Ferraz cita uma pesquisa com decisão compartilhada que ele realizou em 1994 pelo Departamento de Reumatologia da Unifesp. Foram acompanhados 17 pacientes que tinham doenças nas articulações.
Eles tomavam um medicamento que causava lesões no fígado e, por isso, deveriam periodicamente fazer uma biópsia do órgão, o que significava uma internação e alguns riscos, ainda que em pequeno grau. Quem não fizesse a biópsia poderia não saber em que grau o fígado estaria sendo prejudicado, podendo ter, no futuro, doenças como a cirrose.
Foi perguntado aos pacientes se eles preferiam submeter-se à biopsia, correndo risco de curto prazo, ou deixar de fazê-la, correndo risco de longo prazo. A maioria preferiu a segunda opção.
Os médicos também foram questionados sobre qual decisão tomariam se tivessem o problema e disseram, ao contrário dos doentes, preferir correr o risco de curto prazo.
“Na época, a biópsia era indicada pelos médicos. Hoje não é mais necessário fazer, pois conhecemos mais a droga e sabemos que a chance de gerar cirrose é quase inexistente. O paciente precisa opinar, porque é ele que vai sofrer as conseqüências uma vez submetido a uma intervenção”, diz o reumatologista.
A falta de informação foi um problema para a advogada C. M., 59. Seu pai, de 90 anos, fraturou o fêmur pela segunda vez. Se ele não for operado, corre o risco de ter trombose e pneumonia e de ficar paraplégico. Mas, como ele é hipertenso, a anestesia geral necessária à operação pode causar complicações. Da primeira vez, a família optou pela cirurgia. Após ser operado, ele teve infecções, trombose e alucinações. “Os médicos falaram que ele poderia ter alguns problemas, mas não mostraram todos esses riscos. Para que o paciente ajude a decidir, os médicos têm que fornecer todas as informações”, diz. Desta vez, C.M. e a família estão “em um impasse” e não sabem por qual tratamento optar.
Já a dentista Camila Mott Tavares, 32, e o engenheiro Paulo Henrique Tavares, 34, não tiveram problemas com falta de informação. Há um ano e meio tentando engravidar, eles procuraram um especialista e descobriram a causa do problema –que poderia ser tratado de três maneiras diferentes.
Explicação em quadros, apostilas, artigos e endereços na internet apontados pelo médico serviram de base para a escolha do casal. “Ele explicou o problema inteiro e deu muita informação para sabermos o que estava acontecendo. Como ele nos informou muito bem, ficamos seguros e à vontade para fazermos nossa escolha”, diz Paulo Henrique, que comemora o segundo mês de gestação de Camila.
Isso porque o paciente só estará apto a participar da decisão quando estiver muito bem informado, de acordo com o ginecologista Paulo Ayroza Ribeiro, da Santa Casa de São Paulo.
Entretanto nem sempre parte do médico compartilhar a decisão do tratamento. “Não aceito nada imposto. Tenho a necessidade de saber por que terei de tomar isso ou aquilo”, afirma a analista de informação e bibliotecária Miriam Piazza, 47, que, diante de diversas opções para tratar os sintomas da menopausa, escolheu a que achou menos invasiva e mais segura. “Muitas vezes, o próprio paciente traz questões sobre tratamentos que viu nos jornais ou na internet”, confirma o oncologista Mário Mourão, chefe do Departamento de Mastologia do Hospital do Câncer, em São Paulo.
Algumas instituições estão pesquisando a melhor forma de o médico passar as informações ao paciente. A universidade canadense McMaster, por exemplo, faz estudos com metodologias (esquemas feitos em painéis que são apresentados pelo médico) para tornar as explicações mais compreensíveis, facilitando a decisão do paciente. “Se queremos ter decisões compartilhadas, temos que resolver o problema de comunicação entre as partes”, diz o médico Amiran Gafni, professor da universidade. De acordo com José Roberto Goldim, o Brasil trabalha mais na linha de uso de uma linguagem menos acadêmica e mais coloquial. “Vários estudos mostram que os pacientes se baseiam basicamente em informações verbais para tomar decisões. Quando você dá documentos escritos, eles quase não lêem.”
Mas existe ainda o caminho inverso: quando o paciente procura o especialista munido de tantas informações que, antes mesmo do diagnóstico médico, palpita sobre o melhor tratamento.
É o caso da decoradora Vânia Scalamandré Duarte Garcia, 45, que, por conta de manchas de sol em sua pele, foi à dermatologista com a idéia fixa de fazer um peeling abrasivo.
“Queria logo resolver isso e achei que essa seria a melhor escolha. Depois de muita conversa, ela me convenceu a fazer um tratamento menos agressivo”, conta a decoradora, que é favorável à decisão compartilhada quando se trata de medicina estética. “É complicado ter uma decisão compartilhada em casos graves, em que, se não tomar tal remédio, o paciente poderá até morrer”.
FLÁVIA MANTOVANI
ANA PAULA DE OLIVEIRA
Folha de S. Paulo