IBGE revela que a distribuição da população negra no Brasil reflete ainda hoje a ocupação do país durante o período da escravidão. Os dados são de um estudo feito pelo IBGE a pedido da Secretaria Especial da Igualdade Racial da Presidência da República.
De acordo com a reportagem, “a partir dos dados do Censo de 2000, os pesquisadores apontaram uma coincidência entre a alta concentração de população negra [pretos e pardos autodeclarados ao IBGE] e os portos que atuaram como receptores de escravos: São Luís [MA], Salvador [BA], Recife [PE] e Rio de Janeiro [RJ]”.
O trabalho do IBGE “aponta ainda a permanência dos negros em regiões para as quais eles se deslocaram de acordo com o desenvolvimento da economia durante a escravidão, como o litoral nordestino e o interior do Maranhão e do Piauí”.
Hoje, em cerimônia no Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá o mapa das mãos do ministro Edson Santos (Igualdade Racial). Sob Lula, será a primeira vez que o 13 de Maio será tema de solenidade oficial.
Há, no movimento negro, correntes que não vêem motivos para comemorar essa data, pelo fato de, segundo eles, a Lei Áurea, assinada 120 anos atrás pela princesa Isabel, não ter abolido de fato a escravidão no Brasil.
Negros têm só 3,5% dos cargos de chefia
Quem olha ao redor no seu ambiente de trabalho constata que há muito poucos colegas negros. Chefes, então, são raríssimos. Se não surpreendem, por mostrarem uma realidade facilmente perceptível, os números a respeito da presença de negros em cargos de nível executivo nas maiores companhias brasileiras –apenas 3,5%, segundo pesquisa do Ibope com o Instituto Ethos– chamam a atenção para um cenário que empresas e profissionais se acostumaram a tratar com naturalidade. Mas os negros são 49,5% da população do país.
“Eis o resumo da história desde a Lei Áurea, que depois de amanhã completa 120 anos. Mantivemos intacta uma estrutura excludente e discriminatória com base na cor da pele. O topo da hierarquia das firmas não é diferente de outros lugares de prestígio e status na nossa sociedade”, diz José Vicente, presidente da ONG Afrobras e reitor da Unipalmares (Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares).
“A cultura corporativa de um mundo homogêneo vai se reproduzindo. Como os espaços de convivência públicos e familiares são predominantemente brancos, quando é preciso escolher um novo membro para o grupo, as pessoas acabam buscando dentro do espaço que conhecem e no qual se inserem”, completa Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Para as mulheres negras, a situação é ainda mais cruel, já que elas sofrem um duplo preconceito. De acordo com o levantamento Ibope/Instituto Ethos, feito em 2007, não chega a 0,5% a porcentagem de negras em cargos executivos. “As que rompem as barreiras não conseguem se incluir no cotidiano. É muito grave”, frisa Eliana Maria Custódio, coordenadora-executiva do Geledés (Instituto da Mulher Negra).
Na opinião dos especialistas, uma das explicações para o fato de os negros não alcançarem postos mais altos dentro das corporações é o seu limitado acesso a educação básica e superior de qualidade, o que os impede de entrar nas empresas em qualquer tipo de posto. Comparando com outros candidatos, que estudaram em escola particular, cursaram universidades de elite e aprenderam vários idiomas, eles ficam em enorme desvantagem.
A outra razão é o preconceito velado. “O senso comum é que o negro não tem qualificação ou competência intelectual. Assim ele é visto”, resume Vicente. Executivos negros ouvidos pela Folha contam não terem sido alvo de manifestações explícitas de discriminação –o que ocorre com freqüência, dizem, são estranhamentos por parte de colegas e clientes, desacostumados a conviver com eles.
Consultorias de recrutamento e seleção e os departamentos de recursos humanos das empresas sustentam que não existe nenhuma espécie de filtragem dos candidatos por cor. “Isso não é mencionado nos currículos. Os interessados são chamados pela sua qualificação. Só quando adentram a sala é que sabemos se são verdes ou azuis”, afirma Carlos Diz, diretor do Instituto de Liderança Executiva. “Antes, fui “head- hunter” [“caçador de talentos”] por dez anos. Devo ter entrevistado cerca de 6.000 pessoas. Houve apenas um negro.”
As críticas de que as firmas de seleção não escolhem negros porque os avaliadores são brancos não fazem sentido, diz Fátima Zorzato, presidente da consultoria Russell Reynolds no Brasil. “Basta dizer que o meu chefe, baseado em Nova York, é um afro-americano.”
Mudanças
“Os números são críticos nas 500 maiores empresas. Podemos imaginar, então, um quadro ainda mais pessimista no restante”, comenta Hélio Gastaldi, diretor de atendimento e planejamento do Ibope.
Pesquisas como a que ele coordena estão servindo de alerta para que as companhias tomem alguma atitude a fim de começar a corrigir as distorções. “O objetivo do levantamento é trazer uma informação inconteste. Geralmente, os gestores fazem uma avaliação mais positiva do que está acontecendo: 34% responderam sim, quando questionados se a proporção de negros no patamar executivo é adequada. Confrontados com dados objetivos, eles são obrigados a fazer uma reflexão.” Na opinião de Gastaldi, isso é porque o brasileiro em qualquer assunto tem facilidade de fazer críticas no coletivo, mas não reconhece os problemas nele próprio.
