CONSELHEIROS DE SAÚDE CONTESTAM DECLARAÇÕES DA SECRETÁRIA MUNICIPAL DE SAÚDE

1. RELATÓRIO

Trata-se de denúncia apresentada ao Ministério Público Federal de indícios de irregularidades apontadas pelo Conselho Municipal de Saúde de Ilhéus quando do exercício de sua função de fiscalizador da aplicação dos recursos financeiros oriundos do Fundo Nacional de saúde, repassadas pelo Governo Federal, como representante da comunidade na gestão do SUS- Sistema Único de Saúde, relacionado ao período de abril a dezembro de 2005.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Em sua entrevista concedida à imprensa regional e ao Jornal A Tarde em 13/07/2006, a então Secretária da Saúde do município de Ilhéus, refere-se a apenas um aspecto das tantas denúncias apresentadas, qual seja, a relacionada ao processo licitatório, afirmando que são legais. Para atingir esse desiderato, tece considerações acerca do relatório apresentado pelo Conselho ao MP Federal. Não assiste razão, entretanto, à aludida secretária, vejamos, ponto-a-ponto, as suas alegações insertas no referido periódico:

2.1. numa simples análise superficial do documento em comento, verifica-se que a alegação de que ocorreu condenação por parte do Conselho não procede. Trata-se, efetivamente, do exercício da função deliberativa do Conselho, quando da desaprovação das contas em razão dos indícios de irregularidades aferidas na condução da aplicação dos recursos públicos.

Uma vez constatado ou apurado pelo MP Federal, seja pelo seu entendimento de que já dispõe de provas suficientes para oferecer a denúncia, seja através de inquérito policial, constarão de peça informativa que poderá iniciar ação judicial com vistas à formação da sentença, esta sim, hábil a emitir juízo de valor, condenando ou absolvendo. Em que pese o Conselho não ter função de estabelecer sanções, tem ele o dever deliberativo, qual seja, dentre outros, o de rejeitar as contas apresentadas pela administração. Essa função busca, assim, que as decisões e orientações dos conselhos possam culminar resultados democráticos mais efetivos, no intuito de se promover a cristalização do interesse coletivo, verdadeiro objetivo da existência da própria administração pública.
Assim é que, no exercício de sua função pública, da qual decorre a obrigação de, mesmo diante de meros indícios, o Conselho de Saúde indicar a necessidade de aprofundarem-se as investigações, cumpriu este com seu dever, mesmo porque, como um dever que é, a sua não-realização ensejaria crime de responsabilidade de imputação aos seus membros com reflexos na esfera civil, penal e administrativa, mesmo para aqueles que não sejam servidores públicos efetivos;

2.2. muito ao contrário a alegação de que, ao apontar as irregularidades, o CMSI teria prestado um desserviço à população. A comunidade, como sempre à mercê dos intrincados meandros da administração pública que, em função da excessiva burocratização, dificulta o necessário controle de suas atividades é que necessita desse verdadeiro serviço, com a intermediação de seus representantes, mediante o controle da aplicação dos recursos exclusivamente nos serviços públicos.
A moralidade na administração, hoje tão enfraquecida ainda mais diante de todo tipo de escândalo envolvendo agentes políticos no cenário nacional, virou algo de somenos importância. Entretanto, é através daqueles atos de corrupção, desvios de verba e malversação do dinheiro público que o país mais perde recursos.
E é justamente a falta de recursos que têm servido de argumento para a falta ou má-prestação dos servidos públicos, em especial aos relacionados à saúde pública. Ainda sob esse falacioso argumento da falta de verbas e a pretexto de incrementar os serviços públicos, os governos vêm ampliando cada vez mais a sua sede arrecadatória através do aumento e criação de impostos e contribuições de toda natureza.
O verdadeiro “dono” dos recursos públicos é a população. Assim é que a administração pública, através de seus servidores, deve encontrar-se imbuída da função de, ao gerir esses recursos, aplicá-los em estrito benefício da comunidade. Quando a comunidade, legítima “dona” dos recursos financeiros não se encontra vigilante e atuante, toda sorte de desvio pode ocorrer além de sua má-aplicação.
Concretizada a atuação estatal, onde se tem por sustentáculo o princípio da legalidade, o complexo mecanismo participativo popular se levanta como forma de se reprimir condutas atentatórias contra tal princípio. É dessa maneira que emerge a participação popular por controle.
Essa participação foi alçada a direito fundamental do exercício da soberania pela Constituição Federal de 1988 e é de suma importância que seja operacionalizada por instrumentos fortes e atuantes como os conselhos.
A Constituição Federal, além de reafirmar o modelo democrático representativo concretizado pelo voto, garante aos indivíduos o exercício direto do poder.
A atual compreensão de Administração Pública tem por base a participação popular nos processos decisórios administrativos. Isso significa que os cidadãos deixam de ser enxergados como simples administrados, ou meros porta-vozes de reivindicações de serviços ou atividades administrativas, assumindo uma função mais integrativa.
Os cidadãos interessados podem participar na preparação da vontade administrativa, devendo haver, também, sua colaboração na preparação e na execução da vontade administrativa, fiscalizando os atos públicos da administração para que não haja um distanciamento do ideal de busca pelo interesse coletivo. Neste sentido, os conselhos despontam como indispensáveis instrumentos de controle popular da Administração Pública.
Mais que um serviço, pois, o CMSI ensejou um ato de coragem e destemor que merece servir de modelo e exemplo à atuação de todos os órgãos da administração pública e seus servidores, além de também servir para convocar a população a apoiar sua atuação mediante a cobrança por moralidade, legalidade e transparência;

