Estudos revelam que na costa baiana há potencial para 42 bilhões de barris de petróleo e 2,8 trilhões de metros cúbicos de gás. Seis empresas gastam milhões de dólares para ver se pegam uma fatia
Nos círculos oficiais, governamentais, econômicos e políticos, corre a lenda de que uma megarreserva de petróleo, maior do que a de Campos, no Rio de Janeiro, e com óleo de melhor qualidade, foi encontrada. Se for verdade, a Bahia seria mais uma vez palco de um rebuliço nacional. Para se ter idéia, em termos comparativos, o Rio é o maior produtor do Brasil, com 34,4 milhões de barris/mês contra 1,19 milhão da Bahia, o terceiro colocado. O segundo é o Rio Grande do Norte, com 2,1 milhões.
É evidente que uma lenda desse porte não surge do nada. Tem origem técnica e certa. Estudo realizado pelo Grupo Interdisciplinar de Modelagem e Análises de Bacias (Gimab), da Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisas em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que na Bacia Camamu-Almada, tida como uma nova fronteira, por ser pouquíssimo explorada, pode ter sido gerado um volume de 42 bilhões de barris de petróleo e 2,8 trilhões de metros cúbidos de gás.
O estudo, realizado em um ano e dois meses, concluído no início do ano passado, foi encomendado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), segundo o coordenador das pesquisas, Ricardo Bedregal, com um propósito claramente definido, reduzir os riscos dos investidores e conseqüentemente atrair novas empresas, nacionais ou estrangeiras. “Explorar e produzir petróleo exigem investimentos contínuos de 30 a 40 anos. Nosso papel é quantificar as áreas de maior ou menor potencial”, diz.
Segundo ele, os indicadores são os de que a região possui também óleo de alta qualidade, mas devido às características geológicas, as áreas devem ser cuidadosamente avaliadas antes da perfuração. “É uma área pouco explorada em águas profundas. Por isso é necessário todo um trabalho de modelagem e interpretação dos dados”, salienta. Ou seja, o terreno em que se está pisando é pouco conhecido, como nas bacias já consolidadas de Estados vizinhos como Sergipe e Espírito Santo.
ESPERANÇA – Mas até agora, de concreto mesmo, só os 20 bilhões de metros cúbicos de gás que a Petrobras começa a tirar a partir de janeiro da costa de Cairu. Sobre a lendária superjazida, nada. Ao menos por enquanto. Haroldo Lima, o baiano que dirige a ANP, diz que o grande nicho petrolífero da Bahia na atualidade é a Bacia de Camamu, mas do ponto de vista exploratório.
“Eu gostaria muito que fosse verdade. Mas não há novas descobertas”, diz. A Petrobras, que detém o controle só ou em parceria de 21 novos blocos, 12 deles no mar aberto, em águas rasas e profundas, já furou 17 poços em pontos distintos, todos resultaram secos. Oito dos blocos são na Bacia Camamu-Almada e quatro na do Jequitinhonha.
“No ano passado, tínhamos grande esperança num furo que fizemos entre Ilhéus e Una, mas também deu seco”, diz Cal Figueiredo, gerente de comunicação da área de produção e exploração de petróleo e gás da Petrobras na Bahia, com a ressalva: “Mas isso é investimento. Ensina aos nossos geólogos a conhecerem melhor a formação geológica da área e conseqüentemente aumenta as possibilidades de acerto”.
NOVO FURO – Um outro detalhe. Segundo geólogos especializados no setor, as probabilidades de acerto em tais furos é de 8% ao longo dos 200 km da costa entre Cacha Prego, na Ilha de Itaparica, e Ilhéus, e nas imediações da foz do Jequitinhonha, na área frontal aos municípios de Belmonte e Caravelas, o que é uma média alta.
