Odilon Iannetta – Em 1984, trabalhos científicos mostraram que o cálcio só se fixava de maneira correta quando o colágeno do osso era adequado. O National Institute of Health (EUA) passou a associar a osteoporose com a alteração do colágeno, com conseqüente baixa da disponibilidade de cálcio. A densitometria, que só mede a densidade óssea (a quantidade do osso), avalia apenas um de seus componentes. É imprescindível avaliar o colágeno, avaliar a qualidade óssea.
Folha – Há como medir o colágeno?
Iannetta – Em 1996, europeus lançaram uma tecnologia para isso. Em 2000, foi lançada outra geração do aparelho ao qual foi agregada inteligência artificial da Nasa [agência espacial norte-americana]. Ele avalia, pelas metáfises das falanges [ossos dos dedos], a quantidade e a qualidade do osso e detecta a propensão à osteoporose 30, 40 anos antes de ela acontecer. Há 20 centros que estudam essa metodologia no mundo. Fiz um teste com 8.978 pacientes e vi que 20,7% delas têm qualidade alterada enquanto a quantidade está boa.
Folha – Quando a baixa de colágeno é detectada, o que se deve fazer?
Iannetta – Investigo tudo para saber por que o colágeno está diminuindo mais rápido nessa paciente. Vejo os hábitos em relação a fumo, se há doença endócrina. Fisiologicamente, todos perdemos colágeno. Dependendo dos hábitos ou da presença de alguma doença, pode haver maior ou menor perda. O principal a fazer é estimular a síntese do colágeno. Tem que adequar a alimentação e os exercícios, verificar os níveis hormonais. Não é só dar cálcio.
Folha – Por que o título do livro: “Uma Ex-enfermidade Silenciosa”?
Iannetta – Fala-se que, quando se faz o diagnóstico da osteoporose, a mulher já perdeu 40% do osso e não há mais nada a fazer, que a perda é silenciosa. Quando avalio o colágeno a partir dos quatro anos de idade, tenho o foco na prevenção. Não adianta começar a tratar alguém se não tenho condição de recuperar a qualidade do seu osso. A doença deixou de ser silenciosa, agora tem um marcador do início do processo, que é o colágeno.
Dois novos medicamentos combatem a osteoporose
Uma doença que afeta em torno de 10 milhões de brasileiros e mata cerca de 40 mil todos os anos cresce com o envelhecimento da população. Principal doença metabólica óssea, a osteoporose é considerada problema de saúde pública –tanto que o período de 2000 a 2010 foi eleito pela Organização Mundial da Saúde como a Década do Osso e da Articulação.
Segundo a IOF (International Osteoporosis Foundation), a osteoporose hospitaliza por mais tempo as mulheres de 45 anos de idade do que o diabetes, o infarto do miocárdio e o câncer de mama. Dados da mesma entidade mostram que um terço das mulheres e um quinto dos homens com idade acima de 50 anos apresentarão fratura relacionada à doença ao longo da vida. A fratura de fêmur, considerada a conseqüência mais séria, causa a morte de cerca de um quinto dos pacientes no primeiro ano.
Além do trio exercícios físicos, alimentação rica em cálcio e exposição moderada ao sol, o tratamento é feito à base de remédios que agem diminuindo a reabsorção do osso ou formando mais massa óssea. Dois novos medicamentos para a doença acabam de ser aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e chegam ao mercado brasileiro ainda no primeiro semestre.
Um deles, cujo princípio ativo se chama ibandronato de sódio, será de administração mensal –as opções disponíveis atualmente são de periodicidade diária ou semanal. A expectativa é que ele diminua um problema considerado preocupante no caso da osteoporose: o abandono de tratamento. Por raramente provocar dor ou sintomas aparentes –sendo conhecida por isso como “doença silenciosa”–, muitos pacientes desistem dos remédios antes do tempo necessário.
O outro remédio, o ranelato de estrôncio, é uma nova classe terapêutica que promete atuar em duas frentes: além de diminuir a reabsorção de osso, mecanismo de ação da maioria dos medicamentos, aumenta a formação de massa óssea. Hoje, há produtos que atuam apenas por um ou outro mecanismo. “Deve ser mais uma alternativa para mulheres com osteoporose leve e perto da menopausa que não querem tomar hormônio”, diz a reumatologista Elaine Azevedo, secretária-geral da Sociedade Brasileira de Osteoporose.
