Uma revolução está no ar

A TV digital já uma realidade. Com ela a transmissão dará um salto de tecnologia e imagem e o som ganharão muito em qualidade. Falta ao Brasil definir o padrão a ser utilizado.

Imagine a sua televisão com uma imagem sem interferências, fantasmas e chuviscos. Enfim, com a melhor qualidade de imagem e de som de todos os tempos. Este é o futuro da televisão brasileira. Um futuro bem próximo, no qual a interatividade e a qualidade serão as grandes metas a serem atingidas pelas emissoras de TV.
A TV digital está chegando ao Brasil. Na verdade, já chegou. Atualmente a informação é gerada em estúdio na forma de sinais digitais. Estes sinais são convertidos em sinais analógicos e transmitidos para os receptores de TV. Os receptores de TV, apesar de analógicos, já utilizam sinais digitais em algumas funções, como o controle remoto, por exemplo. O que falta se concretizar para se ter a TV digital plena, por assim dizer, é fazer com que os processos passem a ser todos digitais.

Ou seja, a imagem, o áudio e demais informações passem a ser geradas, transmitidas e recebidas na forma de sinais digitais. O governo brasileiro anunciará na próxima semana qual o padrão que deverá ser utilizado para a TV digital no Brasil. As opções são os padrões europeu (DVB), japonês (ISDB) e norte-americano (ATSC). Onde hoje trafegam 4Mbps de informação, teremos até 19Mbps, ganhos com a melhor utilização do sinal e com tecnologias de compressão utilizadas. Não se deve confundir o Sistema de TV Digital Brasileiro (SBTVD) com o aparelho de TV de alta definição (HDTV). Estamos falando aqui de transmissão de sinais digitais. Obviamente a HDTV já está preparada para receber esses sinais. Mas quem tem o aparelho de TV analógica não deve se preocupar. Já está provado que a grande disseminação da TV digital no Brasil não se dará através da compra de novos aparelhos televisores, mas sim pela conversão do padrão analógico para o digital, através de equipamentos acoplados aos aparelhos analógicos, chamados conversores. A vantagem do conversor é o custo bem mais baixo: uma TV digital custa cerca de US$ 2 mil, enquanto o aparelho de conversão custa US$ 200.

O sinal digital trará ainda uma vantagem, dependendo da mobilidade do sinal (como se dá a recepção do sinal). Se a recepção tiver muita mobilidade, os celulares poderão servir para assistir TV. Aquele capítulo da novela, o show, a reportagem, enfim, tudo o que se quiser ver poderá ser acessado pelo celular.

Uma outra grande vantagem da TV digital sobre a analógica é o incremento da interatividade. Ou seja, o telespectador vai poder votar em enquetes, fazer compras, dar sua opinião, personalizar a programação e ter acesso à internet pela televisão. Com a interatividade, os telespectadores obterão informações adicionais sobre a programação e participarão de programas de auditório. E isso é só o início desse aspecto da TV digital. Cada vez mais o telespectador será o ‘rei’ da TV.

Os testes com a TV digital já começaram na cidade de São Paulo. Durante a Copa do Mundo de 2006, no mês de junho, as transmissões desse evento serão feitas pela TV digital, para se fazer um teste definitivo. São Paulo foi escolhida devido à enorme distorção de imagens que ocorre ali. Como a TV digital permite também uma melhor utilização do espectro de freqüências, devido a maior imunidade dos sinais digitais à interferência, é possível obter melhor qualidade de imagem mesmo com vários obstáculos (prédios, morros, montanhas, etc.). Com o sinal digital esses problemas com a geografia da cidade não mais ocorrerão. A transmissão nos celulares também já está sendo testada em São Paulo com muito sucesso.

Segundo especialistas, o sistema de TV digital brasileiro deve ter seus requisitos determinados e suas condições definidas para poder atender as necessidades específicas da sociedade. Especialistas dizem que os atributos básicos deste sistema devem ser: baixo custo e boa recepção (o que atenderia a anseios das classes C, D e E); flexibilidade e capacidade de evolução (o que seria as prioridades das classes A e B); e existência da interatividade e de novos serviços (o que traria a tão falada inclusão digital). Estes atributos estão mapeados na proposta de Sistema de TV Digital Brasileiro.

