Forte aliada da hipocrisia, a mentira continua desenhando o mundo e construindo protótipos da verdade aparente. Com fervor cada vez maior, as pessoas mentem para trabalhar, mentem para namorar, mentem para liderar, mentem para impressionar, mentem para convencer, mentem para parecerem o que não são, mentem para viver, mentem até para mostrar que não mentem. É o mundo da aparência, do falsamente agradável, da resposta evasiva, dos argumentos relativos, do culto ao sucesso ilusório, do vazio existencial. A imensa maioria dos dicionários afirma, entre outras coisas, que hipocrisia é o fingimento de qualidades. Na verdade, a hipocrisia é a virtude deteriorada pelo falso desejo de ser virtuoso, uma vez que o hipócrita não tem vontade real de ser bom, apenas uma inclinação para apresentar-se em consonância com o perfil idealizado.
Verossímil ou não, o que me levou a escrever sobre um tema tão árido foi o convencimento pessoal de que é possível construir uma existência sem hipocrisia. Penso que é perfeitamente plausível mostrar a verdadeira cara e, porque não dizer, os lugares mais recônditos de nossas almas. Nunca me convenci de que para ser feliz, ser um cidadão querido ou um profissional respeitado é fundamental alimentar uma vida dissimulada. Por todos os ângulos, é possível dizer a verdade e arcar com seu ônus natural. Basta coragem, boa vontade e, sobretudo, a consciência de que não dá para passar a vida inteira sendo outra pessoa. As relações humanas baseadas na mentira, na infidelidade e no tratamento desleal têm duração curta. Não viemos até aqui para prescindirmos do único direito verdadeiramente intransferível: o de sermos nós mesmos, com todos os nossos defeitos, fragilidades, equívocos e, sobretudo, fraquezas.
Alex Malta Raposo