A floresta amazônica poderia “morrer” em 50 anos por causa de mudanças climáticas provocadas pelo homem, sugere um estudo internacional publicado na revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences.
Segundo o estudo, muitos dos sistemas climáticos do mundo poderão passar por uma série de mudanças repentinas neste século, por causa de ações provocadas pela atividade humana.
Os pesquisadores argumentam que a sociedade não se deve deixar enganar por uma falsa sensação de segurança dada pela idéia de que as mudanças climáticas serão um processo lento e gradual.
“Nossas conclusões sugerem que uma variedade de elementos prestes a ‘virar’ poderiam chegar ao seu ponto crítico ainda neste século, por causa das mudanças climáticas induzidas pelo homem”, disse o professor Tim Lenton, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, que liderou o estudo de mais de 50 cientistas.
Segundo os cientistas, alterações mínimas de temperatura já seriam suficientes para levar a mudanças dramáticas e até causar o colapso repentino de um sistema ecológico.
O estudo diz que os sistemas mais ameaçados seriam a camada de gelo do mar Ártico e da Groelândia, em um ranking preparado pelos cientistas, que inclui os nove sistemas mais ameaçados pelo aquecimento global.
A floresta amazônica ocupa a oitava e penúltima colocação no ranking.
Chuva
Segundo o estudo, boa parte da chuva que cai sobre a bacia amazônica é reciclada e, portanto, simulações de desmatamento na região sugerem uma diminuição de 20% a 30% das chuvas, o aumento da estação seca e também o aumento das temperaturas durante o verão.
Combinados, esses elementos tornariam mais difícil o restabelecimento da floresta.
A morte gradual das árvores da floresta amazônica já foi prevista caso as temperaturas subam entre 3ºC e 4ºC, por conta das secas que este aumento causaria.
A frequência de queimadas e a fragmentação da floresta, causada por atividade humana, também poderiam contribuir para este desequilíbrio.
Segundo o estudo, só as mudanças na exploração da terra já poderiam, potencialmente, levar a floresta amzônica a um ponto crítico.
A maioria dos cientistas que estudam mudanças climáticas acredita que o aquecimento global provocado pelas atividades humanas já começou a afetar alguns aspectos de nosso clima.
Amazônia ‘guarda 30% do carbono florestal do mundo’
A floresta amazônica é uma reserva de cerca de 80 bilhões de toneladas de carbono – o que equivale a quase um terço do estoque mundial –, segundo um estudo publicado na última edição da revista científica Environmental Research Letters.
As florestas de todo o mundo, de acordo com o levantamento feito pela universidade americana de Wisconsin e das organizações Winrock International e Carbon Conservation, guardam 300 bilhões de toneladas de carbono.
No total das emissões globais de carbono, estima-se que a queima de florestas equivalha a cerca de 20%, e o Brasil, dependendo do estudo, flutua entre a segunda e a quarta posições entre os maiores contribuintes neste quesito. Do total de emissões de CO2 brasileiro, calcula-se que três quartos se devam ao desmatamento.
Ainda segundo o levantamento americano, o segundo país com maior estoque de carbono seria a República Democrática do Congo, com até 36 bilhões de toneladas de carbono, seguido da Indonésia, outro grande contribuinte para as emissões de CO2 provocadas por desmatamento, com até 25 bilhões de toneladas de carbono guardadas em suas florestas.
De acordo com especialistas, as florestas funcionam como grandes reservas de carbono, que é absorvido da atmosfera e é retido pela vegetação e, eventualmente, pela matéria orgânica que se acumula no solo. Com a destruição da floresta, seja por queimadas ou pelo corte da vegetação, esse estoque de carbono acaba liderado na atmosfera e a capacidade de novas absorções se extingue.
Divergências
Uma das polêmicas em torno do debate sobre florestas e reservas de carbono é justamente como medir a quantidade de carbono que elas guardam. Para alguns especialistas, o entendimento científico sobre quanto carbono é retido pelas florestas ainda é baixo.
Para Holly Gibbs, que coordenou o estudo publicado na Environmental Research Letters e é também consultora de Papua Nova Guiné para questões climáticas, o trabalho desenvolvido por ela e por outros cientistas propõe uma nova metodologia de medição.
“A nossa intenção é mostrar que existem formas de se calcular cientificamente os estoques de carbono das florestas, ao contrário do que afirmam alguns detratores”, disse Gibbs à BBC Brasil.
