Lenda viva

Gabriel Macedo exalta Lapo Coutinho, figura ilustre do surf baiano

Por Gabriel Macedo

Esta matéria que vou escrever acho que será a mais complicada. Não porque Lapo seja uma pessoa difícil de ser encontrada ou não goste de dar entrevistas, mas por sua importância para o surf brasileiro e internacional.


Não tive muito contato com ele em toda a minha vida como surfista. Ouvia muitos fatos e lendas a seu respeito e tenho certeza de sua influência na carreira de muitos atletas espalhados pelo mundo. Ou seja, falar de um ídolo é difícil mesmo.

Mas vou tentar e espero que me desculpe alguma falha ou um fato importante que deixei de lado, mas este espaço nunca será o suficiente para descrevê-lo. Um livro é o caminho.

Lapo Coutinho, filho do conceituado cientista internacional, doutor, escritor e tantos outros títulos, Dr. Elsimar Coutinho. Lapo teve tudo para seguir a carreira da Medicina ou Ciência, mas sua opção foi outro doutorado – as ondas. E nada como morar na melhor faculdade do mundo, o Hawaii.

Pai de quatro filhos – Elsimar Coutinho Neto, de 30 anos, que mora na Espanha; Charles Coutinho, 24, que nasceu no Hawaii e atualmente é o shaper da Musa e ainda compete em alguns eventos; Lapo Gabriel Coutinho, 15, surfista talentoso; e o caçula Manahere Samuel, que tem 5 anos e mora no Tahiti. Os três primeiros passaram quase toda a infância no Hawaii.

Seu início foi em 1967, na praia da Onda, em Ondina. Foi através das pranchas de isopor que ele se aventurou nas ondas. Quem já tentou sabe: surfar numa prancha de isopor é algo quase que impossível. Na época colocavam uma quilha de madeira para tentar dar mais estabilidade.

Seus parceiros eram os surfistas de Ondina e Rio Vermelho (Paciência), nomes lendários como Sérgio Sallenave, Jorge, Fredão, Deca, Cly, Jairo, Thor, etc. Essa era a equipe do isopor, garotos de 10 a 15 anos que no futuro colocariam seus nomes na história do surf baiano.

Seu apartamento, em frente ao pico, tornou-se o QG de toda a turma para guardar as pranchas, pois uma barca para surfar ainda era um sonho para todos. Depois de três anos revezando isopor e madeirite, Lapo ganhou sua primeira prancha de fibra, uma Haty, do lendário Gabriel Moraes.

Essa era a época em que ser surfista era algo parecido com um E.T.; sociedade conservadora, ditadura e alguns preconceitos, mas nada disso o impediu de seguir sua rebeldia na forma mais prazerosa e relaxante, se divertindo e praticando um esporte totalmente livre.

Logo ele foi para o ramo da fabricação de pranchas, tudo artesanal, sem muita tecnologia. Começou em 73 com a Musa, fazendo quilhas, depois se tornou laminador junto a Buga e os shapers Bráulio e Tarquinio Guelez. Para vocês terem uma idéia, a Musa era a melhor prancha do Norte / Nordeste até o início dos anos 80. De 30 pranchas na praia, 20 eram Musa.

Nesse tempo de dedicação à Musa, ele incluiu um carimbo no seu passaporte ao ir pela primeira vez ao Hawaii, no inverno havaiano, entre 75 e 76. Dividiu uma casa em Backyards com os irmãos e big riders paulistas Uchoa, uma época que o Hawaii era para poucos – Rico, Bocão, Ian, Proença, Marco Berenger, Iso Hamsler, alguns, como ele, na primeira temporada.

Passou apenas dois meses se aventurando nos mares gigantes e foi suficiente para ficar com o gostinho de quero mais. O ano de 1981 marcou a grande virada em sua vida. Partiu para o Hawaii definitivamente, entrou numa universidade e lá se instalou. Só voltou ao Brasil em 89. Nesse tempo, morou um ano em Maui e depois fixou residência no North Shore de Oahu.

Virou o embaixador do surf brazuca. Nomes importantes do cenário nacional, legends, competidores, big riders, a maioria já se hospedou ou freqüentava a casa do bom baiano, por amizade ou pela simples abertura e segurança de estar em companhia de um dos poucos brasileiros que têm profundo respeito dos havaianos.

Logo se tornou um excelente big rider. Waimea, Avalanche e Himalaia, vários mares no limite da remada, 20 a 30 pés, pelo simples prazer e sentimento que só um big surf pode proporcionar. Foi nessa época que ele fez algo inédito e impensável até para os dias de hoje: fechou um campeonato em Pipeline só para brasileiros (não falarei muito sobre esse evento, porque merece um capítulo especial em outra matéria).

O Brazilian Nuts, em março de 88, foi um marco para o surf brasileiro e até hoje Lapo é um dos poucos do mundo que têm licença para realizar um evento de surf no Hawaii (aí está um grande investimento para uma marca nacional alcançar o grande mercado internacional).

Em 1990, voltou à Bahia e abandonou o surf, mas por um tempo curto, já que a água salgada corre em suas veias. Fundou a primeira escolinha de surf em Ilhéus, e escrevia para os jornais Qual o Lance e Atitude. Em Ilhéus, plantou uma semente que até hoje colhemos frutos, pois fez os atletas enxergarem que só as competições não são o caminho para a evolução. Tem que treinar, e muito.

Em 96, voltou ao Hawaii, onde esta até hoje. Foi um dos pioneiros no tow-in junto com Sheena, seu parceiro por uns dois anos, até a trágica morte praticando kite. Sua onda preferida é Sunset, à qual dedicou simplesmente três anos de surf, sem cair em nenhum outro pico. Gosta também de Off-The-Wall, Waimea e alguns picos secretos espalhados pelo mundo.

Nesse retorno é que ele abrigou os baianos mais casca-grossas da atualidade – Danilo Couto, Yuri Soledade, Márcio Freire, Jojoba, Kevin Kennedy, Mandinho e Wilson Nora. Esses são alguns dos novos baianos, porque também a velha guarda já tinha feito história por lá – Magulu, Cly, Abubakir, Vinicius Bucão, Manuel Fernandez, Joe Silva, Kiko Dragão, Dentinho, Carlão Moraes, Andre Rei, Bacalhau e Kleber. São tantos que, como eu disse no começo, só um livro para ilustrar os fatos que rodam a vida do nosso embaixador Lapo.

Seu currículo internacional é invejável. Ensinou surf em várias escolinhas em Honolulu e no North Shore; salva-vidas no West Side; eleito por quatro vezes o melhor juiz do Hawaii, de 98 a 2001; técnico da equipe havaiana em dois mundiais da ISA; juiz do WCT e WQS há sete anos, do Eddie Aikau e dos eventos de tow-in, inclusive já foi chamado para ser head-judge da primeira etapa do circuito mundial de tow-in, que acontecerá no Chile.

Atualmente ele está escalado para julgar algumas etapas do WQS, as etapas do WCT feminino na América do Sul, eventos da ANS, FBS, Abrasp e CBS, além de ministrar cursos de arbitragem.

Enfim, um cara como esse morando na Bahia por boa parte do ano, tem que ser aproveitado de todas as formas. Uma bíblia do surf, um legend, um herói, um pai, um amigo, um surfista de alma que dedicou sua vida a fazer o que mais gosta. Aqui fica pequeno registro da vida e que espero ver em um livro ou filme. Esse merece reconhecimento em vida. Obrigado, Lapera!!!