Entretanto, Vicente aponta que está tendo início uma transformação nesse campo: “A globalização é uma manifestação da diversidade da qual não dá para escapar. As empresas precisam se adequar, pois qualquer pessoa minimamente esclarecida começa a perceber as incongruências e as pressiona. O Brasil não pode ser um país multicultural para quem vê de fora e branco por dentro.”
Negros morrem mais de homicídio; brancos, de doença
Assim como indicadores de renda e escolaridade, o padrão de mortalidade também reflete a desigualdade racial no Brasil, de acordo com estudo feito por pesquisadores da UFRJ.
Segundo o trabalho dos pesquisadores Marcelo Paixão e Luiz Carvano, desenvolvido entre 1999 e 2005, as principais causas de mortalidade de homens negros são externas, como homicídios. Já os brancos morrem mais por doenças.
Desde 1999, as taxas de morte por homicídios, HIV e tuberculose caíram em ambos os grupos, mas mais entre os brancos, conforme os dados do SUS (Sistema Único de Saúde) em que o estudo se baseou. A mortalidade de negras por problemas no parto supera a das brancas.
O percentual de mortes por causas mal definidas, indicador de atendimento médico mais precário, também é maior entre negros.
Jovens ricos têm problemas com drogas e pobres são maioria em prisões, diz pesquisa
Uma pesquisa divulgada terça-feira (23) pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) revelou que jovens brasileiros de elite têm problemas relacionados ao consumo de drogas e acidentes de trânsito fatais enquanto jovens pobres são maioria no sistema carcerário.
De acordo com a pesquisa, os consumidores de maconha, lança-perfume e cocaína são, em sua maioria, homens jovens brancos de classe A que ocupam papéis de filhos em suas casas e que freqüentam universidades ou o ensino médio. Eles gastam, em média, R$ 45,77 por mês com drogas. O grupo representa 0,06% da população brasileira.
Entre os consumidores declarados de drogas entrevistados pela FGV, 35% têm cheque especial e 44% têm cartões de crédito.
No quadro da elite econômica, as exceções são as de que os consumidores declarados de drogas têm contras atrasadas e uma grande percepção de violência perto de suas casas –64% deles consideram viver em vizinhanças violentas.
Perfil carcerário
Os pesquisadores da FGV concluíram ainda que, entre a população carcerária brasileira, a maioria é formada por homens solteiros, jovens, negros ou pardos e com baixa escolaridade.
Dos presidiários, 96,61% são homens, 79,10% são solteiros, 51,96% têm de 20 a 29 anos e 46,93% são negros e pardos. Entre eles, 12,23% são analfabetos, 77,44% não completaram o ensino fundamental e 46,55% têm educação intermediária.
Um fato destacado pela pesquisa é o de que, proporcionalmente, a população carcerária tem muito mais adeptos a crenças não-católicas ou não-evangélicas e muito mais pessoas que dizem não ter religião que a sociedade em geral.
Entre os presidiários, 19,47% são adeptos de crenças alternativas e 16,21% dizem não ter religião enquanto na sociedade os percentuais são de 2,99% e 6,75%, respectivamente.
Lula defende união de movimentos para aprovar o Estatuto da Igualdade Racial
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu nesta terça-feira, Dia Nacional da Consciência Negra, que os afrodescendentes se unam e exijam de forma organizada seus direitos. Segundo ele, a união é fundamental também para garantir a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que tramita há quase dez anos no Congresso.
Lula afirmou que é necessário definir uma proposta única para evitar polêmicas e mais atrasos.
Bem-humorado, o presidente recomendou que os afrodescendentes “cutuquem” o governo para que obtenham os benefícios prometidos. “Com o somatório de cutucação é que vocês vão tirar mais conquistas”, afirmou, durante a cerimônia em que anunciou a liberação de R$ 2,1 bilhões –no período de 2008-2011– que deverão beneficiar 850 mil pessoas de comunidades quilombolas espalhadas no Nordeste, Sudeste e Sul do país.
Estatuto
“O estatuto [da Igualdade Racial] só será aprovado quando tivermos uma só proposta. Ou nós vamos completar cem anos, como o [arquiteto] Oscar Niemeyer o estatuto ainda vai estar no Congresso”, disse Lula.
“Será que vocês não aprenderam? Quanto mais nós exigimos [de forma dividida, sem unidade], mais os adversários têm vitórias sobre nós.”
Em seguida, o presidente afirmou que: “Vamos deixar aquilo que nos desune de lado para a gente conquistar a vitória”. Indiretamente, ele lembrou que nem sempre tudo o que é necessário e desejado pode ser incluído em uma proposta. “É quase um apelo: as coisas que nós temos de fazer serão alcançadas, se a gente construir o possível”, disse.
Na presença de autoridades brasileiras e estrangeiras, além de representantes de movimentos de defesa dos afrodescendentes, dos quilombolas e de religiões de origem africana, o ministro Gilberto Gil (Cultura) fez um discurso emocionado. “Não foi uma caminhada fácil. Não tem sido. Nem será [mas já houve avanços]”, disse ele.
A ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) também se emocionou durante a solenidade: “Tenho orgulho de ser descendente de africanos e acho que todos aqui têm”.
Folha de São Paulo