O debate tem sido especialmente relevante na conferência da ONU sobre mudanças climáticas que está ocorrendo em Bali, na Indonésia. No encontro, um grupo de 40 países, que forma a Coalizão das Florestas Tropicais (Tropical Rainforest Coalition), criada por Papua Nova Guiné, defende um mecanismo em que as reservas de carbono das florestas de um país possam ser transformadas em crédito e negociadas no mercado internacional.
Para que isso seja possível, é fundamental que exista uma forma confiável e amplamente aceita de medir as reservas de caborno, justamente o que o trabalho coordenado por Gibbs se propõe.
Um dos grandes problemas para a Coalizão das Florestas Tropicais é a posição do Brasil, que é contra a sua proposta. O Brasil defende uma alternativa baseada na criação de um fundo internacional que forneceria recursos aos países que consigam combater o desmatamento. Pela proposta brasileira, as metas e o controle sobre o desmatamento seriam de responsabilidade dos países quem detêm as florestas.
De acordo com Holly Gibbs, a expectativa da Coalizão das Florestas é de que o texto final do encontro em Bali tenha “palavras fortes” sobre o assunto. Mas ela admite que para isso o apoio brasileiro é fundamental. “A idéia precisa do Brasil, já que o país guarda quase um terço do carbono florestal do mundo.”
Do lado brasileiro, porém, não há sinais de que os negociadores estão propensos a mudar de posição.
Amazônia perde batalha por atenção do mundo, dizem jornalistas estrangeiros
O debate sobre o aquecimento global tem aumentado o interesse sobre a Amazônia no exterior, mas em vários países do mundo a maioria das pessoas ainda não identifica a preservação da maior floresta tropical do planeta como uma questão central no debate sobre mudanças climáticas.
Essa é a opinião de um grupo de jornalistas estrangeiros da BBC que nesta semana está viajando pela Amazônia para investigar como a região pode se desenvolver e ao mesmo tempo preservar a floresta.
“Nos últimos anos a mudança climática, a divulgação dos relatórios do IPCC (sobre alterações no clima) geraram um novo interesse sobre a floresta”, acredita o inglês que vive nos Estados Unidos Alex Gallafent, repórter de um programa de rádio da BBC voltado ao público americano.
“As pessoas (nos EUA) sabem que é importante preservar (…), mas na verdade o gelo derretendo nos pólos ainda é a imagem na qual elas pensam quando se fala em mudanças climáticas.”
“Visão estereotipada”
A opinião é compartilhada por jornalistas de países tão distintos como Romênia e China.
Para o chinês Shum Ping, os chineses ainda têm uma visão estereotipada da região amazônica e para muitos a selva é a última coisa que vem à mente quando se fala do clima.
“Quando contei para um primo meu na China que estava vindo para a Amazônia ele achou incrível”, conta Ping, que atualmente mora em Londres.
“Os chineses em geral pensam em geleiras ou em desertos quando se fala do aquecimento global. Na China a imprensa não faz muito a conexão entre a floresta e esse tema. A Amazônia ainda é um lugar muito distante e misterioso.”
Paralelos
Apesar da distância, o indonésio Muhammad Yusuf Arifin vê muitos paralelos entre a situação da floresta no Brasil e em seu país de origem.
“Nós estamos discutindo a mesma coisa: como explorar a floresta, melhorar a situação de vida da população, e ao mesmo tempo preservar.”
No entanto ele diz que assim como a maioria dos brasileiros deve saber muito pouco sobre a floresta na Indonésia, uma das maiores e mais ameaçadas do planeta, os indonésios sabem muito pouco sobre a Amazônia.
“Os indonésios acham que a nossa floresta é a mais importante do planeta, eles estão muito fechados dentro dos problemas do país e não conhecem a realidade brasileira.”
Impacto global
Mesmo em partes da Europa, a situação da floresta é desconhecida. O jornalista romeno Catalin Striblea diz que embora seu país seja um grande exportador de madeira e tenha problemas com o uso dos recursos florestais, os romenos só conhecem a floresta brasileira por meio de documentários sobre o mundo natural.
Na opinião do ex-secretário de meio ambiente do governo do Amazonas, Virgílio Viana, a comunidade internacional deveria participar mais do debate sobre a preservação por causa do impacto global que a destruição da floresta pode provocar.
“A floresta não é apenas responsável pela absorção de CO2 (gás carbônico), mas também pela distribuição de umidade em áreas que vão muita além dela”, afirma o engenheiro florestal. “É uma questão de impacto mundial.”