Por enquanto, não há planos de que nenhum dos dois produtos esteja disponível pelo Sistema Único de Saúde. Os dois laboratórios responsáveis pelos remédios –Roche e Servier, respectivamente– informam que o preço ainda não foi definido, mas que deve ficar na faixa dos outros medicamentos vendidos no mercado –atualmente, o tratamento não fica por menos de R$ 100 por mês.
Segundo a Roche, laboratório fabricante do ibandronato, trata-se do primeiro remédio oral para doenças crônicas no mundo com periodicidade mensal. Um levantamento feito pela IOF com o apoio da empresa mediu a falta de persistência no tratamento em 502 mulheres com osteoporose na pós-menopausa. Os resultados mostraram que até 60% das entrevistadas que tomam remédio contra a doença uma vez por semana e 80% das que tomam uma vez ao dia os abandonaram antes do primeiro ano. Inconveniência (necessidade de tomar os comprimidos em jejum e manter-se ereto por 30 minutos após a ingestão), efeitos colaterais e esquecimento foram os principais motivos citados.
“O ibandronato deve melhorar a aderência dos pacientes e diminuir a freqüência dos efeitos colaterais, que são principalmente gastrointestinais. A tendência em todas as áreas é melhorar a posologia das medicações”, diz a endocrinologista Marise Lazaretti Castro, chefe do ambulatório de doenças osteometabólicas da disciplina de endocrinologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Um medicamento de administração anual que chegará em março ao país para o tratamento da Doença de Paget (outra doença metabólica óssea) está em fase de pesquisa para uso contra a osteoporose. Segundo a Novartis, fabricante, o pedido de autorização para a substância deve ocorrer em 2007.
Veja respostas às dúvidas mais comuns sobre osteoporose
1. O QUE É OSTEOPOROSE?
A osteoporose é uma doença na qual a densidade e a qualidade do osso são reduzidas, levando a uma fraqueza do esqueleto e ao aumento do risco de fraturas, principalmente da coluna, do colo de fêmur e do punho. Trata-se da doença metabólica óssea mais comum no mundo.
2. É UMA DOENÇA FEMININA?
Não. Apesar de afetar mais as mulheres (para cada cinco pacientes do sexo feminino, três do sexo masculino têm a doença), os homens também podem tê-la. Neles, o problema costuma aparecer mais tarde.
“Tanto o homem quanto a mulher ganham osso suficiente nas primeiras décadas de vida. A grande diferença é que, devido à falta de estrógeno na menopausa, a mulher passa a perdê-lo mais cedo e por mais tempo do que o homem”, diz Paulo Junqueira, ginecologista do setor de climatério do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e secretário da Sobemom (Sociedade Brasileira de Estudos Minerais Ósseos e Metabologia).
Após os 50 anos, eles apresentam risco aproximado de fraturas similar ao de ter câncer de próstata –em torno de 30%. De 30% a 50% dos homens têm sobrevida menor do que um ano após a fratura, comparado a 20% das mulheres.
É comum também que a osteoporose que atinge os homens ocorra devido a causas secundárias, principalmente quando acontece antes dos 65 anos de idade. Uso de medicamentos como os corticóides, alcoolismo e doenças gastrointestinais que prejudicam a absorção de cálcio e de vitamina D são alguns exemplos.
3. SÓ AS PESSOAS MAIS VELHAS TÊM OSTEOPOROSE?
Não. A doença pode afetar inclusive adolescentes. Quando ocorre em pessoas muito jovens, geralmente trata-se de uma osteoporose secundária, ou seja, causada por outra doença, como alterações na tireóide.
4. O QUE É OSTEOPENIA?
É o estágio anterior à osteoporose, que pode ou não evoluir para a doença.
5. QUAIS SÃO AS CAUSAS DA OSTEOPOROSE?
Há vários fatores. Quem tem parentes que apresentaram o problema tem mais chances de tê-lo. Na mulher, a redução na produção de estrógeno a partir da menopausa contribui para a maior perda de massa óssea. Há também fatores que dizem respeito ao estilo de vida: sedentarismo, dieta insuficiente de cálcio, falta de exposição ao sol e uso abusivo de álcool e tabaco. Alguns medicamentos –como aqueles à base de cortisona– e problemas de saúde –como doenças hepáticas, da tireóide e insuficiência renal– podem provocar osteoporose.
