Cacau terá certificação de qualidade

Novas normas para classificar e garantir a qualidade da amêndoa preocupam produtores e provocam polêmica

Se já não bastassem a vassoura-de-bruxa e dívidas acumuladas, os cacauicultores do sul da Bahia encontraram nos últimos dias mais um motivo para perder o sono: o projeto de instrução normativa que aprova o regulamento técnico de identidade e qualidade da amêndoa do cacau. A portaria nº 40 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, propõe, entre outras coisas, que as amêndoas sejam classificadas em três tipos, que irão variar conforme o limite de tolerância a amêndoas defeituosas e quebradas, de acordo com a quantidade de impurezas e matérias estranhas e de umidade por lote. O assunto está sendo submetido a consulta pública.

Alguns produtores e especialistas acreditam que as novas regras são mais um duro golpe na já combalida cacauicultura nacional. “Tratar de tal assunto no momento em que o setor está mergulhado em uma crise profunda, provocada por uma doença que acaba com a qualidade da amêndoa do cacau, é simplesmente insano”, dispara o professor Gonçalo Guimarães Pereira, chefe do Departamento de Genética e Evolução da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenador-geral do Projeto Genoma da Vassoura-de-Bruxa.

De acordo com ele, se a portaria nº 40 for levada ao pé da letra, resultará na desclassificação da maioria absoluta das sacas de cacau produzidas hoje no País. “A amêndoa de cacau simplesmente não atenderá ao quesito básico do roteiro de classificação”, diz.

Conforme o anexo III (roteiro de classificação da amêndoa de cacau) da portaria nº 40, será necessário verificar cuidadosamente se, na amostra, há presença de insetos vivos, sementes tóxicas ou outros fatores que dificultem ou impeçam a classificação da amêndoa de cacau. Caso se constatem tais presenças, será exigida previamente à classificação o expurgo ou outra forma de controle ou beneficiamento do produto. O professor da Unicamp afirma que, seguramente, as sementes atacadas pela vassoura-de-bruxa, que são a maioria no período da safra, se enquadrarão nesses “outros fatores”.

“Como conseqüência esse será mais um fator que prejudicará o produtor e levará os compradores, que agem em bloco, a criar normas de penalização. Quem não estiver satisfeito, que recorra à Justiça. E quem fizer isso vai encontrar essa norma dando absoluto respaldo ao comprador. É uma tremenda armadilha para a cacauicultura”, observa Gonçalo Pereira. “Tal normatização poderá ser salutar no momento que o Brasil recuperar a sua produção anterior à vassoura-de-bruxa, que era de 400 mil toneladas por ano”, acrescenta ele.

PRÊMIO – Segundo o professor, a instrução normativa é desnecessária e o que deveria vigorar no mercado é o que está sendo feito desde 2004 pela Associação dos Profissionais do Cacau Fino e Especial, que reúne compradores e produtores. Os melhores lotes de cacau recebem prêmios que variam de 25% a até 100% sobre o preço de mercado. “O cacau de melhor qualidade chega a ser vendido pelo dobro do preço pago hoje pelo mercado. Este é o melhor incentivo que o produtor pode ter para investir na melhoria da qualidade de seu produto”, destaca Pereira.

O empresário rural Cleber Isaac Filho entende, por sua vez, que o projeto de instrução normativa é “inoportuno”. Segundo ele, o documento classificatório nasceu de uma iniciativa da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau, durante uma reunião da Câmara Setorial do Cacau do Ministério da Agricultura. Isaac Filho reclama da falta de divulgação e da concessão de prazo de apenas 60 dias para a consulta pública, contados a partir de 10 de fevereiro, em meio às férias e período do Carnaval. “É muito pouco”, protesta.

Para o analista de mercado de cacau e membro da Comissão Nacional do Cacau, Thomas Hartmann, uma norma geral de classificação só se tornará efetiva a partir do momento em que o cacau produzido no Brasil voltar a ser exportado in natura em grandes quantidades para o exterior, caso em que servirá de base para os contratos de compra e venda internacionais, como ocorre habitualmente no mercado mundial. “Esse evento, porém, ainda parece estar muitos anos distante, considerando-se os atuais volumes da produção brasileira de cacau e a demanda da indústria doméstica, de forma que a curto e médio prazos a instrução normativa carecerá de aplicação prática”, observa o consultor.

Quanto ao seu conteúdo objetivo, acrescenta Thomas Hartmann, o projeto, embora excessivamente prolixo e detalhista, é aceitável, com exceção de duas falhas que devem ser corrigidas. A primeira: o limite de umidade com 9% excede todas as normas internacionais, que invariavelmente especificam entre 7,5% e 8%. Além disso, não foi estabelecido um limite admissível para a soma de todos os defeitos, permitindo que, na prática, cacau com uma contagem total de defeitos de 15% ainda possa ser considerado tipo 1, contrariando as normas internacionais de classificação.

A TARDE
GERALDO BASTOS

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