A região é a segunda com o maior número de trabalhadores forçados do mundo, ficando atrás apenas dos países da Ásia e do Pacífico, onde existem mais de 9,4 milhões deles. Os países industrializados, que englobam a Europa e os Estados Unidos, registram 360 mil. No mundo todo, são 12,3 milhões.
O chefe do programa de combate ao trabalho forçado da OIT, Roger Plant, diz que o alto número de pessoas que trabalham em regime forçado na América Latina preocupa.
Para acabar com o problema na região, Plant sugere que todos os países sigam os passos do Brasil, que é destacado no relatório como exemplo de país que melhorou suas leis e a aplicação delas para combater a impunidade daqueles que praticam ou colaboram com o trabalho escravo.
Modelo
De acordo com o levantamento, se no passado o Brasil foi criticado pelo baixo número de processos na Justiça relacionados a crimes de trabalho forçado, “houve uma mudança significativa desde o início de 2003”, quando o “governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou medidas mais fortes para combater o trabalho forçado e a impunidade no Brasil”.
Plant diz que as ações fizeram com que o número de investigações e aberturas de processos crescesse muito nos últimos dois anos. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, mais de 10 mil trabalhadores em regime de escravidão foram “libertados” entre 1995 e 2003, sendo que só em 2002 e 2003 foram mais de 7 mil.
“Sempre dizemos que o Brasil é o modelo. Existem pessoas que falam que a pobreza é a causa do trabalho escravo, mas nós insistimos que é a impunidade. É preciso combater a impunidade. Sempre. O governo brasileiro vem tomando medidas eficazes e corajosas”, diz Plant.
A OIT explica no relatório que um dos problemas no país sempre foi em relação a quem caberia julgar os casos de trabalho forçado: os tribunais federais, estaduais ou as instâncias trabalhistas. Também havia reclamações de que as punições eram muito brandas para ter efeito sobre quem cometesse o crime.
Em dezembro de 2003, o Código Penal foi alterado para explicitar o conceito de “redução da pessoa à condição análoga à de um escravo”.
Se, antes, o código dizia apenas que estava sujeito à pena aquele que colocasse este conceito em prática, a nova legislação estabeleceu as circunstâncias do crime: submeter a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitar a condições degradantes de trabalho e ainda restringir a locomoção do trabalhador em razão de dívidas contraídas.
O estudo destaca ainda o fortalecimento do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, criado em 1995 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, no mesmo ano em que o governo reconheceu que existe trabalho escravo no Brasil.
Tráfico de pessoas
Apesar de o documento não informar números por país, ele traz dados (já conhecidos) do Brasil: são pelo menos 25 mil vítimas de trabalho escravo, a maioria nos Estados do Pará e Mato Grosso.
Plant admite, no entanto, que este número pode ser bem maior. “É altamente possível que, com mais investigações e pesquisas, seja possível identificar outros casos de trabalho forçado, como, por exemplo, migrantes da Bolívia e do Paraguai, pessoas em empresas coreanas em São Paulo e as trabalhadoras domésticas”.
“Como qualquer outro país, é preciso fazer investigações muito rigorosas e detalhadas para averiguar a totalidade de casos de trabalho forçado”.
Cerca de 2,4 milhões de vítimas do trabalho escravo são traficadas, e quem mais lucra com isso são os países industrializados, segundo o relatório.
O lucro com o tráfico de pessoas em todo o mundo seria de US$ 31,6 bilhões por ano, sendo que quase a metade (US$ 15,5 bilhões) acabaria nos países da Europa e nos Estados Unidos.
Comércio sexual
No mundo todo, 56% das pessoas que trabalham em regime forçado são mulheres e meninas.
Na Europa, metade das pessoas em regime de trabalho escravo é vítima do comércio sexual.
Mais uma vez, Plant toma o exemplo brasileiro para falar da necessidade de melhoria da legislação sobre o assunto nos países europeus.
“A maioria das legislações não entra em detalhes, e os países não estão dedicando recursos à polícia para investigação, abertura de inquéritos e sanções, como o Brasil está fazendo um pouco. E não há sanções. A coisa mais alarmante do nosso relatório é que, tanto nos países industrializados como nos subdesenvolvidos, o trabalho forçado não é devidamente castigado”.
Por outro lado, o relatório da OIT diz que o maior desafio do Brasil é aliar os esforços de melhor aplicação das leis contra a impunidade com estratégias eficazes de prevenção e reabilitação.
“Eu gostaria de ver muito mais programas fortes de reintegração e de prevenção nos Estados de todo o Nordeste, por exemplo, de onde vêm os trabalhadores que são explorados.”
“Sabemos que o Brasil tem uma grande campanha contra a pobreza. Gostaria de ver parte deste programa dirigida especificamente às comunidades onde a exploração é mais grave”.
BBC BRASIL