6. QUAL É A RELAÇÃO COM A MENOPAUSA?
A menopausa provoca alterações no ciclo de remodelação óssea (troca de osso velho por osso novo). Com a falta de estrógeno, a perda de osso passa a ser maior do que a formação. “Dos 30 até os 45 anos, a mulher perde em torno de 1% a 3% de osso ao ano. Por volta dos 45, 50 anos, essa perda aumenta para em torno de 5% a 7%”, compara Elaine Azevedo.
Nos primeiros anos após a menopausa, essa perda é mais acentuada. A reposição hormonal é uma opção para evitar o problema.
7. QUAL É O PESO DA HEREDITARIEDADE?
A história familiar é um dos fatores de risco mais importantes, mas não se sabe ainda o quanto esse risco aumenta. Segundo Elaine Azevedo, vários estudos tentam correlacionar a osteoporose com algum gene, mas nenhum foi totalmente conclusivo.
8. FUMO, ÁLCOOL E OBESIDADE SÃO FATORES DE RISCO?
Enquanto o tabaco e o consumo excessivo de álcool tabaco deixam a pessoa mais susceptível a ter o problema, a obesidade acaba protegendo-a. “O típico paciente osteoporótico é magrinho, miúdo. Quanto mais peso, mais massa óssea”, diz Marise Castro.
9. QUAIS SÃO OS SINTOMAS?
Em geral, o paciente não sente nada até ter a fratura -daí o fato de muitos não se preocuparem e abandonarem o tratamento antes da hora. “Muitas mulheres dizem que estão com dor nos ossos e acham que têm osteoporose. Na verdade, a dor é nos tendões, nas articulações, na musculatura. Quando o osso dói é porque está quebrado”, diz Paulo Junqueira.
Entre as fraturas, há aquelas que provocam dor e levam a pessoa ao pronto-socorro, mas também aquelas silenciosas, comuns na mulher após a menopausa. “Vão ocorrendo pequenas fraturas nas vértebras, que começam a diminuir de tamanho, mas não se desfazem. A pessoa não sente absolutamente nada, apenas começa a ficar corcunda”, diz Elaine Azevedo. Segundo a IOF, somente 1/3 das fraturas vertebrais apresentam sintomas.
10. É POSSÍVEL PREVENIR A DOENÇA?
Sim. A prevenção deve começar na infância e adolescência, fase em que os ossos estão em formação. Para acumular bastante massa óssea, a criança deve ter uma dieta rica em cálcio, praticar atividades físicas e tomar sol.
Por volta dos 30 anos, atinge-se o pico de massa óssea, que fica estocada até o envelhecimento. Depois disso, exercícios físicos, alimentação adequada e sol continuam sendo importantes para manter o que foi formado. Evitar fumar e beber e tratar problemas hormonais e diabetes para evitar a perda de cálcio são outras dicas.
11. QUANTO DE CÁLCIO É PRECISO INGERIR POR DIA?
O cálcio é considerado o substrato mais importante para a formação do osso. Para ter um osso de boa qualidade, é fundamental ter um balanço positivo de cálcio. A quantidade necessária do mineral é de 800 mg a 1.000 mg por dia. Esse valor aumenta em determinadas fases, como na adolescência, na amamentação e após a menopausa SAI FINAL. Nesses períodos, a quantidade exigida varia de 1.200 mg a 1.500 mg diários. A fonte ideal de cálcio é o leite e seus derivados. Um copo de 300 ml de leite tem, em média, 250 mg do mineral.
12. SUPLEMENTOS DE CÁLCIO SÃO NECESSÁRIOS?
A suplementação é necessária apenas quando a dieta não atinge as necessidades diárias do mineral. Quem tem intolerância a leite ou não consegue suprir a recomendação diária só com a alimentação pode recorrer aos suplementos –sempre com orientação médica.
