O projeto do MEC prevê prazo de cinco anos para tornar obrigatória a oferta da nova série. O período é considerado indispensável pela presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Maria do Pilar Lacerda, que é secretária de Educação de Belo Horizonte. “O ensino de nove anos é um ganho para o país. Mas nenhuma medida pode ser forçada de cima para baixo, sem uma transição que leve em conta as especificidades de cada município”, diz Maria do Pilar.
CRIANÇAS POBRES – A Constituição determina que o ensino fundamental é obrigatório. O que o MEC quer é alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que fixa a duração mínima de oito anos para alunos dos sete aos 14 anos. Embora favorável ao projeto do MEC, o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari, diz que a proposta poderá enfrentar resistências dos demais conselheiros.
“O assunto foi discutido pelo conselho no ano passado e o pensamento geral foi de que os sistemas de ensino deveriam ter autonomia para decidir”, lembra Callegari, que é também secretário de Educação no município de Taboão da Serra (SP) e adotou os nove anos nas escolas da cidade. O secretário de Educação Básica do ministério, Francisco das Chagas, diz que a ampliação vai beneficiar a população mais pobre, cujos filhos não têm acesso à educação infantil.
“Você já viu alguma criança de classe média fora da escola? Quem não freqüenta a pré-escola chega à primeira série, aos 7 anos, com um atraso enorme em relação aos demais”, diz Chagas.
BOA QUALIDADE – O relatório Educação para Todos 2005, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) mostra que a escolaridade compulsória na Argentina vai dos 5 aos 15 anos; no Uruguai, dos 6 aos 15; e no Paraguai, dos 6 aos 14, como quer o MEC no Brasil. Nos Estados Unidos, vai dos 6 aos 17 anos e no Reino Unido, dos 5 aos 16. “Aplaudo a intenção do MEC, que caminha em direção ao que outros países já fizeram há muito tempo. Mas o impacto só é realmente positivo se o ensino for de boa qualidade”, diz o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein.
A adoção do sistema caminha a passos largos. Em 2003, eram 11 mil escolas, número que saltou para 26 mil no ano passado, segundo a versão final do Censo Escolar do MEC. O Plano Nacional de Educação estipula que o ensino fundamental passe a ter nove anos à medida em que a oferta de oito seja universalizada.
MEC tenta obter mais recursos
Brasília – Ao mesmo tempo em que quer ampliar a duração do ensino fundamental, o MEC tenta articular novo sistema de financiamento para injetar mais recursos na educação básica – creches, pré-escola, ensino fundamental e médio. A iniciativa, porém, esbarra na rigidez fiscal da área econômica e não há consenso no governo em torno da proposta de emenda constitucional para criar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação).
O Fundeb será mais abrangente do que o atual Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que se limita a financiar o ensino fundamental. O MEC quer que o novo fundo repasse verbas também para a educação infantil e o ensino médio. E trava uma queda de braço com o Ministério da Fazenda para aumentar o aporte federal de recursos para estados e municípios, atingindo R$ 4,3 bilhões por ano.
Como ocorre no Fundef, o Fundeb será formado majoritariamente por recursos estaduais e municipais. No Fundef, a União entra com menos de 3% dos recursos, percentual que deverá subir para cerca de 8% no Fundeb. O problema é descobrir de onde virá o dinheiro. O governo não enviou a proposta do Fundeb ao Congresso. O novo fundo era bandeira do PT, quando o partido era oposição, e faz parte das promessas de campanha do presidente Lula.
Experiências bem-sucedidas
Alguns Estados brasileiros
já apresentam um histórico positivo no ensino fundamental:
# Minas Gerais – Foi o primeiro Estado a ampliar o ensino fundamental. Escolas estaduais de quase todos os 853 municípios adotam o novo sistema, além de escolas municipais de 646 municípios. Cem mil crianças foram incluídas ano passado, e 130 mil este ano, significando o acesso ao pré-escolar para crianças carentes. Meta é aperfeiçoar capacidade de leitura e expressão.
# Ceará – No Nordeste, o Estado é líder em número de matrículas de crianças com seis anos no ensino fundamental. Em 2004, 65.827 crianças com essa idade foram matriculadas na primeira série. Pesquisa do Unicef e UFC constatou que a classe de alfabetização era uma barreira para o ensino fundamental porque reprovava o aluno que não atingisse a média, provocando distorções idade-série. O início do ensino aos seis anos foi conseqüência dessa pesquisa.
# Curitiba – Crianças começam o ensino fundamental aos seis anos nas 167 escolas municipais desde 1999, exercitando a criatividade, comunicação, coordenação motora e concentração. Idéia é não adiantar fases do aprendizado, mas preparar os alunos para uma transição entre os programas da educação infantil e do ensino fundamental.
# Rio de Janeiro – O ensino fundamental nas escolas do Estado já dura nove anos, com 24 mil alunos matriculados nas chamadas classes de alfabetização. Em 1999, o ciclo de nove anos foi formalizado pelo Conselho Municipal de Educação. Hoje, a rede pública municipal atende, no ensino fundamental, a 598.390 alunos. Especialistas dizem que entrada da criança mais cedo na escola fortalece o processo educativo, e mães constatam que filhos aprendem mais rapidamente que os irmãos mais velhos, que entraram na escola aos sete anos.
# Brasília – Em 53 escolas públicas, a duração do ensino fundamental já é de nove anos. Crianças de cinco e seis anos têm as brincadeiras como parte do aprendizado, que vai além da alfabetização e inclui uma introdução à matemática. A meta é mudar as estatísticas de alunos que concluem o primário sem entender o que lêem.
# São Paulo – Embora seja o Estado mais rico do país, São Paulo ainda não pôs em prática o projeto. Nem mesmo a capital paulistana, que sozinha responde por 10,41% do PIB do país, adotou o sistema. Apenas 22 municípios paulistas do interior, mais pobres que a capital, adotaram um ano a mais, implantando a série inicial para crianças de 6 anos.
A TARDE