“As regiões mais empobrecidas terão no nosso governo uma atenção ainda maior, porque nós queremos transformar o Brasil (em um país) mais equânime, mais justo”, disse Lula em seu primeiro pronunciamento após a divulgação dos resultados, em um hotel em São Paulo, antes de ir para a festa da vitória, na avenida Paulista.
Lula venceu em 20 dos 27 Estados brasileiros. No Norte e no Nordeste, regiões com os maiores índices de pobreza do País, Lula só não venceu em Roraima.
Em sete Estados, o presidente recebeu mais de 75% dos votos: Amazonas (86%), Bahia (78%), Ceará (82%), Maranhão (84%), Paraíba (75%), Pernambuco (78%) e Piauí (77%).
“Nós cansamos de ser uma potência emergente”, disse. No entanto, o presidente afirmou que manterá uma política fiscal “dura”, com o Estado gastando menos do que arrecada.
O presidente também falou que tem urgência para discutir uma reforma política, ainda no começo do segundo mandato.
Aos jornalistas, prometeu estabelecer uma relação melhor com a imprensa no segundo mandato, concedendo mais entrevistas coletivas. Durante o primeiro mandato, o presidente foi criticado por conversar pouco com os jornalistas.
Lula surpreendeu os repórteres presentes no seu pronunciamento e se colocou à disposição para responder cinco perguntas dos jornalistas, improvisando uma entrevista coletiva.
Confira abaixo os principais trechos do primeiro discurso de Lula após a reeleição:
POBREZA
Continuaremos a governar um Brasil para todos, mas continuaremos a dar mais atenção para os mais necessitados. Os pobres terão preferência no nosso governo. As regiões mais empobrecidas terão no nosso governo uma atenção ainda maior, porque nós queremos transformar o Brasil (em um país) mais equânime, mais justo.
Ao mesmo tempo que eu tenho a convicção que a solução para os problemas brasileiros não é mais fazer o povo sofrer com ajustes pesados, que terminam caindo em cima do povo, a solução está no crescimento da economia e no crescimento da distribuição de renda.
Nós provamos que com o pouco de distribuição de renda que nós fizemos, seja com a política de transferência de renda através do Bolsa Família, da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), do crédito consignado, do salário mínimo, dos reajustes dos trabalhadores maiores que a inflação, nós provamos que quando o povo tem um pouco de dinheiro ele começa a comprar, a loja começa a vender, a loja começa a comprar da fábrica, a fábrica começa a produzir, gerar empregos, gerar distribuição de renda, e é esse o país que nós queremos .
DESENVOLVIMENTO
Não tenho dúvida de que o Brasil irá atingir um padrão de desenvolvimento que o colocará entre os países desenvolvidos do mundo. Nós cansamos de ser uma potência emergente. Nós queremos crescer. As bases estão dadas, e agora a gente tem que trabalhar. Todo mundo votou porque se tem esperança de que as coisas podem andar ainda mais rápido e muito melhor do que andaram no primeiro mandato.
POLÍTICA ECONÔMICA
Eu disse a vocês que eu manteria uma política fiscal dura, porque eu aprendi – não na faculdade de economia, como os meus companheiros aprenderam – eu aprendi na vida cotidiana que a gente não pode gastar mais do que a gente ganha, porque senão um dia nós vamos nos endividar em tal ordem, que não poderemos pagar a dívida que se contraiu.
CORRUPÇÃO
Eu sou grato às pessoas que acreditaram, que confiaram. Sou grato ao povo brasileiro que em vários momentos foi instado a ter dúvida contra o governo, e o povo sabia fazer a diferença entre o que era verdade e o que não é verdade, o que estava acontecendo e o que não estava acontecendo. E sobretudo, o povo sentiu que ele havia melhorado. E quanto a isso, não há adversário.
REFORMA POLÍTICA
As instituições estão sólidas, o povo brasileiro sabe reagir nos momentos adequados com as atitudes adequadas, os partidos políticos precisam se fortalecer, e para isso nós vamos discutir logo no começo do mandato a reforma política que o Brasil tanto necessita, e é importante que ela saia. E que ela saia por consenso de todos os partidos políticos.
OPOSIÇÃO
Estou confiante no Brasil, estou confiante na compreensão dos partidos que perderam as eleições, nos Estados e no governo federal. A eleição acabou. Agora não tem mais adversário. O adversário agora são as injustiças sociais que nós temos no Brasil. O adversário agora é todo mundo se juntar e ajudar o país a crescer.
