A esperança vem de moléculas isoladas do veneno das viúvas-negras que vivem nos Andes por pesquisadores da Universidade de la Frontera, no Chile, e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Uma das substâncias tem potencial para se tornar um novo Viagra, segundo a equipe. De quebra, outras substâncias do veneno poderiam virar anticoncepcionais, antibióticos e até anticáries.
O pesquisador conhecia o chileno Fernando Romero, coordenador dos estudos sobre o veneno da aranha, desde que ele havia feito seu doutorado em São Paulo, o que os estimulou a trabalhar juntos para entender os efeitos da substância. “Poderíamos criar uma espécie de Viagra”, afirma Miranda. A equipe da universidade chilena já tinha estabelecido colônias da espécie no laboratório, o que facilitava esse objetivo.
“Hoje dispomos de tecnologias que nos permitem manejar o processo de reprodução sem mudar as condições ecológicas do animal”, afirma Romero, que trabalha no projeto ao lado de Raúl Salvaticci. Na natureza, diz o pesquisador, as fêmeas do aracnídeo alimentam de três a quatro machos até a maturidade, quando então os utilizam para várias fertilizações e depois os matam.
O estudo cuidadoso das substâncias que compõem o veneno da viúva-negra conseguiu identificar diversas neurotoxinas (substâncias que agem sobre o sistema nervoso). Uma delas, um peptídeo (fragmento de proteína) parece ser o que causa a ereção em quem é picado. “Ele deve produzir um efeito vasodilatador muito forte nos corpos cavernosos [as estruturas “ocas”] do pênis”, afirma o pesquisador chileno.
Espermatozóide lento
Outro peptídeo tem ação ainda mais curiosa: ele diminui a mobilidade dos espermatozóides, o que levou os pesquisadores a pensar nele como um possível anticoncepcional masculino. Miranda, da Unifesp, diz que ainda não se pode afirmar com certeza como a substância age, mas parece haver uma interferência sobre os canais de íons –uma espécie de jato molecular usada pelos espermatozóides para nadarem.
Finalmente, outra substância, da família química das poliaminas, mostrou ter boa ação antibiótica contra bactérias, em especial a Streptococcus mutans, causadora das cáries. No caso da atividade estimuladora do primeiro peptídeo, o trabalho já avançou consideravelmente, diz Miranda.
A aplicação do peptídeo isolado em ratos, camundongos e coelhos conseguiu o resultado que um humano que sofre de impotência esperaria: um efeito muito rápido, em doses relativamente pequenas e, aparentemente, sem as reações negativas causadas pelo veneno. Agora, além de avançar nos estudos in vitro e em animais, a equipe pretende melhorar as moléculas com as quais a evolução dotou a L. mactans, criando versões sintéticas delas. Só assim será possível patentear futuros medicamentos com base nas substâncias.
“Acho que a questão dos testes clínicos foge um pouco da nossa alçada”, diz Miranda. Quando as substâncias estiverem prontas para os primeiros testes em humanos, a equipe deve passar a bola para a empresa farmacêutica chilena Silesia, que poderá transformar as moléculas em produtos. Se a idéia vingar, cada universidade receberá 40% do valor da patente, e os 20% restantes serão da Silesia.
O estudo recebe financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), do Ministério da Ciência e Tecnologia brasileiro, do órgão equivalente no Chile, o Fondef-Conicyt.
REINALDO JOSÉ LOPES
Folha de S.Paulo