Entenda a morte cerebral e a doação de órgãos

A campanha de incentivo à doação de órgão do Ministério da Saúde desse ano tem como tema: “Tempo é vida. Doe órgãos. Doe vida. Para ser um doador, avise sua família”. Com esse alerta, o governo chama a atenção para o que tem sido mais um dos empecilhos para a realização de mais transplantes no país: a decisão dos familiares.
Mesmo que o paciente manifeste em vida o desejo de doar, cabe ainda à família autorizar ou não a retirada de órgãos e tecidos. E, como ainda há muitos mitos e dúvidas envolvendo o assunto, a decisão – que já é rodeada por um forte impacto emocional – fica mais difícil.

Para tentar esclarecer algumas dúvidas sobre a doação e transplantes de órgãos, entrevistamos Rogério Carballo Afonso, médico cirurgião da Equipe de Transplante de Fígado do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos).Confira:

Terra: É possível deixar algum documento escrito para comprovar a vontade de doar? Isso não garantiria a doação, independentemente da opinião dos familiares?
Rogério Carballo Afonso: Não existe nenhum documento desse tipo. Sem a autorização da família, a doação não é feita.

Terra: Toda pessoa que morre pode ser considerada um potencial doador ou só em caso de morte encefálica?
RCA: A doação de órgãos – com exceção das doações feitas em vida – só pode ser feita com a detecção da morte encefálica, ou morte cerebral, como é mais conhecida. A morte por parada cardíaca possibilita apenas a retirada de tecidos, como córneas, pele, ossos e cartilagens. Em alguns países, são retirados órgãos de mortos por parada cardíaca, mas isso não ocorre no Brasil.

Terra: Em quais situações é determinada a morte cerebral (ou encefálica)?
RCA: Quando há a parada total e irreversível das funções cerebrais. Nesse caso, os outros órgãos do paciente, como o coração, continuam funcionando por meio de aparelhos. Para comprovar a morte encefálica, é preciso o diagnóstico clínico feito por, pelo menos, dois médicos diferentes, em um intervalo – normalmente a cada seis horas – que varia para cada faixa etária. Por último, é feito um exame complementar que comprove a ausência de atividade cerebral, seja ela atividade elétrica, metabólica ou ausência de circulação sangüínea.

Terra: É verdade que o Brasil é o campeão em doação de rim?
RCA: O Brasil é o segundo país em número de transplantes, em geral. O primeiro lugar fica com os Estados Unidos. No entanto, considerando a dimensão da população brasileira ainda estamos muito atrás.

Terra: Qual o tipo de doação mais freqüente no Brasil e a menos freqüente?
RCA: A doação de córneas é a mais realizada no País, porque é a mais simples no que diz respeito à técnica para realização do transplante. Além disso, este tecido pode ser retirado de doadores com morte cardíaca. No Estado de São Paulo, por exemplo, não há fila para o transplante de córneas. É preciso esperar apenas alguns dias para a cirurgia. Já os transplantes menos realizados são os de pulmão e coração, porque, mesmo com a intenção de doar, é mais difícil manter a qualidade desses órgãos.

Terra: Como estão as filas de transplantes hoje no Brasil? Continuam enormes ou a situação melhorou?
RCA: A desproporção é cada vez maior. Infelizmente, a fila de espera por transplantes ainda cresce muito mais que a quantidade de órgãos e tecidos doados.

Terra: A família pode escolher para quem o órgão será doado? Em que casos essa escolha pode ser feita?
RCA: A escolha só pode ser feita em caso do doador vivo (veja abaixo quais doações podem ser feitas em vida). Já a família do doador falecido não pode direcionar os órgãos, que são oferecidos à lista de espera.

Terra: O que a lei diz sobre as famílias do doador e do receptor? Eles podem se conhecer?
RCA: Este não é um encontro estimulado para que o processo seja o mais isento possível. Caso o receptor ou sua família deseje saber quem foi o doador, a equipe que realizou a cirurgia de transplante não pode informá-los, até mesmo porque, em algumas situações, nem mesmo os médicos sabem a procedência do órgão.