Quero conversar com todos, sem distinção. Não haverá um único partido nesse país que eu não chame para conversar, para dizer o seguinte: “Agora o problema do país é de todos nós. Eu tenho a Presidência, mas todos os brasileiros e brasileiras têm a responsabilidade de dar a sua contribuição para que o Brasil não perca mais uma oportunidade.”
SEGUNDO MANDATO
Eu durante a campanha citava muito o exemplo de que a gente já tinha construído os alicerces. As bases estão lançadas para que o Brasil dê um salto de qualidade extraordinário nesse mandato.
Aos meus companheiros sindicalistas quero dizer: reivindiquem tudo o que vocês precisarem reivindicar, nós daremos apenas aquilo que a responsabilidade permita que a gente dê.
DEMOCRACIA
(Eu quero) dizer para vocês que eu penso que o Brasil está vivendo um momento mágico de consolidação do processo democrático brasileiro. Eu acho que esse momento nós devemos ao povo brasileiro, sobretudo ao povo que foi incluído no patamar daqueles que já tinham conquistado a cidadania.
‘Herança maldita’ não desculpará erros do 2º mandato, diz jornal
A chamada ‘herança maldita’ não servirá de pretexto para justificar eventuais problemas que o presidente Lula venha a enfrentar em seu segundo mandato, afirma o jornal francês Les Echos.
Comparando a economia brasileira a uma baleia – “forte mas pesada” – o diário econômico lista os pontos positivos e negativos do primeiro mandato do governo petista. Entre os primeiros, estão a redução da dívida pública combinada com a luta contra a pobreza.
No entanto, escreve o jornal, “o nível de poupança continua insuficiente e a infra-estrutura é um quebra-cabeças. Os atrasos se acumulam em matéria de educação. Sem falar nas reformas que, da agricultura ao sistema previdenciário, foram postergadas para dias melhores”.
“Os problemas do primeiro mandato (de Lula) puderam ser debitados na conta da descoberta das surpresas do poder e da dificuldade de governar um gigante complexo como o Brasil”, diz o Les Echos. “Agora não é o caso.”
Dúvidas
Outros jornais europeus levantaram dúvidas sobre os rumos econômicos do segundo mandato do presidente Lula.
“A retórica antiliberal do PT durante a campanha do segundo turno causou consternação entre vários economistas, que vêem nela um sinal de que o corte de gastos, necessário para liberar recursos para investimentos, são menos prováveis (daqui para frente)”, escreveu o diário econômico britânico Financial Times.
O espanhol ABC também se mostrou confundido pelos sinais emitidos no segundo turno da campanha petista. “Como governará Lula? Apagará com a mão esquerda o que escreveu com a direita”, questiona o diário.
Mas, para o também espanhol El País, o governo “enfrentará no segundo mandato os mesmos problemas do primeiro: economia, educação, corrupção e reforma agrária”.
Em editoriais dedicados à eleição brasileira, os jornais portugueses sustentaram que Lula ganhou as eleições por se apresentar como “o mal menor” diante de Geraldo Alckmin, identificado com as privatizações impopulares do governo FHC.
“Nos tempos da ‘viradeira’, quando o Marquês de Pombal foi deposto e perseguido, um refrão popular dizia que ‘mal por mal, antes o Pombal’. Na verdade, deve ser mais ou menos isto que o Ocidente pensa sobre a eventual vitória de Lula”, escreveu em seu espaço opinativo o Expresso.
“Quando comparado com (o presidente boliviano) Evo Morales ou (o venezuelano) Hugo Chávez, o ex-sindicalista parece um fino estadista de enorme recorte político e diplomático.”
Fim da utopia
O Diário de Notícias foi na mesma linha, e disse, em editorial, que foi “essa lógica do mal menor que provavelmente determinou um julgamento político benévolo do governo de Lula”.
“A agressividade dos ataques (a Lula no segundo turno) destoou na figura de Alckmin, o apoio do casal Garotinho, envolvido em casos de corrupção no Rio de Janeiro, desfez o seu compromisso ético com o eleitorado, o julgamento moral de Lula dissipou-se e o eleitorado começou a pensar de forma mais pragmática”, relatou o DN.
“É, afinal, mais o cálculo de ganhos e perdas do que a utopia de uma nova esquerda que Lula transportava que marca este segundo mandato. Essa utopia que fez sonhar uma parte da esquerda mundial ficou enterrada nos escombros dos sucessivos escândalos e Lula e o Brasil começam a entrar na normalidade da política.”
BBC