“É como se fossem os olhos e a boca de Deus nos guiando na direção do peixe e de volta para praia ao fim da labuta”. É de forma quase religiosa que o pescador José Antônio Gouveia, 63 anos, comenta a melhora que a utilização de um receptor GPS – sigla inglesa para Sistema Global de Posição – resultou em seu trabalho. Joel é uma exceção. Nem ao menos 10% dos 80 mil pescadores baianos utilizam aparelhos como este na batalha diária pelo melhor pescado.
Há mais de dez anos, Gouveia utiliza o GPS para localizar os pesqueiros, onde os peixes costumam comer e se abrigar. Ele não abre mão de outros instrumentos, como a eco-sonda, que registra o relevo e a profundidade de determinado ponto no mar. “A tecnologia unida ao nosso saber de pescador faz toda diferença”, diz. Diferença até então desconhecida para 280 colegas de profissão de Joel, os quais receberam treinamento do órgão de fomento Bahia Pesca para utilizar o GPS. Desde maio, 13 colônias e associações da Baía de Todos os Santos receberam 286 receptores.
A iniciativa da Bahia se deve à óbvia constatação de precariedade das condições de trabalho dos pescadores do terceiro maior produtor pesqueiro no país, com uma produção anual de 45 mil toneladas de peixe. Boa parte dos pescadores não usa nem instrumentos antigos como a bússola. “Queremos ajudar primeiro com a capacitação destes instrumentos, até chegarmos à questão propriamente da estrutura da embarcação. Nossa produção pode aumentar muito”, prevê o presidente do órgão, Aderbal de Castro.
Para se ter uma idéia de como a pesca da Bahia ainda apresenta características artesanais, basta saber que de um universo de mais de 15 mil embarcações, apenas 890 têm documentação regular junto à Marinha. O órgão deve investir até meados de 2009 cerca de R$4,5 milhões neste programa.
Com um receptor GPS, um pescador não necessita mais confiar apenas na memória e na experiência para registrar rotas e pontos de pesca. Que o diga Aloísio Queiroz, o “Lula”, que com quatro anos de estudo formal – ele parou na 3ª série do ensino fundamental –, diz não ter encontrado dificuldades no manuseio do aparelho. “Na primeira vez, foi complicado fazer as marcações de latitude e longitude. Mas, com a prática, eu já fiquei craque”, brinca o pescador de 43 anos. Desde que passou a usar o GPS, ele já descobriu 20 novos pesqueiros de extensos cardumes de espécies como olho-de-boi, badejo e vermelho.
“Olhômetro” – Normalmente, a localização de um pesqueiro é feita na base do “olhômetro”. Do barco, o pescador faz a marcação do local tendo como referência dois pontos em terra. Em dias de mau tempo, a artimanha era inútil. “O cruzamento das informações no GPS numa carta náutica impede que a gente saia à toa para trabalhar”, comemora Gouveia.
O GPS é composto por 27 satélites que orbitam em torno da Terra e são movidos a luz solar. As duas rotações diárias que cada satélite realiza são programadas para que sempre haja quatro deles com possibilidade de serem captados pelos receptores. Quando um receptor rastreia estes satélites “visíveis”, ele determina a sua própria posição na Terra em termos de latitude e longitude.
Maior probabilidade de encontrar peixes associada à maior segurança. O pescador Paulo Garcia Caminha, 46, espera não ficar novamente à deriva um dia inteiro em alto-mar esperando o fim de uma tempestade, como já aconteceu muitas vezes nos seus mais 30 anos de profissão. “Em menos de um dia se aprende a usar o aparelhinho. Não tem mistério. Até um analfabeto aprende facilmente”, garante o pescador da comunidade soteropolitana de Gamboa
Correio da Bahia