Terra: Uma das principais dúvidas é sobre como fica o corpo da pessoa que doou os órgãos e tecidos. Há riscos de deformação?
RCA: Esta é uma preocupação levada a sério pelas equipes responsáveis pela remoção de órgãos e tecidos. É respeitado todo o procedimento como em uma cirurgia normal. Ficam cortes, como em toda intervenção cirúrgica, mas que não são perceptíveis no velório, por exemplo, já que o corpo é velado com roupas. Não é possível identificar se um determinado corpo foi ou não doador.

Terra: Todos os hospitais no País estão preparados para fazer um transplante?
RCA: Pela lei (uma portaria assinada no dia 27 de setembro de 2005 pelo então ministro da Saúde, Saraiva Felipe), todos os hospitais públicos, privados e filantrópicos com mais de 80 leitos devem ter uma Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT). A função da comissão é identificar possíveis doadores e viabilizar a remoção dos órgãos, assim que for autorizada pela família do doador. Na prática, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País ou em cidades afastadas dos grandes centros, nem todos os hospitais possuem esse recurso ou nem sempre a comissão funciona da maneira que deveria.

Terra: Quais os obstáculos que hoje dificultam o transplante no Brasil?
RCA: Claro que ainda faltam muitas equipes, principalmente fora das regiões Sul e Sudeste. Mas é preciso também esclarecer as dúvidas e mostrar que a retirada de órgãos é algo seguro e feito por profissionais preparados. Outro fator muito importante é deixar claro para as famílias o desejo de ser um doador. Não deixe essa decisão para um momento em que não é fácil racionalizar. Se um pai ou um filho sabe do desejo do parente, fica mais fácil ele autorizar a doação, até mesmo como uma forma de última homenagem.

Saiba quais órgão podem ser doados:
– Córneas (retiradas do doador até seis horas depois da parada cardíaca e mantidas fora do corpo por até sete dias);
– Coração (retirado do doador antes da parada cardíaca e mantido fora do corpo por no máximo seis horas);
– Pulmão (retirados do doador antes da parada cardíaca e mantidos fora do corpo por no máximo seis horas);
– Rins (retirados do doador até 30 minutos após a parada cardíaca e mantidos fora do corpo até 48 horas);
– Fígado (retirado do doador antes da parada cardíaca e mantido fora do corpo por no máximo 24 horas);
– Pâncreas (retirado do doador antes da parada cardíaca e mantido fora do corpo por no máximo 24 horas);
– Ossos (retirados do doador até seis horas depois da parada cardíaca e mantidos fora do corpo por até cinco anos);
– Medula óssea (se compatível, feita por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue);
– Pele;
– Válvulas Cardíacas.
Fonte: Ministério da Saúde

Quais doações podem ser feitas em vida?
Alguns órgãos e tecidos podem transplantados com o doador em vida. São casos de um órgãos duplo, como o rim, do pâncreas, de uma parte do fígado (até 70% dele) ou do pulmão (apenas parte dele, em situações excepcionais). Também é possível doar tecidos, como a medula óssea (se compatível, feita por meio de aspiração óssea ou coleta de sangue). Normalmente, a doação em vida é feita para beneficiar um parente ou amigo. E só é realizada se não representar nenhum problema de saúde para a pessoa que doa.
Fonte: Ministério da Saúde

Quem não pode doar?
– Pacientes portadores de insuficiência orgânica que comprometa o funcionamento dos órgãos e tecidos doados, como insuficiência renal, hepática, cardíaca, pulmonar, pancreática e medular;
– Portadores de doenças contagiosas transmissíveis por transplante, como soropositivos para HIV, doença de Chagas, hepatite B e C, além de todas as demais contra-indicações utilizadas para a doação de sangue e hemoderivados;
– Pacientes com infecção generalizada ou insuficiência de múltiplos órgãos e sistemas;
– Pessoas com tumores malignos – com exceção daqueles restritos ao sistema nervoso central, carcinoma basocelular e câncer de útero – e doenças degenerativas crônicas.
Fonte: Ministério da Saúde

Serviço:
Para mais informações: Disque Transplante
Telefone 0800-611997

Sistema Nacional de Transplantes
http://dtr2001.saude.gov.br/transplantes/

Ministério da Saúde – Doe Vida. Doe órgãos
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=410

Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)
http://www.abto.org.br/

Redação Terra

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