Com cerca de oito meses de vida, um dos programas para o meio ambiente mais ambiciosos do governo do Amazonas, o Bolsa Floresta, continua envolto em polêmica.
Iniciado em setembro do ano passado, o programa ficou conhecido por lembrar seu primo rico, o Bolsa Família, ao dar dinheiro (R$ 50) para famílias que preservem a floresta nas reservas em que vivem.
“O grande desafio (para a conservação) é o que fazer para que a floresta valha mais de pé do que cortada”, diz Virgílio Viana, um dos idealizadores do projeto e ex-secretário do Meio Ambiente do governo do Amazonas.
Outro desafio não mencionado por Viana é convencer as pessoas de que o sistema que ele ajudou a criar realmente funciona.
Viana já saiu do governo e hoje está à frente da FAS (Fundação Amazônia Sustentável), a ONG responsável por distribuir os recursos e administrar o projeto junto com o governo do Estado.
Ele afirma que a idéia não é uma panacéia para todos os problemas da floresta, mas defende que é uma das melhores maneiras de proteger a mata em áreas de preservação onde já vivem milhares de pessoas.
“Nós já estamos atendendo a 2 mil famílias e no final do ano devemos chegar a 3,5 mil”, afirma. Segundo ele, o número total de famílias vivendo nas áreas protegidas do Estado chega a 8 mil.
Críticas
Os críticos do programa em geral afirmam não serem contra a idéia em si, mas acreditam que há erros e problemas na forma como ele foi criado e é gerido.
“Um dos problemas é que não houve um processo de discussão com as comunidades afetadas, foi feito de cima para baixo e muito concentrado em Manaus”, afirma Marta Cunha, coordenadora da Comissão da Pastoral da Terra em Manaus.
“Quando houve o anúncio, eu estava com uma comunidade de ribeirinhos e eles ficaram indignados por não estarem sabendo do processo.”
Viana rebate dizendo que foi realizada uma série de consultas abertas com a comunidade, e que vários detalhes do projeto surgiram a partir desses encontros. Para Marta Cunha, porém, isso se concentrou apenas em Manaus e foi pouco representativo.
O valor de R$ 50 também é considerado muito baixo. “O valor é irrisório”, diz o deputado da oposição Ângelus Figueira, do Partido Verde do Amazonas.
Nos cálculos da Pastoral, para algumas comunidades o custo do transporte para retirar o dinheiro é maior do que o que é oferecido. “Tem lugares em que custa R$ 90 para um ribeirinho chegar até um ponto de coleta”, afirma a coordenadora da Pastoral da Terra.
Para Viana, há uma percepção equivocada sobre o valor e o escopo do projeto. “A intenção não é pagar salário, é uma compensação. Mas o mais importante é como fazer essas comunidades gerarem renda de forma sustentável.”
De acordo com ele, o projeto inclui uma verba (R$ 4 mil por comunidade por ano) para apoiar iniciativas que criem fontes de renda sustentáveis, além de uma segunda verba (R$ 8 mil por comunidade por ano) para investir na infra-estrutura social.
Figueira, do Partido Verde, afirma que no papel a idéia é boa, mas acusa o governo de administrar mal e avançar lentamente.
Viana admite que o projeto ainda está em sua fase inicial, mas argumenta que parte das críticas que a iniciativa vem recebendo tem motivação política. “Existem muitos interesses políticos por trás de todas as avaliações.”
Os defensores do Bolsa Floresta dizem acreditar tanto no projeto que gostariam de vê-lo reproduzido em reservas federais. Para os críticos, antes de isso acontecer, será preciso provar que a idéia realmente funciona.
Para ribeirinhos, Bolsa Floresta é pequeno mas ajuda
Os primeiros ribeirinhos a receber o Bolsa Floresta, o programa de compensação do governo do Amazonas para preservação ambiental, dizem que ele representa uma pequena ajuda, mas que ainda estão esperando por mais recursos.
“Não é muito, mas é uma pequena ajuda”, diz o líder de comunidade Edivaldo Correa, que mora em um dos 20 agrupamentos da reserva de Uatumã, ao norte de Manaus. Para ele, o que falta agora é que as novas fases do programa sejam liberadas.
O Bolsa Floresta foi lançado em setembro do ano passado e prevê ajuda direta às famílias que moram em reservas ambientais do Estado (R$ 50 por mês) e ajuda às comunidades. Em troca, a floresta tem que ser preservada.
“Nós estamos esperando que liberem o dinheiro para ajudar a comunidade”, diz Correa. Na pequena vila em que mora, à beira do rio Uatumã, ao norte de Manaus, há casas de 14 famílias, uma escola e um galpão em que funciona a sede a associação de moradores da região.
Uma visita a esses dois prédios deixa claro que falta investimento público no local – a escola, por exemplo, tem apenas uma sala com carteiras gastas e paredes e janelas que deixam passar água da chuva.
Iniciativa
O programa do governo da Amazônia prevê, além do pagamento por família, uma verba de R$ 4 mil por comunidade para apoiar iniciativas que criem fontes de renda sustentáveis e uma verba de R$ 8 mil por comunidade para investir na infra-estrutura social.
Também está prevista uma verba de 10% do que é pago para as famílias para apoiar as associações locais. O dinheiro ainda não chegou na comunidade de Correa.
“Disseram que o dinheiro vai ser liberado, mas que precisamos que mais famílias se cadastrem”, afirma o ribeirinho.
Uma das intenções do programa, segundo seus idealizadores, é que os beneficiados retirem documentos de identidade, algo raro em várias comunidades da região.
Virgílio Viana, ex-secretário do Meio Ambiente do governo do Amazonas que ajudou a desenhar o programa, diz que a intenção é “ajudar os beneficiados a se tornarem cidadãos”.
Essa exigência, porém, afeta a velocidade do cadastramento. O ribeirinho Edsomar Soares e sua mulher Raine Mendes da Silva são um exemplo. “Eu ainda não me registrei por causa dos documentos”, diz Raine. Como a mulher da casa, ela é a pessoa que deve retirar a ajuda.
Para os dois, R$ 50 é pouco, mas deve ajudar. “Sempre ajuda”, diz Raine, diante dos quatro filhos e de uma casa feita de madeira e barro extremamente simples.
BBC