A agitação política esta semana em Ilhéus, em decorrência da divulgação da notícia de que existiam gravações comprovando um suposto “mensalão” no município chegou ao seu ponto mais alto ontem pela manhã. Enfim, o vereador Zerinaldo Sena (PTB) entregou as fitas ao superintendente da Polícia Federal em Ilhéus, Samuel Martins.
O esquema, segundo as denúncias, envolve o prefeito Valderico Reis e nove dos 13 vereadores. O pacote entregue à PF, na presença do presidente da subsecção local da OAB, Leonel Cristo Pontes, é um total de quatro fitas com quase duas horas de gravação, em momentos distintos, dos dias 27 e 28 de julho.
Na primeira delas, o prefeito Valderico Reis (sem partido), de camisa azul mangas curtas e calça preta, aparece conversando com Zerinaldo, camisa amarela com mangas compridas, durante 15 minutos. A imagem é boa, mas o áudio é ruim. Problema que a PF garantiu ter recursos técnicos para superar.
Zerinaldo garante que na conversa o prefeito Valderico insistiu para ele aceitar vantagens financeiras assegurando que o dinheiro para honrar o compromisso “vem do lixo”.
Sumido da cidade desde sexta-feira passada, dizendo que passou a sofrer ameaças de morte logo após ter tido um encontro com o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB), na quinta-feira, quando mostrou as fitas pela primeira vez, Zerinaldo ganhou a ira e a inimizade dos nove vereadores citados por Gerbson nas fitas, entre eles, o presidente da Câmara, Raimundo Veloso (PPS), além do prefeito Valderico Sena.
“Tenho minha consciência absolutamente tranqüila. Agora, só nos resta saber o conteúdo. Quando soubermos, vamos solicitar ao Ministério Público que faça uma investigação rigorosa para apurar os fatos”, afirmou Veloso ontem. Ele é
citado como agenciador de negociações, que teriam resultado num repasse de
R$ 15 mil para o vereador Marcos Paiva (PPS).
Rasteiro –
“As citações são feitas na ausência dos citados, de modo rasteiro, sorrateiro, malandro e perverso, por pessoas desqualificadas”, indignou-se o vereador Alcides Kruchevsky (PMN), um dos acusados. “Para a Bahia inteira nós somos ladrões. É duro engolir isso sem dever nada”, completou.
“Pelo que sabemos, e só sabemos através da imprensa, porque de posse dessas informações Zerinaldo foi incapaz de procurar a Câmara, o presidente, e discutir o assunto, o único vereador que aparece nas fitas recebendo dinheiro é o próprio Zerinaldo”, observou Alysson Mendonça (PT), outro citado.
Dos três vereadores não citados nas gravações, Joabs Ribeiro (PP), Carmelita Oliveira (PP) e Jailson Nascimento (Prona), só Joabs, irmão do ex-prefeito Jabes Ribeiro, garantiu que antes do escândalo já havia ouvido falar sobre mensalão na Câmara. “Eu estaria mentindo se dissesse que não. Ouvi falar pela primeira numa entrevista do Dr. Rui Carlos (candidato a prefeito do PT em Ilhéus no ano passado). Ele disse que soube estar existindo isso na Câmara”, assegurou, fazendo a ressalva de que nunca foi sondado ou abordado para participar de qualquer esquema.
Desaprova – O prefeito Valderico Reis disse ontem, por intermédio da assessoria de imprensa da prefeitura, que em nenhum momento quis comprar votos ou apoio político e nem autorizou ninguém a falar em seu nome com esse objetivo.
Valderico assinalou que é contra o suborno político e jamais mandaria alguém fazer o que ele pessoalmente desaprova. Garantiu também que ninguém encontrará provas do envolvimento dele com suborno.