2.3. no que pertine à alegação de que a população poderá ficar sem o serviço de saúde, esta afirmação revela total desconhecimento da legislação relacionada além de demonstrar má-fé no que tange à tentativa de levar o pânico à população mais carente.
Trata-se, pois, de ato de desespero que merece ser combatido. É clara a tentativa de desqualificar o conselho como importante instrumento de participação popular. Isso sim se configura desserviço já que busca confundir e dissimular, além de buscar enfraquecer a importância da fiscalização direta da sociedade na aplicação dos recursos públicos. Assim é que a legislação não prevê a suspensão ou interrupção dos serviços essenciais no que aí se enquadra a prestação de serviço de saúde no caso de investigação da aplicação dos recursos públicos.

Prevê o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.:

Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde – SUS serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.

§ 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde.

§ 2º (VETADO).

§ 3º (VETADO).

§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei.

A Lei Federal 8142/1990, em seu parágrafo único do art 4º assim dispõe:

Art. 4°. Para receberem os recursos de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com:

I – Fundo de Saúde;

II – Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990;

III – plano de saúde;

IV – relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990;

V – contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;

VI – comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação.

Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União.

A teor da lei, portanto, a conseqüência cabível no caso sob exame diz respeito à mudança da legitimação de administrar a aplicação dos recursos, o que não significaria prejuízo à população usuária visto que os serviços não sofreriam solução de continuidade, ou seja, não seriam interrompidos nem sequer suspensos.
Haverá possibilidade, pois, dos recursos virem a ser temporariamente administrados pelo Estado ou pela União. Os eventualmente prejudicados tão-somente seriam os que deles queiram locupletar-se ou os responsáveis pela sua má-administração.

3. CONCLUSÃO

Tendo em vista o até aqui exposto, depreende-se que a atuação do Conselho Municipal de Saúde de Ilhéus, além de pertinente e tempestiva, revela também a enorme dificuldade a que se encontra submetido devido à falta de estrutura e apoio.

A quem pode interessar esse estado de coisas?

É de suma importância, pois, que a população reconheça e apóie a sua atuação mediante a cobrança aos administradores públicos por moralidade, legalidade e transparência na aplicação dos recursos. Isso jamais significará prejuízo algum à população, ao contrário, o poder de alterar atos da administração que, esses sim, tragam eventuais prejuízos é um direito e um dever de cidadania, junto com o exercício do voto.

Ilhéus-Bahia, 17 de julho de 2006.

Conselheiros: Elza Cardoso, Euripedes Oliveira, Guinon Batista, Jorge Luiz, José Francisco, Josevaldo Viana, Naide Silveira, Waltécio Costa e Yolando Souza.

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