Competitividade será mantida com novo padrão

A inclusão digital da TV aberta é fundamental para manter a competitividade e a compatibilidade do negócio televisão frente a outras tecnologias, como DVD, TV por assinatura, internet e telefonia celular. Esta é a opinião de Fernando Nascimento, superintendente de Radiodifusão e Telecomunicações das Organizações Romulo Maiorana. Fernando Nascimento afirmou que os três sistemas de TV digital no mundo que diferem do ponto de vista tecnológico e de modelo econômico. ‘Todos eles oferecem alta definição de imagem e interatividade do telespectador com as redes de televisão, isto é, o telespectador envia e recebe informações, ao contrário do que acontece hoje em que as TVs analógicas operam apenas no sentido da emissora para o televisor. A diferença é que o sinal da TV digital transporta muito mais dados e oferece uma qualidade de som e de imagem infinitamente melhores’, ressaltou.

Em sua opinião, para o Brasil o padrão mais indicado é o Japonês, porque oferece os recursos mais adequados ao modelo de televisão aberta que o mercado brasileiro pretende construir. ‘Ou seja: uma televisão interativa de alta definição, com multi-programação e mobilidade, usando a mesma freqüência. É preciso lembrar, entretanto, que o padrão de modulação é um dos componentes da tecnologia digital. Há que se definir, ainda, o padrão de codificação; o sistema operacional (o middleware) e o padrão de retorno (a interatividade do televisor para a rede de TV). Tudo isso ainda precisa ser definido’, observou.

Para o superintendente de Radiodifusão e Telecomunicações das ORM, o padrão japonês também é o melhor para os negócios. Embora tenha sido desenvolvido mais recentemente, oferece maior versatilidade de aplicações utilizando a mesma faixa de freqüência, apesar do padrão Europeu já estar mais consolidado (usado em mais de 50 países). ‘Do ponto de vista de modelo de negócios o padrão de modulação Japonês e Europeu são igualmente competitivos. A modulação ATSC americana, ao contrário, perde competitividade por não ter domínio do recurso da mobilidade. O modelo de negócios é que vai definir se as televisões brasileiras irão transmitir em mono canal em alta definição ou em quatro canais simultâneos (cada um desses canais com um conteúdo diferente). Essa escolha implicará também na definição se haverá convergência da TV digital com a internet e a telefonia e se a interatividade se dará através da telefonia ou pela própria freqüência dos canais UHF que serão outorgados às redes’, disse.

Nascimento ressaltou que é importante ter em mente que o cenário dessas mudanças só se efetivará no médio e longo prazo. Ele afirmou que pos países mais desenvolvidos econômica e culturalmente essa transição está sendo feita entre 15 e 20 anos. ‘Mas não podemos descartar a possibilidade do surgimento de tecnologias aceleradoras desse processo, já que a disseminação rápida das mudanças tecnológicas é uma característica muito marcante do nosso tempo.’ Ele disse ainda que a programação vai alternar a oferta de programas digitais e analógicos. Nascimento informou que os canais atuais transmitirão exclusivamente na tecnologia analógica. ‘O governo vai disponibilizar, para cada concessão atual de TV aberta em VHF, um canal em UHF, que é a freqüência em que vai operar a TV digital’, observou.

De olho no mercado

Existe muita gente de olho no mercado brasileiro no que se refere à TV digital. Esse é um nicho que poderá render verdadeiras fortunas. A expectativa é que sejam gerados negócios da ordem de US$ 10 bilhões, durante os próximos dez anos, prazo que, segundo especialistas, durará o tempo de implantação da nova tecnologia no País.

Por isso, mais do que optar entre um dos padrões, o Brasil definirá um parâmetro para novos negócios no restante da América Latina. ‘Para se ter uma idéia da importância da decisão brasileira sobre o padrão a ser escolhido, a Argentina já anunciou que espera o Brasil optar por um sistema para então definir o seu’, informou a responsável pela Laboris Digital, Izabel Mattos.