Se Valderico é culpado ou não quem dirá é a análise das fitas produzidas por Zerinaldo. O superintendente da PF em Ilhéus, Samuel Martins, disse ontem que, primeiro, vai periciar as fitas para saber se são autênticas e, em caso positivo, analisar o conteúdo a fim de verificar se há indícios de crime. Se houver, definirá quais são as providências a serem adotadas.
Contrato sob suspeita
O “lixo” que estaria garantindo o repasse de dinheiro a vereadores em Ilhéus é do contrato firmado pela prefeitura, no início do ano, com a empresa Queiroz Galvão, a título de emergência, no valor de R$ 3.263.424,36, por seis meses, ou R$ 543.904,06 mensais, conforme o Diário Oficial do Município.
Mesmo que o valor já signifique mais do dobro do que a prefeitura gastava na gestão passada, valores variáveis de R$ 250 mil a R$ 270 mil mensais, segundo alguns vereadores, as prestações de contas enviadas para o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), de acordo com constatações feitas pelos vereadores Jailson Nascimento e Alcides Kruchevsky, apontam que o desembolso mensal dos cofres públicos vão muito mais além.
“A Queiroz Galvão recebeu R$ 846.386,77 em abril, R$ 799.060,23 em maio e R$ 764.372,78 em junho. São documentos que estão no TCM”, garante Jailson. “A variação decorre do fato de o lixo ser pesado”, tentou justificar-se o
prefeito Valderico Reis, assinalando que a licitação para saber quem fará a
coleta regularmente, já que o contrato de emergência venceu e está sub-judice. Da licitação participaram empresas até de São Paulo.
Ovos de ouro – Aliás, a coleta de lixo parece ter se transformado na galinha dos ovos de ouro das prefeituras. As das grandes cidades administradas pelo PT sempre quem ganha é a Torre. Em algumas cidades administradas pelo PSDB, como Valença, é a Mazda, que abocanhou um contrato de R$ 246 mil no município para fazer um trabalho que antes custava uma média R$ 185 mil.
Em Ilhéus, o prefeiro Valderico Reis também é acusado de uma série de outras iniciativas suspeitas, a exemplo da compra de R$ 1.290.000 de remédios a uma empresa de Lauro de Freitas e R$ 350 mil em cestas básicas junto a Comercial de Alimentos Calmonense, uma empresa de Miguel Calmon, na região de Jacobina, a centenas de quilômetros de Ilhéus.
Trechos das gravações
Zerinaldo iria entregar as fitas à PF em duas etapas, mas diante da pressão dos demais vereadores, achando que ele queria esconder parte das supostas acusações, decidiu passar para a PF todo o material. A TARDE teve acesso a uma cópia das duas fitas, que seriam entregues na primeira parte. Eis alguns
trechos.
Gerbson fala para Zerinaldo
“Essa posição minha é muito delicada. É importante para o governo, mas muito delicada.
Para mudar o cenário político, preciso de total autonomia. O que eu articular tem que ser cumprido”.
“O ano de equilibrar a situação é esse. De partir para um grupo para trabalhar na administração, discutir política, falar política. (…) A gente precisa, inicialmente, ser objetivo nas coisas, para que as coisas fiquem definidas. Você entendeu. Você está entendendo o que estou falando? Você não está entendendo. O objetivo é o que? Fechar aquilo”.
“Me decepcionei muito com o Veloso. Ele (Veloso) questiona o dinheiro de Valderico. E o dinheiro da Câmara, está indo para onde? E as licitações da Câmara? Está indo para onde o dinheiro? E as fraudes que a Câmara está fazendo? Isso tudo está certo? Você acha que a gente não está vendo? Acha que a gente não tem prova também?”
“Você sabe que a gente está repassando mais (dinheiro para a Câmara). E tem um limite. O prefeito pode reduzir, você sabe”.
“São quantos vereadores?
Eu já fiz algum acordo e não cumpri? Pode perguntar: Alysson, Marcos Paiva,
Veloso… Agora, hoje o que estou falando com você é outra articulação”.
Levi Vasconcelos
A TARDE