Além disso, há outro ingrediente que anima os investimentos. “Se no mar de Sergipe há reservas conhecidas e em exploração de 200 milhões de barris e no Espírito Santo de dois bilhões, por que o mar da Bahia não teria?”, indaga Cal. Segundo ele, ainda este ano, a Petrobras fará um novo furo nas proximidades de Itacaré.
Das seis empresas que estão na busca de petróleo no mar, a multi norte-americana El Paso foi a que, até agora, obteve melhores resultados. Informou oficialmente a ANP ter descoberto “indícios de óleo e gás”. Na licitação que realizará em outubro, a ANP colocará em licitação 17 blocos em águas profundas nas bacias de Camamu-Almada e Jequitinhonha. É a maior oferta até hoje já realizada com relação à área oceânica da Bahia.
Multinacional El Paso fica em silêncio
A El Paso, primeira multinacional a marcar presença nos mares baianos, além da Petrobras, está em recesso, pelo menos para falar ao público sobre suas atividades. Dona de um bloco marítimo com 70 km2, ao largo da costa de Camamu, Maraú, Igrapiúna e Ituberá, instalou escritório em Camamu, disse que ficaria na área explorando gás durante 17 anos, chegou a anunciar a construção de uma usina termoelétrica, investimento de R$ 760 milhões, para gerar 160 megawats de energia, de repente refluiu.
Quando se pergunta alguma coisa, a assessoria de imprensa da empresa é lacônica: “Nada a declarar”. Oficialmente, comunicou a ANP que achou “indícios de óleo e gás”. Informalmente sabe-se que trocou a maior parte da sua diretoria no Brasil, situação que fertiliza a imaginação dos que contam a lenda da megarreserva petrolífera. Estaria ela refazendo planos exatamente porque teria achado a galinha dos ovos de ouro e, inclusive, ainda segundo a lenda, já teria até achado uma proposta da Petrobras para tirar o time.
“É balela. Uma empresa como a El Paso, se tivesse uma informação dessa, iria guardar porque se só teria a ganhar no mercado de ações com o anúncio?”, diz um conhecedor do assunto e da empresa. Surpreende é que a El Paso chegou na área sob intenso barulho. Na fase preliminar, realizou 900 detonações (600 no mar e 300 em terra) para testes sísmicos, o que deflagrou uma série de questionamentos por parte de empresários do turismo e ambientalistas.
Alunos do curso de Geogrfia da Ufba chegaram a criar o Fórum de Defesa e Promoção Socioambiental da Baía de Camamu, quando lançaram a Carta de Barra Grande (Maraú) e o vídeo Paraíso descartável – crônica de um desastre anunciado. A empresa admistrou tudo e chegou a assinar termo de compromisso com o Ministério Público, após uma sucessão de audiências. Agora, é só silêncio.
Municípios na expectativa
A expectativa dos prefeitos dos municípios litorâneos das bacias de Camamu-Almada e Jequitinhonha é grande, todos eles, na esperança de que as empresas obtenham resultados positivos para ver, por tabela, os cofres municipais engordados com dinheiro dos royalties. Hildécio Meirelles (PP), de Cairu, por exemplo, o único que tem algo concreto em mãos, o gás que será retirado do Campo de Manati, a 10 km da costa do Morro de São Paulo, está se preparando para o novo tempo.
“É certo que no início do próximo ano a produção começa. E tenho que obter algumas informações até para efeito de elaborar o orçamento”, diz ele, que pretende ir à sede da ANP, no Rio, informar-se. Hildécio afirma que ainda não pode dizer o que pretende fazer porque não tem idéia de quanto a prefeitura receberá. “A única coisa que posso garantir é que carências aqui temos demais”, afirma ele.
A Prefeitura de Cairu arrecada hoje, no total, em torno de R$ 700 mil. A projeção é que, no mínimo, o município terá em 2006 o dobro desse montante. No ano passado, a imprensa de Ilhéus chegou a anunciar uma suposta descoberta de petróleo, logo desmentida pela Petrobras, o que causou intenso alvoroço.
