No dia 7 de março de 1808, a família real portugesa chegou ao Rio de Janeiro, a nova capital do império. Sem um grande palácio para recebê-los, os casarões foram adaptados às necessidades da corte. Esse episódio foi responsável pela transformação do Rio de Janeiro.
Mas até que ponto a cidade estava preparada para se tornar a corte do império português? Essa é uma discussão que vem colocando o assunto novamente na mesa de discussões. O senso comum afirma que a região era atrasada e despreparada para receber o príncipe regente.
Mas o historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), discorda: “O Rio de Janeiro era a segunda cidade mais rica de todo o império, atrás apenas de Lisboa”.
A idéia contraria o que se aprende nos livros de história. Uma das principais referências historiográficas sobre aquele período é o livro “O Rio de Janeiro Imperial”, do arquiteto e historiador Adolfo Morales Rios Filho, morto em setembro de 1973.
Seu livro, lançado originalmente em 1946, só ganhou uma segunda edição em 2000. De acordo com seus relatos, o Rio não passava de um local de costumes arcaicos e sem qualquer vida cultural.
“A cidade tinha uma elite tão culta quanto em Lisboa”, afirma Cavalcanti. Os ricos se divertiam nos dois teatros que existiam por lá. “Aqui se tocava a maior parte das obras executadas em Portugal. D. João ficou encantado ao assistir as composições do padre José Maurício [o mais renomado compositor e pianista brasileiro de sua época].”
Ele diz que a maioria dos funcionários da coroa era formada por portugueses que só receberam o cargo de confiança porque também eram importantes em Portugal. ‘Eles chegaram aqui e queriam viver com requinte. Seus filhos iam estudar em Coimbra e também voltavam exigentes”, diz.
As casas dos muito ricos eram grandes, mas sem luxo. “Antes de a família real chegar, era proibido por lei exibir riqueza. As casas precisavam respeitar regras arquitetônicas”, afirma.
Ele diz que é por isso que as igrejas cariocas são tão ricas. “Como essa elite não podia ornamentar a casa, mostrava que tinha dinheiro investido nos templos.”
Despejo
Outra polêmica é quanto o número de pessoas que se espremeu nos 36 navios que deixaram Lisboa em direção ao Brasil. O número nunca foi dado como certo, mas as especulações são de que d. João trouxe com ele entre 11 mil e 15 mil pessoas.
Quando a multidão chegou, o príncipe regente teria expulsado outros milhares de pessoas de suas casas para dar lugar aos novos moradores.
Ele diz que essas pessoas não tiveram trabalho para conseguir moradia. Com a chegada dos portugueses, os proprietários simplesmente aumentaram o preço dos aluguéis para que os então inquilinos deixassem suas casas.
O valor da locação no Rio de Janeiro explodiu. Em alguns casos, os proprietários simplesmente ofereciam algumas casas para os nobres que chegaram.
“No centro urbano carioca havia 8,5 mil construções, que pertenciam a 2,5 mil proprietários. Desses, 195 acumulavam 23% dos imóveis”, contabiliza Cavalcanti. “Era uma honra para eles hospedar aquelas pessoas.”
Para o historiador, não há dúvidas de que a vida no Rio de Janeiro mudou muito com a chegada da família real portuguesa, mas afirmar que antes disso a cidade era pobre e sem cultura seria exagero.
“Em um ano, a população da cidade aumentou em 20 mil pessoas”, contabiliza o historiador Adilson José Gonçalves, do Centro de Estudos da América Latina. Para Cavalcanti, essas pessoas não teriam vindo junto com o rei, mas ao longo dos meses que se seguiram.
“A elite carioca foi a responsável pela estruturação da cidade com a chegada do príncipe regente”, afirma. Empolgadas com a chegada de d. João, essas pessoas investiram na reforma de praças e na pavimentação de ruas.
“Eles ficaram motivados com a possibilidade de morarem ao lado de d. João”. Foi com a chegada da corte que a proibição de exibir riqueza acabou. A elite, então, reformou e aumentou seus palacetes. Nascia a nova capital do império português.
Apesar de se tratar da região mais rica naquela época, o prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), admite que a cidade poderia não ser a mesma sem a família real. “O Rio ganha centralidade nacional ao se tornar capital do Reino Unido.”
Em compensação, ele acredita que a unidade territorial do Brasil estaria comprometida se d. João não tivesse se instalado no Rio. “Provavelmente, a cidade seria apenas mais uma em um país formado pelo Sudeste e Sul do Brasil.”
WANDERLEY PREITE SOBRINHO