Dez jornalistas do Serviço Mundial da BBC, do qual faz parte da BBC Brasil, estão realizando uma viagem de barco entre Manaus e Santarém e realizando reportagens sobre os desafios relacionados à floresta para mais de uma dúzia de países.
Reserva-modelo sofre com falta de recursos no Amazonas
Na entrada da reserva de Uatumã, no Estado do Amazonas, Olavo dos Santos Lima é o homem responsável por dizer que embarcações podem ou não entrar. Ele é um dos três agentes ambientais contratados pela secretária do Meio Ambiente estadual para tomar conta da região.
Olavo mora de frente para o rio, bem perto da recém-inaugurada base de administração do parque. A “entrada” do parque que está sob sua responsabilidade é na verdade o largo rio Uatumã, um afluente do Amazonas.
“A gente tem esta voadora para fiscalizar”, conta ele, apontando para uma pequena lancha a motor que fica parada em frente à base da reserva. “Quando vem uma embarcação desconhecida, a gente pára para perguntar o que eles estão fazendo e se têm autorização.”
Mas quando questionado qual o poder que ele tem para realmente evitar que embarcações entrem na reserva, Olavo abre um sorriso que mostra apenas dois dentes e diz: “Se os caras quiserem mesmo entrar, não tem jeito, eu estou sozinho”.
Reserva-modelo
Olavo e a reserva são exemplos do quão distante e difícil ainda é o controle sobre a floresta na Amazônia. O projeto da reserva de Uatumã, criada em 2004, é apresentado como um modelo pelo governo do Estado. O local foi escolhido como o primeiro para a implementação do projeto Bolsa Floresta, que promete investir nas comunidades ribeirinhas e dar R$ 50,00 para cada família que preserve a floresta.
Essa é a primeira de sete reservas escolhidas para a fase inicial do programa, lançado em setembro de 2007, e já ganhou uma sede, cadastros e o pagamento da ajuda para uma parcela das 280 famílias que moram nela.
Apesar de tudo isso, e de ser próxima a Manaus (cinco horas de carro e barco), Uatumã não tem fiscais florestais com autoridade para multar infrações nem posto policial. Quando ocorre qualquer problema que exija intervenção, como a descoberta de grandes embarcações pescando ilegalmente ou forasteiros realizando desmatamento, a única alternativa para os agentes da reserva é pedir ajuda ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipam) ou da polícia das cidades mais próximas.
O problema, dizem membros de comunidades na reserva, é que muitas vezes a fiscalização pode levar 48 horas para chegar ou mesmo não aparecer.
“A polícia de Itapiranga ou de São Sebastião do Uatumã não tem barco próprio e se eles têm que vir à reserva porque pedimos a gente tem que pagar o combustível”, conta um membro da comunidade local.
Falta de dinheiro
O administrador da reserva, Rudnney Santana, admite que um dos problemas na região é a falta de recursos para fiscalizar e combater infrações. “É uma área grande e é muito difícil o trabalho, mas a situação está melhorando muito desde a criação da reserva”, afirma ele. “Antes a situação era muito pior.”
Vários ribeirinhos concordam que a reserva e o Bolsa Floresta já geraram benefícios para as famílias que moram nos seus limites, embora vários também digam que a vida no local ainda é dura e que falta infra-estrutura básica.
“Nos últimos anos tem tido bem mais peixe no rio. Antes já estava ficando difícil de achar”, diz o ribeirinho Osimar Bruno de Carvalho, que vive isolado com a família em uma das áreas próximas ao rio Uatumã. Sua casa de pau-a-pique é extremamente simples e pobre e a escola mais próxima fica a pelo menos uma hora de barco dali.
O governo do Estado afirma que a situação está mudando e que no caso desta reserva novas fases do projeto Bolsa Floresta vão entrar em funcionamento assim que o cadastramento das famílias estiver finalizado.
“O programa inclui o pagamento de uma verba de R$ 4 mil por comunidade para apoiar iniciativas que criem fontes de renda sustentáveis, além de uma segunda verba de R$ 8 mil por comunidade para investir na infra-estrutura social”, afirma Virgílio Viana, um dos idealizadores do projeto e ex-secretário do Meio Ambiente do governo do Amazonas.
As comunidades também estão esperando dinheiro de um programa federal de fomento que deve fornecer R$ 9,4 mil para famílias cadastradas. A idéia é construir novas casas e comprar instrumentos de trabalho.
Uma visita a Uatumã deixa claro, porém, que se mesmo uma reserva como esta ainda sofre com problemas ambientais e sociais, o desafio para proteger grandes áreas da Amazônia é tão grande quanto a própria floresta.
BBC