Não é para menos. Os números que a ANP divulga sobre royalties são animadores para qualquer governante acostumado com o dinheirinho de sempre. Em 1997, após o fim do monopólio, o País recebeu R$ 190 milhões em royalties. Em 2003, a soma dos royalties e a participação especial sobre a produção, que não existia, atingiu R$ 9,5 bilhões, crescimento de 5.100%.
Esse montante é repartido entre Estados, municípios, Marinha e os ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia.
Auto-suficiência é a meta
Capitão Pipoca, pescador a vida inteira, atualmente dono de uma barraca na Praia de Garapuá, em Cairu, sabe tudo de mar, tanto do que a natureza produziu como de objetos que chegam à praia, oriundos de navios que passam no oceano. Mas não conseguia entender, no ano passado, como era que um imenso da Grant, uma empresa de pesquisas, mandava os pescadores saírem dos seus pesqueiros tradicionais porque ele queria passar.
“Vinha um pequeno barco na frente e mandava o pessoal sair. O navio passava lento, com quatro cabos de aço arrastando alguma no fundo do mar. Nunca vimos isso”, espantava-se ele, como toda a comunidade local. Era a intensificação da exploração petrolífera na área. Capitão Pipoca e outros tantos moradores do litoral baiano estão no meio desse fogo cruzado, o esforço nacional para descobrir novas reservas, sem saber exatamente por que.
E tudo indica que, pelo potencial da região e de outras ainda não tocadas, a presença de personagens estranhos ao cotidiano de comunidades pacatas vai se ampliar. Apenas 3% das áreas propectáveis em território brasileiro estão sob concessão. Na Bacia Camamu-Almada, por exemplo, a maior parte ainda está absolutamente intacta.
Em toda a sua história, o Brasil perfurou 22 mil poços de petróleo, uma ninharia, numa comparação com os EUA, que só no ano passado perfurou 30 mil poços e tem, ao todo, um acumulado de 2,5 milhões de poços. A intenção do Brasil, ao quebrar o monopólio que pertencia à Petrobras até 1997, é exatamente essa, tornar-se auto-suficiente em petróleo e gás e manter essa situação a longo prazo. Ou melhor, deixar de ser importador.
Dinheirama na exploração
Em tudo que envolve petróleo e gás, as escalas são altas. No dinheiro investido na exploração não é diferente. Mesmo ainda não tendo descoberto nenhuma reserva nas bacias Camamu-Almada e do Jequitinhonha, Petrobras, El Paso, Queiroz Galvão, Petroserv, Statoil e Epic Gás, as empresas que, isoladas ou em parceria, exploram os 20 blocos do mar baiano, já despejaram no mar alguns milhares de dólares.
Cada furo, mesmo com o risco de nada encontrar, custa uma fábula. Varia de acordo com a profundidade. A El Paso, por exemplo, que fez quatro furos na área oceânica de frente para a Baía de Camamu, em profundidades que variaram de 29 a 45 metros, gastou de uma média de U$ 6,5 milhões por cada um.
Nos 17 furos que a Petrobras realizou, a média foi de US$ 9 milhões. “Eles estão furando em águas rasas. Em águas profundas, esse custo se eleva muito. Chega a mais de US$ 100 milhões”, diz Newton Monteiro, um dos diretores da ANP.
Risco – Segundo ele, o jogo é esse mesmo, contrato de risco. “Não tem nenhum cabimento a informação de que a ANP estaria licitando reservas já descobertas pela Petrobras”, afirma.
Segundo a ANP, o bônus de assinatura pago pelas empresas que adquiriram 189 blocos no território nacional de 1999 para cá, quando foi realizada a primeira licitação, é de R$ 1,5 bilhão. Mais importante que isso, todavia, são os investimentos previstos, algo que, no conjunto, chega a US$ 20 bilhões até 2007.
A TARDE