CIA TRAPIZONGA DE TEATRO APRESENTA

DIÁRIO DO HOSPÍCIO fala de preconceito e tortura manicomial no olhar de Lima Barreto

O Teatro Municipal de Ilhéus recebe o novo espetáculo da Companhia Trapizonga de Teatro: “Diário do Hospício” de Lima Barreto, o texto é uma reunião de anotações feitas pelo escritor brasileiro no início do século XX, quando o autor ficou internado em hospícios do Rio de Janeiro por alcoolismo e depressão. Inconformado com a pobreza e a miséria da população, cético com as diferenças sociais, inadaptado num país que copiava os estrangeirismos sem qualquer olhar crítico, Lima Barreto peregrinou pelas ruas do Rio anotando todos os comportamentos e denúncias de sua época, foi um revolucionário das letras e um visionário das artes, pois sabia das mudanças de seu tempo. Percebeu que os problemas sociais também eram políticos e que a educação brasileira excluía negros, pobres e mulheres, sabia que a maioria da população da época sequer tinha percebido uma identidade ou valores das culturas. Foi um modernista brasileiro e modificou as narrativas dos romances, por isso não foi aceito pela crítica e nem pelo público da época.

A peça traz uma reflexão sobre a loucura e sobre a rotina do sistema manicomial que existia no país em 1900, e ainda mostra a tortura psicológica que Lima Barreto sofreu, durante anos, por ser negro e pobre. O texto é sensivelmente atual porque revela o preconceito étnico-racial de forma crua, irônica e absurda, que já são marcas das peças feitas pela Cia Trapizonga. O escritor Lima Barreto passou a beber ainda jovem quando sentiu o que era ser “negro e pobre” no Brasil pós-Abolição, tinha vários problemas familiares e viu sua vida toda mergulhada na pobreza e na negação de sua literatura. Ninguém ousava publicá-lo. A sua arte era irreconhecível para os padrões do país, porque era crítica, irônica e moderna demais. Ele queria ser reconhecido e respeitado, mas viu a sua ficção ser ignorada pela população e pelos editores.

“Tudo que Lima Barreto escreveu continua sendo o retrato do país, ele não foi um louco em estado vegetativo, nem um demente para os problemas que cercavam seu tempo, apenas percebeu como os cidadãos eram considerados loucos pela ciência e como eram tratados dentro dos hospícios, foi um homem inconformado e melancólico”, analisa o diretor da peça Márcio Gledson. O elenco traz Fábio Nascimento no papel do escritor e Jó Leal e Valdiná Guerra como as enfermeiras desse manicômio absurdo. A peça não é um drama psicológico, mas pretende mostrar que os delírios vividos pelo autor também estão presentes nas enfermeiras, pois revelam que a loucura tem pontos de “contato” de um indivíduo para o outro, como se todos dentro de uma casa de loucos se transformassem numa coisa só. Dia 30 de abril de 2009, às 20:00h, no Teatro Municipal de Ilhéus. E vale lembrar que os ingressos custam R$ 20,00 inteira e 10,00 para estudantes. Uma peça literária e extravagante como o próprio diário do escritor. É uma boa oportunidade para aprender sobre um dos grandes modernistas brasileiros, sobre um escritor que virou personagem de sua própria literatura, que pensava e escrevia sonhando com as mudanças do país – ele só “queria que o Brasil desse certo”. Mas sucumbiu a tudo isso nos hospícios do Rio de Janeiro, escrevendo suas observações de forma clara e complexa, sem esquecer que num país de grandes contrastes o melhor é manter-se consciente, ao mesmo tempo em que se tomam os remédios.

Vale a pena conferir, única apresentação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *