejudicar a natureza porque tem morrido vários peixes nas bocas dos
esgotos deles. Os biólogos, cientistas, eles falam que são 10 anos pra
recuperar aonde tem os tanques. E aí vai ficar muito difícil pra gente,
porque o marisco vai se acabando, vai ficando difícil a fome vai chegando
cada vez mais.
Eu não acho que seja viável não, aonde tinha a caça aonde tinha o guaiamun,
que é nas beiradas do mangue que ele fica, hoje não acha mais nenhum. Ali
mesmo, no (km) 18, o rapaz com a pá mecânica empurrava a terra e o pessoal
ia pegando o guaiamun saindo debaixo das tocas deles. Era uma região que
mais tinha guaiamun.
O governo não consultou pescador e marisqueiro, não. A gente sempre vem
batendo na tese, protestando, mas não resolve de nada porque o governo ta
envolvido nisso. O governador já esteve aqui numa pesca de camarão numa
dessas fazendas aí fazendo banquete aí com o pessoal. Ele ta achando que ta
bom, que ta desenvolvendo, ta dando emprego pro povo, mas, no fim, depois
que acabar isso aí e só ficar cascalho, pra recuperar as áreas vai ser mais
10 anos, como a gente vai ficar? Aqui tem 70% de pescador só desse
arraialzinho que vocês estão vendo vendo que não tem outro meio. Agora
mesmo, de capturador de caranguejo foram 25 pra Vitória, trabalhar na
catação do café.
Tenho medo não. Os contra, que querem que acabe tudo, às vezes até me
aconselham que eu deixe pra lá, que me acomode, mas eu não acho meio de me
acomodar não, se eu pudesse agir eu agia. É por causa do medo que o povo tem
de denunciar que as coisas acontecem aqui na região. ”
Adelito Oliveira Avelino é uma liderança entre os marisqueiros da comunidade
de Puxim, em Canavieiras
A Tarde