13. QUAL SUPLEMENTO É MELHOR, CARBONATO DE CÁLCIO OU CITRATO DE CÁLCIO?
Em geral, o cálcio dos suplementos está na forma de sais –carbonato de cálcio e citrato de cálcio são os mais comuns. De acordo com a endocrinologista Marise Castro, o carbonato de cálcio atende bem às necessidades da maioria das pessoas. Já o citrato é mais recomendado para grupos específicos, como para quem tem problemas digestivos ou pedra nos rins.
14. É PRECISO TOMAR SUPLEMENTOS DE VITAMINA D?
De nada adianta consumir a quantidade necessária de cálcio se o corpo não tiver vitamina D suficiente, já que ela é responsável pela absorção intestinal desse mineral. Sua produção é estimulada pela exposição solar –até por volta dos 60 anos, tomar de 15 a 20 minutos por dia de sol em superfícies como os braços e as pernas já é suficiente. A suplementação só deve ocorrer quando não se consegue a quantidade necessária da vitamina naturalmente.
Como no Brasil há abundância de sol, imagina-se que a reposição não seja é necessária. Mas, segundo Marise Castro, pesquisas brasileiras mostram que muitos idosos têm deficiência da vitamina porque, por estarem debilitados, se expõem menos ao sol. Eles também têm mais dificuldade para metabolizar a substância. “Damos pouca importância à vitamina D, mas, nos países nórdicos, onde há menos luz solar, há menos deficiência do que aqui. Como eles se preocupam com o problema, fazem muitos alimentos enriquecidos. Há uma discussão mundial sobre a importância da vitamina D e ela vem cada vez mais fazendo parte do tratamento”.
15. QUAL É O MÉDICO QUE TRATA DO PROBLEMA?
Reumatologistas, endocrinologistas, ginecologistas, fisiatras e geriatras são alguns especialistas que estudam e tratam a doença. Os ortopedistas também acompanham esses pacientes, ocupando-se principalmente das fraturas.
16. QUANDO É PRECISO TOMAR REMÉDIOS?
Os medicamentos são receitados para quem já tem osteoporose. Se o que a paciente tem é apenas osteopenia, há uma discussão sobre quando medicar. Se em alguns casos acompanhar a ingestão de cálcio e de vitamina D e fazer exercícios resolvem, há quem defenda que, se houver fatores de risco, já se deve começar a tomar remédios. “A decisão depende de vários fatores. Se a pessoa tem histórico familiar, ela deve se tratar mais cedo. Da mesma forma, uma paciente jovem com osteopenia tem mais risco de perder massa óssea e pode ser tratada. Já uma paciente de 70 anos pode apenas ser acompanhada mais de perto”, afirma Marise Castro.
17. O QUE FAZER PARA PREVENIR FRATURAS?
A prática de exercícios físicos melhora a força muscular, a agilidade e o equilíbrio.
18. QUEM TEM OSTEOPOROSE PODE FAZER EXERCÍCIOS?
Pode e deve, desde que tome alguns cuidados. As atividades mais indicadas para quem tem a doença são as de resistência muscular. Muitas mulheres com osteoporose na pós-menopausa procuram exercícios menos indicados, como os que são feitos na água. Natação e hidroginástica não melhoram a massa óssea”, diz a fisioterapeuta Sylvia Cunha Henriques, pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
19. A PARTIR DE QUE IDADE DEVE-SE FAZER A DENSITOMETRIA ÓSSEA?
Segundo o reumatologista Jaime Sanson Danowski, presidente da comissão de doenças osteometabólicas e osteoporose da Sociedade Brasileira de Reumatologia, A regra geral é a recomendação por volta dos 45, 50 anos de idade para as mulheres e após os 60 anos para os homens”.
20. A QUANTIDADE DE COLÁGENO NOS OSSOS É IMPORTANTE?
O colágeno é fundamental para a qualidade do osso porque lhe confere elasticidade. Sem ele, mesmo um osso com boa densidade quebraria. O ginecologista Odilon Iannetta, professor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, defende que esse é o parâmetro que mais deveria ser levado em conta para avaliar o risco de fratura. Segundo ele, é possível medir o colágeno dos ossos por meio de um aparelho que faz osteossonografia.
Elaine Azevedo discorda. “Não temos como medir o colágeno dos ossos nem como repô-lo, diz.
FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo