No México são chamados de pepenadores. Na Argentina, são conhecidos como cartoneros. Os brasileiros os chamam de catadores, os peruanos, de moscas. Cada país na América Latina e no Caribe tem um termo próprio para designar os catadores de lixo e, em certos países, seu número está crescendo. Eles podem ser vistos separando sacos de lixo nas calçadas das cidades, parques públicos ou junto a supermercados e prédios de apartamento. Alguns puxam carroças que pouco a pouco vão enchendo com garrafas plásticas ou latas de alumínio. Muitos trabalham no alto de enormes monturos em aterros sanitários municipais. Homens, mulheres e crianças participam dessa atividade.
Em certos países, famílias inteiras de catadores de lixo vivem em cortiços ao lado ou no alto de aterros sanitários que lhes garantem sua única fonte de renda.
Medina, professor no Colegio de Frontera Norte, em Tijuana, México,
que publicou diversos estudos sobre lixo e reciclagem nos países em
desenvolvimento, afirma que várias formas de recuperação de lixo
surgiram ao longo dos séculos.
O que mudou nos últimos anos foi a magnitude e a visibilidade dessas
atividades, graças a vários fatores convergentes. Um deles é o
crescimento inexorável das cidades da região, a maioria das quais
não tem meios adequados para coletar, processar e destinar o lixo.
Outro é a expansão do uso de embalagens de papel, plástico e vidro
no setor de produtos alimentícios e outros bens de consumo e o
crescimento paralelo de indústrias que reciclam esses materiais. Por
último, o desemprego provocado por crises econômicas recentes tem
levado milhares de pessoas a se dedicar à coleta de lixo em tempo
integral ou parcial.
Nem tão informal. Pode ser arriscado fazer generalizações sobre os
catadores de lixo, porque seu comportamento é dinâmico e ocorre
tanto dentro do setor formal como do setor informal da economia.
Pessoas pauperizadas vasculham lixo em busca de comida ou roupas
para seu próprio consumo, por exemplo. Mas outras procuram materiais
recicláveis específicos como papel, papelão, alumínio e vidro, que
posteriormente são vendidos a intermediários. Estes, por sua vez,
abastecem empresas formalmente constituídas, que processam esses
materiais para fabricação de novos produtos ou os exportam em bruto
para outros países.
Nos países mais industrializados da região, o negócio da reciclagem
cresceu rapidamente nos últimos anos. Ao longo da fronteira do
México com os Estados Unidos, por exemplo, diversas empresas são
contratadas para coletar, processar e vender a enorme variedade de
materiais descartados gerados pelas maquiladoras.
No Brasil, em 2002, empresas locais reciclaram 87% de todas as latas
de alumínio consumidas no país naquele ano, segundo a Associação
Brasileira de Alumínio– ABAL. A associação informou que isso
representou 121.100 toneladas de latas de alumínio recicladas, ou
aproximadamente 9 bilhões de unidades.
A ABAL calculou que cerca de 150.000 brasileiros ganharam a vida em
2002 coletando latas de alumínio. É impossível determinar quantas
pessoas dentre essa população tinham empregos formais em empresas de
reciclagem, mas é seguro supor que a maior parte delas não tinha. A
norma, na maioria dos países, é que os catadores de lixo trabalhem
por dinheiro, sem contrato e benefícios médicos ou securitários.
De fato, a catação de lixo está entre as ocupações mais perigosas e
socialmente marginais. Por meio da constante exposição a materiais
perigosos e fumaças tóxicas nos aterros, os catadores de lixo estão
submetidos a um alto risco de acidentes e doenças. Em geral
trabalham à noite em áreas perigosas e com pouca proteção policial.
Devido a sua associação com o lixo, essas pessoas tendem a ser
menosprezadas. Muitos catadores de lixo são imigrantes ilegais ou
migrantes recentes de áreas rurais e, por isso, não sabem como ou
não se dispõem a procurar a ajuda das autoridades públicas.
Em algumas cidades, os catadores de lixo também precisam lidar com
máfias criminosas que controlam o acesso aos intermediários da
reciclagem e determinam quem pode trabalhar em torno dos aterros
municipais e outros pontos privilegiados de coleta. Essas máfias
mantêm baixos os preços pagos aos catadores e algumas vezes utilizam
a violência ou a intimidação para assegurar o controle de seu
território.
Uma atividade sustentável. A perspectiva para os catadores de lixo,
porém, não é de todo sombria. Segundo Medina, os catadores em
diversas partes da América Latina começaram a organizar-se para
melhorar suas condições de trabalho e pôr fim a seu status de
cidadãos de segunda classe. Em muitas cidades, eles se reuniram em
cooperativas, que lhes permitem coordenar suas atividades com os
órgãos sanitários municipais e negociar preços melhores com os
intermediários.
“Em diversos países há um movimento social mais amplo que visa
dignificar o trabalho dos recicladores informais e educar a
sociedade sobre os benefícios sociais de seu trabalho”, diz Medina.
Esses benefícios são substanciais e mensuráveis, segundo Medina. Em
primeiro lugar, a reciclagem informal gera receitas reais para
centenas de milhares de pessoas e com isso ajuda a reduzir a
pobreza. Em segundo lugar, ela propicia um meio surpreendentemente
eficaz para reutilizar recursos valiosos, reduzir custos para as
indústrias domésticas e melhorar a competitividade econômica. Em
terceiro lugar, reduz a quantidade de lixo que é descartada,
diminuindo com isso a poluição e beneficiando o meio ambiente.
“Por todos esses motivos, a reciclagem informal tem potencial para
ser uma forma de desenvolvimento sustentável”, diz Medina. “O que é
necessário é um compromisso dos governos no sentido de apoiar os
catadores de lixo, garantindo-lhes que não sejam explorados nem
menosprezados e fornecendo-lhes os serviços sociais essenciais.”
Chegando à formalidade. Diversos países já deram passos nessa
direção. Na Argentina, o Legislativo municipal de Buenos Aires
aprovou uma lei em 2003 que obrigava os cartoneros a se cadastrar
nos órgãos municipais para obter uma licença oficial como catadores
de lixo. Uma vez que a catação de lixo é ilegal na Argentina, a lei
se destinava a legitimar os cartoneros (que preferem ser chamados de
recuperadores) e incorporá-los ao sistema sanitário formal,
reduzindo desse modo a influência das máfias abusivas do lixo. A lei
também procurava garantir que os catadores cadastrados tivessem
acesso ao plano de saúde básico do governo.
A eficácia da lei tem sido limitada pelo fato de que muitos
catadores em Buenos Aires são imigrantes ilegais que relutam em
lidar com as autoridades. Apesar disso, no início de 2004, cerca de
9.000 catadores haviam se cadastrado no município e mais de 12.000
vacinas haviam sido aplicadas nos cadastrados e em seus filhos,
segundo funcionários do município.
No Paraguai, o Programa de Empresariado Social do BID recentemente
concordou em conceder um empréstimo em condições favoráveis e um
subsídio totalizando US$538.000 para um projeto de aumento de renda
e melhoria dos padrões de vida de famílias que reciclam lixo em um
aterro municipal na capital, Assunção. Os fundos ajudarão a
financiar um projeto proposto pela Alter Vida, uma ONG paraguaia que
apóia o desenvolvimento sustentável ao promover a participação do
cidadão no manejo e na conservação do meio ambiente. Os
beneficiários serão os gancheros, pessoas que recuperam papel,
plástico e outros materiais recicláveis do aterro de lixo sólido de
Cateura.
O empréstimo do BID ajudará a financiar a construção e os
equipamentos de uma instalação de coleta e classificação de lixo em
Cateura, propiciando aos recicladores um local mais saudável e
seguro para trabalhar. O governo municipal doará o terreno para a
construção, enquanto a Agência Japonesa de Cooperação Internacional
e a Organização Pan-Americana da Saúde doarão caminhões de coleta de
lixo
***
Oito mitos sobre a reciclagem informal na América Latina
O tema lixo parece gerar mitos e exageros que se baseiam mais em
ansiedades populares do que em fatos concretos. O mesmo se aplica ao
fenômeno dos recicladores informais, ou seja, as pessoas que ganham
a vida catando coisas no lixo em praticamente todas as cidades da
América Latina e do Caribe. Esses catadores quase sempre despertam
reações fortes e negativas, apesar do fato de que muito pouco se
sabe sobre suas atividades e o impacto que produzem na economia e no
meio ambiente.
Martín Medina, que recebeu o título de doutor em estudos ambientais
da Universidade de Yale e é agora pesquisador no Colegio de la
Frontera Norte, em Tijuana, México, tem estudado catadores de lixo
em países do mundo inteiro. A convite da BIDAmérica, ele elaborou
uma lista de oito dos equívocos mais freqüentes acerca desse
fenômeno.
Mito # 1:
A reciclagem informal é um fenômeno recente
Muitas pessoas, inclusive alguns especialistas, acham que a
reciclagem informal começou há apenas poucas décadas. Nossos
ancestrais começaram a usar e refinar ouro, cobre e bronze no início
da metalurgia, cerca de 5.000 anos atrás. Rapidamente perceberam que
as sobras do processo – bem como objetos velhos e quebrados – podiam
ser fundidos e reciclados para fabricar novos objetos. Sempre houve
pessoas especializadas em recuperar metais, sem falar em outros
materiais descartados, como vidro, madeira e papel.
Mito # 2:
Todos os catadores são indigentes e extremamente pobres
A aparência dos catadores e seu contato diário com o lixo leva a
sociedade em geral, bem como certos acadêmicos, a crer que eles se
encontram entre os membros mais pobres da sociedade. É verdade que
às vezes sua renda é muito baixa, abaixo do nível de pobreza de
muitos países. Entretanto, essa pobreza tende a ser provocada por
exploração de intermediários e líderes corruptos. Quando não são
explorados, os catadores podem ganhar o equivalente a vários
salários-mínimos, o que possibilita que escapem da pobreza.
Microempresas, cooperativas e associações públicas e privadas têm
conseguido sucesso na redução da pobreza entre os catadores.
Mito # 3:
Catar lixo é uma atividade marginal
Muitas vezes se acredita que catar lixo é uma atividade que se
desenvolve à margem da sociedade e da economia. Isso não é verdade.
Desde o início da atividade de reciclagem, os catadores têm
desempenhado um papel fundamental no suprimento de matérias-primas
para a indústria. Na América Latina, os recicladores têm sido
essenciais ao desenvolvimento da indústria de papel durante mais de
quatro séculos. A indústria de papel do México está tentando
utilizar ao máximo papel e papelão descartados recuperados pelos
pepenadores (coletores de papelão) para sobreviver frente à
competição internacional introduzida no país com a abertura
econômica.
Mito # 4:
Catar lixo é uma atividade desorganizada
É verdade que muitas vezes os catadores não são filiados a nenhuma
organização específica. Entretanto, muitos deles são catadores
especializados e até chegam a utilizar sistemas de divisão do
trabalho. Nas ruas, às vezes estabelecem divisões territoriais. Os
catadores também fazem acordos com moradores locais, mercearias e
empresas, por exemplo, para que vendam ou entreguem materiais para
catadores escolhidos e não para qualquer um. Depósitos de lixo e
aterros sanitários são os mais altamente organizados. Centenas ou
mesmo milhares de separadores de lixo podem trabalhar nesses locais
e tendem a se organizar para evitar conflitos e desordem. Possuem
turnos de trabalho e supervisores, e cada trabalhador tem uma
especialização. Em alguns desses locais, a catação de lixo se
assemelha a uma indústria.
Mito # 5:
O impacto econômico da reciclagem informal é mínimo
Esta opinião é generalizada, porém incorreta. Conhecemos
relativamente pouco sobre o impacto econômico da reciclagem de lixo,
mas sabemos que sua contribuição financeira realmente é maior do que
as pessoas imaginam. Segundo os cálculos do autor, a reciclagem de
lixo na cidade de Nuevo Laredo, no México, rende cerca de US$5,5
milhões por ano. A coleta e reciclagem informal em cinco cidades
mexicanas geram mais de US$21 milhões por ano e empregam mais de
3.000 pessoas. Cálculos do Banco Mundial sugerem que mais de 60
milhões de pessoas no mundo inteiro trabalham como catadores, o que
significa um impacto econômico de centenas de milhões de dólares
anuais. A atividade reduz as importações de matérias-primas,
possibilitando razoável economia de divisas ao país. Muitas vezes,
os materiais recuperados pelos catadores são exportados, gerando
assim consideráveis divisas. Na Argentina, por exemplo, o plástico
utilizado para fabricar embalagens para bebidas gasosas é exportado
para a China, onde é reciclado e transformado em novos produtos.
Mito # 6:
A reciclagem informal é uma atividade estática
Na verdade, catar lixo é uma atividade altamente dinâmica. Está
ligada e depende diretamente de desenvolvimentos nos âmbitos
nacional e internacional. O crescimento demográfico e a urbanização
aumentam a fabricação de produtos de consumo e os materiais
descartados deles resultantes. As indústrias que os produzem
precisam de mais matérias-primas. O aumento da atividade econômica e
do comércio internacional também amplia a demanda dos materiais
recuperados pelos catadores. O preço desses materiais depende de
fatores globais de oferta e demanda. Em tempos de crise econômica, a
atividade tende a elevar-se, em conseqüência do desemprego e da
pobreza. No México, a desvalorização do peso em 1994 e a crise
econômica decorrente levaram a um enorme aumento na atividade de
reciclagem informal. Do mesmo modo, a desvalorização e a crise
econômica na Argentina nos últimos anos aumentaram o número de
cartoneros trabalhando nas ruas de Buenos Aires.
Mito # 7:
Os catadores são um problema que é preciso eliminar
As autoridades governamentais na maioria dos países acham que os
catadores constituem um problema que deve ser eliminado. É verdade
que os catadores podem causar alguns inconvenientes, como abrir
sacos de lixo e espalhar seu conteúdo pelas ruas. Trabalhar em
depósitos de lixo apresenta sérios riscos de saúde aos catadores. As
autoridades normalmente reagem colocando as atividades dos catadores
na ilegalidade e perseguindo os infratores. Na maioria dos casos,
porém, essas políticas repressivas diminuem a renda dos catadores e
agravam suas condições de vida. Se as autoridades desejam reduzir a
pobreza, não devem perseguir os catadores.
Mito # 8:
A reciclagem informal não tem nenhuma função nos modernos sistemas
de manejo do lixo
Em decorrência da reação acima descrita, muitas autoridades acham
que a solução para o problema do lixo sólido é adotar as tecnologias
avançadas utilizadas em países desenvolvidos. É verdade que não há
nenhum papel a ser desempenhado por catadores e separadores de lixo
nos países desenvolvidos. Mas suas condições socioeconômicas são
completamente diferentes das existentes nos países em
desenvolvimento. Em muitos casos, não há sentido na adoção, por
esses países, das mesmas técnicas de manejo do lixo empregadas na
Europa, Japão ou Estados Unidos. Os catadores exercem um impacto
importante na coleta do lixo, reduzindo a necessidade de caminhões
próprios para esse serviço e de trabalhadores sanitários e
prolongando a vida útil dos depósitos de lixo e aterros sanitários.
De fato, é possível dizer que, com o devido apoio, a catação de lixo
é um exemplo perfeito de desenvolvimento sustentável: gera empregos,
reduz a pobreza, evita a poluição, conserva os recursos naturais,
fornece matérias-primas de baixo custo para a indústria (tornando-a
assim mais competitiva) e protege o meio ambiente.
***
Abrindo caminho para a inclusão social
Três ONGs inovadoras na América Latina conquistam prêmios oferecidos
por um fundo administrado pelo BID
A Themis – uma ONG que realiza pesquisas e presta assessoria
jurídica em questões de gênero – é um sonho que se tornou realidade
para três mulheres atuantes na arena judicial brasileira: Denisse
Dora, Elenara Iabel e Márcia Soares. De fato, para muita gente no
Rio Grande do Sul, “Themis” é agora mais um sinônimo para “justiça”.
O programa de treinamento para “promotoras legais populares” criado
pelo grupo ensina legislação e proteção dos direitos humanos a
líderes comunitárias. E seu excelente trabalho compensou: a Themis
foi uma das três organizações que conquistaram o prêmio de 2004 para
ONGs inovadoras concedido pelo Fundo de Inclusão Social do BID. As
outras duas organizações vencedoras foram a Apoyo para el Campesino-
Indígena del Oriente Boliviano e a Asociación Capital Humano da
Colômbia.
Desde sua criação em 1993, a Themis se empenhou na ampliação do
acesso das mulheres ao sistema de justiça mediante novos mecanismos
de defesa e promoção de seus direitos. Seu principal objetivo tem
sido treinar líderes comunitárias em subúrbios de baixa renda para
que se tornem promotoras legais populares. Até hoje, cerca de 1.700
mulheres por todo o Brasil passaram pelo programa, e várias ONGs no
Rio Grande do Sul e outros estados têm reproduzido o sucesso da
Themis.
A Themis se vale de três programas básicos para realizar sua missão.
Além de seu programa de formação de promotoras legais populares, o
grupo oferece aconselhamento jurídico a mulheres e administra um
Centro de Documentação, Estudos e Pesquisas. A Themis tem 41 sócias,
um conselho diretor composto de nove membros e 70 promotoras legais
voluntárias em comunidades de Porto Alegre, Canoas e Viamão, três
municípios do Rio Grande do Sul.
Em nível nacional, a Themis trabalha com o movimento feminista
brasileiro no sentido de propor e desenvolver políticas públicas
relativas a gênero e acesso ao sistema de justiça e criar uma
legislação que promova a igualdade de gênero. Desde o início, várias
agências internacionais – entre as quais a alemã GTZ, a Fundação
Ford, a UNDP, a UNIFEM e o BID – garantiram fundos operacionais para
a Themis.
O Prêmio Inovação, concedido pela primeira vez este ano, representa
uma iniciativa de reconhecimento dos esforços das organizações da
sociedade civil que trabalham com grupos latino-americanos e
caribenhos excluídos pela sociedade. O Fundo de Inclusão Social
recebeu 90 propostas e concedeu US$15.000 a cada uma das três
vencedoras para fortalecer suas iniciativas inovadoras.
O programa de educação intercultural patrocinado pela Apoyo Para el
Campesino-Indígena del Oriente Boliviano (ou APCOB) trabalha para
garantir a inserção de conteúdo intercultural nos currículos
escolares a fim de destacar o valor da cultura indígena, bem como
combater a discriminação e estereótipos relativos aos povos
indígenas. Em particular, a APCOB procura sensibilizar a opinião
pública mediante a produção de material em multimídia, CDs
interativos e atividades voltadas para estudantes. O grupo
desenvolve suas atividades em colaboração com organizações indígenas
no sentido de fornecer material com conteúdo étnico em todos os
níveis acadêmicos. O Ministério da Educação da Bolívia trabalha em
estreita associação com a APCOB na coordenação de políticas públicas.
Sociedad para Todos é uma estratégia da Asociación Capital Humano da
Colômbia destinada a propiciar a pessoas portadoras de deficiências
um acesso maior à informação sobre políticas que afetam suas vidas.
Desde 1999, essa ONG trabalhou com agências governamentais e não
governamentais para fazer do direito à informação uma parte
integrante das políticas públicas para os portadores de
deficiências. Esse programa conseguiu reunir jornalistas e
especialistas em comunicações para produzir e difundir boletins por
e-mail, bem como divulgar fóruns virtuais e concursos de jornalismo
que enfatizam a eliminação da imagem da deficiência como
uma “incapacidade”. A incorporação de um foco na igualdade e na
inclusão ajudou a criar uma rede de pessoas portadoras de
deficiências (e uma rede formada por suas famílias) dedicada a
melhorar seu direito de participar da definição de políticas
públicas.
O Fundo de Inclusão Social do BID foi criado em fevereiro de 2003
com o apoio do governo da Noruega e do Departamento de
Desenvolvimento Internacional do Reino Unido. O Fundo financia
iniciativas de pequena escala que promovem a inclusão social de
cinco grupos tradicionalmente excluídos da sociedade latino-
americana e caribenha: populações indígenas, afro-descendentes ,
pessoas portadoras de deficiências, pessoas com HIV/aids e mulheres
pobres. As três áreas principais do Fundo são: fortalecimento
organizacional e sensibilização do público, pesquisa e divulgação e
apoio nas operações do Banco.
***
Destravar os bancos
Um novo estudo do BID propõe aos governos latino-americanos a
criação de um clima favorável ao crédito
Na América Latina, “o crédito bancário continua escasso, caro e
extremamente volátil”.
Essa é a sóbria conclusão de um estudo minucioso sobre o sistema
bancário da região recentemente lançado pelo BID. O relatório,
intitulado Libertar o crédito: como aprofundar e estabilizar o
financiamento bancário, afirma que a América Latina e o Caribe devem
fortalecer e continuar reformando seus sistemas bancários para obter
taxas de crescimento macroeconômico mais altas, competitividade
comercial e estabilidade.
Os sistemas bancários na América Latina exercem um impacto
financeiro desproporcional como ferramentas de crédito e
investimento porque outros mercados de capital, tais como as bolsas
de valores, são relativamente pequenos, deixando aos investidores e
empreendedores poucas opções de acesso a financiamento fora do
sistema bancário.
“Em um contexto de poucas fontes de financiamento alternativas, o
desenvolvimento e a estabilidade do setor bancário são cruciais para
a obtenção de uma trajetória de crescimento econômico estável”,
acrescenta o estudo, que é a mais recente edição do Relatório de
Progresso Econômico e Social, publicado anualmente pelo BID.
Os setores bancários em outras regiões do mundo em desenvolvimento
fornecem muito mais crédito ao setor privado do que os da América
Latina, segundo o estudo. “Durante a década de 1990, o nível médio
de crédito concedido ao setor privado na região foi de apenas 28% do
PIB, uma taxa significativamente mais baixa do que a de outros
grupos de países em desenvolvimento, tais como Leste da Ásia e
Pacífico (72%) e o Oriente Médio e Norte da África (43%)”, assinala
o relatório. O crédito para o setor privado no Leste da Ásia cresceu
de uma média de 15% do PIB na década de 1960 para mais de 70% nos
dias de hoje, ao passo que nesse mesmo período o da América Latina
passou de 15% para 28%.
Para fortalecer os sistemas bancários da América Latina, o relatório
recomenda que os países tomem medidas para reduzir sua
vulnerabilidade a crises financeiras, aprimorem a regulação e a
supervisão, ampliem os direitos de propriedade – inclusive os
direitos dos credores e o uso efetivo de garantias para incentivar
maior concessão de crédito – e melhorem a disponibilidade de
informações financeiras, particularmente por meio de bureaux e
registros de crédito.
Uma rede mais forte de segurança financeira. Os sistemas bancários
da América Latina, além de pouco desenvolvidos, são os mais
vulneráveis do mundo a choques e crises recorrentes, segundo o
relatório.
“Comparada com outras regiões, a América Latina possui a média mais
elevada de crises por país. Além disso, ao classificar as regiões
pelo número de países que experimentaram duas ou mais crises, a
América Latina surge em primeiro lugar ¾ 35% de seus países já
passaram por crises recorrentes, uma incidência quase três vezes
maior do que a de todas as demais regiões”, afirma o estudo.
Além de políticas macroeconômicas que reduzirão a vulnerabilidade
a “paradas súbitas” nos fluxos internacionais de capital e à
volatilidade nos ciclos de crédito e taxas de câmbio, os países
latino-americanos também devem tomar medidas para lidar com
vulnerabilidades específicas, tais como a dolarização financeira, e
fortalecer a regulação e supervisão de seus sistemas bancários.
O relatório observa que sistemas bancários altamente dolarizados,
nos quais os bancos emprestam em moeda forte para investimentos
locais não comercializáveis, e uma alta concentração de dívida
pública na estrutura de ativos dos bancos foram as duas principais
vulnerabilidades dos sistemas bancários latino-americanos na década
de 1990.
Ao transferir os riscos de câmbio a setores não
comercializáveis, “um componente considerável de ativos bancários
ficou vulnerável a flutuações na taxa de câmbio real”.
Para criar uma rede de segurança financeira, o relatório propõe um
equilíbrio entre supervisão e regulação bancárias mais rigorosas e
disciplina de mercado por parte do setor privado. “Isso significa
que as regulações apropriadas podem reforçar o poder disciplinador
dos mercados e que os mercados podem reforçar o poder disciplinador
dos órgãos de supervisão”.
A despeito de muitas reformas realizadas em toda a região durante a
década de 1990, “o resultado óbvio é que uma regulação prudencial e
supervisão não são suficientemente estritas, e reformas adicionais
se tornam necessárias para melhorar a supervisão bancária”.
Contudo, num exame do acordo internacional de Basiléia II sobre
supervisão e regulamentação bancária, o estudo recomendou que os
países usem de cautela na adoção de seus princípios. Afirmou que o
acordo de Basiléia II “não pode ser facilmente implementado na
América Latina e no Caribe” e, antes de fazê-lo, os países devem
primeiro garantir “um cumprimento mais estrito dos princípios
básicos de supervisão e regulação”.
Direitos de propriedade mais fortes. O relatório afirma que os
mercados de crédito da América Latina, particularmente para pequenas
empresas, são inibidos por fragilidades nos direitos de propriedade
que dificultam, por exemplo, a execução de contratos de empréstimos
com garantias reais.
Os países desenvolvidos dispõem de direitos de propriedade mais
fortes e implementam contratos de empréstimo com mais eficácia do
que a América Latina, onde as leis “tendem a favorecer os devedores
no caso de disputas e tornam excessivamente dispendiosa para os
credores a recuperação de garantias em caso de inadimplência do
tomador do empréstimo”.
Além disso, a titulação e os registros de propriedade na
região “tendem a ser deficientes e mal administrados, o que
dificulta que os credores estabeleçam a prioridade e a primazia de
seus direitos”.
Um aperfeiçoamento dos registros de crédito e sistemas de informação
financeira da região pode reduzir os custos bancários e resultar em
mais crédito, porque permitirá “aos credores separar os bons dos
maus devedores antes de conceder o crédito”.
Em um capítulo à parte, o relatório também propõe que os países
latino-americanos e caribenhos adotem medidas para combater a
lavagem de dinheiro, problema que se tornou premente devido à
crescente preocupação mundial com o terrorismo e o tráfico de
drogas. Destaca ainda que, para ter sucesso, uma luta contra a
lavagem de dinheiro na região requer uma “visão ampla”,
porque “algumas das deficiências estruturais da região contribuem
para o êxito de atividades de lavagem de dinheiro; enquanto essas
deficiências não forem adequadamente solucionadas, medidas puramente
legislativas podem não ser suficientes”.