Embrião congelado por 8 anos produz bebê

Aos seis meses de idade, Vinícius é um bebê que adora papinha de mamão, já tenta sair sozinho do carrinho e dá sonoras gargalhadas durante o banho. O menino foi gerado a partir de um embrião congelado durante oito anos, um recorde no país. Pelos critérios da Lei de Biossegurança, seria um embrião indicado para pesquisas com células-tronco embrionárias.

A lei, aprovada em 2005, enfrenta uma ação de inconstitucionalidade movida pelo ex-procurador-geral da República, o católico Claudio Fonteles. Ele acha que destruir embriões de cinco dias para a extração de células para pesquisa viola a Constituição, que garante o direito à vida.

O julgamento da ação no Supremo Tribunal Federal foi interrompido na última quarta-feira por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Vinícius nasceu após quase 20 anos de tentativas de gravidez do casal Maria Roseli, 42, e Luiz Henrique Dorte, 41, de Mirassol (SP), que incluíram quatro fertilizações in vitro (FIV) e três abortos de gêmeos no terceiro mês de gestação. A mulher tinha endometriose e o marido, má qualidade dos espermatozóides, fatores que impediam uma gravidez natural.

Na última FIV, feita em 1999, Maria Roseli produziu nove embriões. Transferiu quatro para o útero, mas não engravidou. O casal decidiu então congelar os cinco embriões restantes. “Resolvemos dar um tempo. Não suportaria a dor de mais um aborto”, relata a mãe.

Naquele mesmo ano, adotaram Paulo Henrique, à época com um ano e seis meses. “Era um menino frágil, cheio de problemas de saúde. Ficamos tão envolvidos com ele que nem percebemos o tempo passar.”

Em 2006, o casal recebeu um telefonema da clínica de reprodução em Ribeirão Preto, onde haviam feito o tratamento, questionando sobre o destino que pretendiam dar aos cinco embriões. “Resolvemos transferir, mas sem muita esperança de dar certo”, conta Luiz Dorte.

Em três ocasiões, a transferência dos embriões congelados para o útero teve de ser adiada porque o endométrio de Maria Roseli não atingia a espessura mínima. Em fevereiro de 2007, os embriões foram, enfim, descongelados. Três sobreviveram e foram transferidos ao útero de Maria Roseli. Um se fixou. “Nem comemorei muito porque tinha o fantasma dos abortos aos três meses que ficava me rondando”, diz ela.

Com 28 semanas de gestação, ela sofreu uma hemorragia provocada pelo rompimento de duas veias na placenta e o parto teve de ser induzido para preservar a vida da mãe. Vinícius nasceu com 1,2 kg medindo 36 cm e, dez dias depois, chegou a pesar 840 gramas.

Foram necessários 22 dias de UTI neonatal e mais um mês de internação hospitalar para que o menino atingisse 1,8 kg e tivesse alta da maternidade.

“Meu filho venceu oito anos de congelamento e a prematuridade. Imagine se eu tivesse desistido dele e doado o embrião para pesquisa? Acredito sim que há vida [nos embriões], o Vinícius é a prova disso”, diz Maria Roseli, católica praticante. Ela afirma ser favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias, mas “não teria coragem” de doar seus embriões para esse fim.

O ginecologista José Gonçalves Franco Júnior, detentor do maior banco de criopreservação do país, onde os embriões de Maria Roseli ficaram, também aposta na viabilidade dos congelados. Sua clínica já obteve 402 nascimentos de bebês a partir de embriões criopreservados, a maioria acima de três anos de congelamento.

“É uma loucura falarem que embrião congelado há mais de três anos é inviável. E isso não tem nada a ver com religião. A viabilidade é um fato e ponto. Os maiores centros de reprodução na Europa defendem o congelamento de embriões como forma de evitar a gravidez múltipla”, afirma o médico.

Embrião usado para terapias não vai morrer, diz Nobel

O geneticista Oliver Smithies, 82, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2007, acredita que o debate sobre o uso de células-tronco embrionárias humanas em pesquisa tomou o “rumo errado”.

Para o cientista da Universidade da Carolina do Norte (EUA), que lida com células-tronco há mais de 20 anos, é errado discutir a perspectiva de seu uso terapêutico como algo que requer “morte” ou destruição de embriões.

“Na verdade, estamos falando de preservar a vida do embrião –embrião que não seria usado para mais nada–, permitindo a ele ajudar a vida de outras pessoas”, disse o cientista, questionado sobre a ação em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode acabar proibindo o uso de embriões em pesquisa no Brasil.

“Gostaria que o Supremo Tribunal pensasse em células-tronco de modo diferente”, disse Smithies. “Imagine que eu seja um jovem morto num acidente de carro. Há partes do meu corpo que ainda são úteis e podem ser dadas a outras pessoas para manter suas vidas. Então, parte de mim viveria em outra pessoa. Se uma célula-tronco embrionária é feita [para terapia], aquele embrião não é morto, aquele embrião dá vida a outra pessoa, por fim.”

Smithies expôs sua defesa do uso de células-tronco embrionárias humanas ontem em entrevista antes de uma palestra em um auditório anexo à exposição Revolução Genômica, no parque do Ibirapuera. O geneticista, que repartiu o Nobel com Martin Evans e Mario Cappechi por criar uma técnica de manipulação de genes, usa células-tronco como ferramenta dentro desta e de outras linhas de pesquisa que segue.

Dez anos

Questionado sobre quanto tempo o estudo de células-tronco embrionárias humanas levará para render algum tipo de terapia, Smithies alertou que cientistas “não são muito bons em fazer previsões” e em geral erram para menos. Mas ainda assim arriscou palpitar.

“Prevejo que conseguiremos algo útil usando células-tronco embrionárias humanas em provavelmente cerca de dez anos”, diz. “Tenho trabalhado com essas células por 20 anos e já as vi se tornarem músculo cardíaco e baterem. É impressionante olhar pelo microscópio um dia e ver: tum, tum, tum. Está batendo! Faz os meus cabelos se arrepiarem.”

Smithies, que usou células-tronco para desenvolver cobaias usadas no estudo de doenças como fibrose cística e hipertensão, está agora investigando problemas renais. Ele participa do debate político sobre ciência desde antes de 2001, quando os EUA restringiram o uso de verbas federais para pesquisa com embriões.

“Enviei uma mensagem ao presidente [George W. Bush] –não sei se ele recebeu– e sugeri que ele deveria repensar o assunto”, diz. “É um erro por parte do nosso presidente fazer isso. Ele está misturando duas coisas: religião e governo. Nos EUA, nossa Constituição diz que a religião de uma pessoa deve ser assunto privado dela.”

Segundo Smithies, mesmo que o Brasil não seja um líder em ciência, sua participação na pesquisa de células-tronco é importante, já que a iniciativa é global. “O país que não participar desse trabalho perderá a oportunidade dar uma contribuição à humanidade”, diz. “Seria uma grande vergonha.”

Para o geneticista, que trabalha com biologia molecular desde antes da descoberta do DNA, em 1953, a polêmica sobre pesquisas na área é transitória. “Não acho, na verdade, que seremos um campo controverso, se esperarmos um pouco”, diz. “Muitas coisas, quando começam, são controversas. Depois, nos acostumamos, e elas deixam de ser.”

Folha de São Paulo

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