‘Na prática, o que se espera é que novos parques de produção de eletroeletrônicos sejam instalados na região por conta da venda de aparelhos de TV digital, ou pelo menos conversores. Com o tamanho do Brasil e o potencial de consumo, é natural que os próprios fabricantes estejam esperando ansiosos por essa decisão’, completou a especialista. A Laboris é uma empresa que presta consultoria em outros meios de comunicação eletrônicos, principalmente internet, e o know-how em TV digital começou a ser adquirido em 1997.

Quem também está se mobilizando para atrair os consumidores é o mercado de telefonia móvel. Os celulares com telas maiores (para melhor visualização de imagem) poderão virar uma mania nacional, se o padrão brasileiro optar pela ampla mobilidade do sinal. Vai dar para assistir TV preso dentro de um engarrafamento pelo celular, por exemplo. Muitos aparelhos celulares já dispõem dessa tecnologia.

Feita a escolha do padrão, as empresas de telecomunicações de todos os espectros – desde emissoras de televisão a fabricantes de equipamentos e peças, celulares, etc. – começa a corrida em direção ao fanático (por televisão) consumidor brasileiro.

UFPA participa de estudos

Diversos setores ligados à ciência e à tecnologia se mobilizaram para trabalhar em prol de um Sistema de Televisão Digital Brasileiro. Os professores do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Pará, João Crisóstomo e Aldebaro Klautau ‘A TV digital não é apenas uma evolução tecnológica da TV analógica, mas uma nova plataforma de comunicação’, diz o documento elaborado pelo CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) e pelo Genius Instituto de Tecnologia. ‘Com a TV digital temos não só a qualidade de imagem, mas, e principalmente, um canal de retorno do receptor para o emissor’, explica o professor Gervásio Cavalvante, professor titular do departamento de Engenharia Elétrica, do Centro Tecnológico da UFPA, e um dos coordenadores da área de propagação de um dos grupos de trabalho constituído em Campinas.

Segundo o professor Gervásio a área de propagação faz parte do grupo de trabalho de Comunicações, e que este subdivide-se em mais cinco áreas: Transmissão, Modulação/Demodulação, Testes/Simulação, Canal de Retorno e Recepção/Processamento. Além desse grupo, há outros mais voltados para aplicações, serviços e conteúdos; camada intermediária de software; compressão, transmissão e rede. A UFPA está presente em três áreas e é a única da região Norte participando da discussão.

Políticos estudam propostas

Um comitê de ministros criado no dia 31 de janeiro pelo Palácio do Planalto, vai avaliar as propostas dos três padrões tecnológicos da TV digital em análise no Brasil (japonês, europeu e americano).

O grupo é formado pelos ministros das Comunicações, Hélio Costa; da Casa Civil, Dilma Rousseff; da Fazenda, Antonio Palocci; e do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, vai receber os representantes legais e oficiais dos três padrões.

A primeira reunião ocorreu na última quarta-feira, às 15 horas, na Casa Civil com representantes do padrão europeu. Na quinta-feira foi a vez do consórcio japonês e eles ampliaram na quinta-feira a lista de contrapartidas oferecidas ao governo brasileiro para que este escolha seu padrão de TV digital como o modelo tecnológico do País. Eles se dispuseram a custear toda a demanda de investimentos para a implantação do seu sistema, o que representa um volume de recursos superior aos 300 milhões de euros anunciados previamente, e a extensão da lista de setores atendidos. Pela nova oferta, tanto fabricantes de equipamentos seriam contemplados (para a montagem, modernização ou ampliação de plantas industriais) quanto as emissoras de radiodifusão, que poderão obter crédito para a compra de cabos, antenas e câmeras, por exemplo.

Segundo o ministro Hélio Costa, entre as contrapartidas oferecidas pelos japoneses estão ainda a incorporação de todas as inovações tecnológicas brasileiras no ISDB; a dispensa de cobrança de royalties; participação do Brasil no conselho diretor do padrão japonês; e fabricação do ‘set-up box’ (conversor para os aparelhos analógicos receberam as imagens com padrão digital) no País.

Está marcada para a próxima amanhã a reunião do governo com os representantes do padrão norte-americano, encerrando o ciclo de consultas. O governo trabalha para que a decisão sobre o modelo a ser implantado no Brasil saia até 10 de fevereiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *