Representantes da Bahia e do Espírito Santo, que coordenam em seus estados o Projeto Corredor Central da Mata Atlântica, reuniram-se este mês em Salvador para discutir e elaborar as diretrizes para a segunda fase de execução do projeto Corredores Ecológicos. Participaram do encontro os secretários do Meio Ambiente da Bahia e Espírito Santo, Jorge Khoury e Glória Abaurre, a diretora geral do CRA, Lúcia Cardoso, o representante do Ministério do Meio Ambiente, Militão de Moraes Ricardo, e os técnicos Hans Aeppli e Alfred Schweitzer, do banco alemão KFW, que passará a ser o financiador do projeto.
Ao todo, foram realizadas duas reuniões: uma pela manhã, na sede regional do projeto, e outra à tarde, no Centro de Recursos Ambientais (CRA), órgão executor da iniciativa na Bahia. O objetivo do encontro dos representantes do KFW com os secretários foi assegurar o compromisso mútuo de preservar a área de Mata Atlântica compreendida no projeto.
Avaliando positivamente o encontro, Jorge Khoury disse que foi “um momento
importante, já que até agosto será definido o que será feito no projeto, e
de que forma, possibilitando à empresa financiadora definir sua
participação”, explicou.
Oitenta e cinco municípios baianos, das regiões Sul e Extremo Sul, e a
totalidade dos municípios capixabas, estão situados na área de abrangência
do projeto. No total, são 135 municípios e mais as áreas marinhas, até o
limite da plataforma continental. O trecho terrestre corresponde a uma área
de 85 mil quilômetros quadrados, na região que apresenta os dois maiores
recordes mundiais de diversidade de árvores por hectare. O Corredor Central
da Mata Atlântica é composto por fragmentos florestais e áreas naturais,
dentre eles ecossistemas terrestres e aquáticos, numa região que sofreu um
processo intenso de desmatamento ao longo dos séculos e, devido ao seu
grande valor biológico, foi reconhecida pela Unesco como Sítio do Patrimônio
Mundial Natural e Reserva da Biosfera.
Com o projeto dos Corredores Ecológicos, que integra o Programa Nacional de
Meio Ambiente (PNMA II), o Governo Federal, Estados e Municípios
compartilham a responsabilidade pela preservação da biodiversidade. O
projeto contempla também a atuação de ONGs, comunidades tradicionais,
agricultores e moradores do entorno das áreas protegidas.
Na primeira reunião foi feita uma avaliação das atividades desenvolvidas até
agora e traçadas diretrizes para a próxima etapa. Os coordenadores regionais
do projeto na Bahia, Sidrônio Bastos, e no Espírito Santo, Marcelo Mores,
fizeram uma exposição avaliando o andamento do projeto e formulando para a
etapa seguinte mecanismos para dotá-lo de mais participação qualitativa,
comunicação transparente e planejamento adaptável.
Recursos
O banco alemão KFW-Bankengruppe já confirmou o financiamento de R$ 80
milhões para projetos do programa federal Corredores Ecológicos, que
beneficiam a Bahia e, também, os estados do Amazonas e Espírito Santo. Só na
Bahia, 85 municípios das regiões Sul e Extremo Sul, onde existem
remanescentes de Mata Atlântica, serão beneficiados com ações voltadas para
o desenvolvimento sustentável, a serem coordenadas pelo Governo Estadual,
através da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh).
“Após uma fase de levantamento e diagnóstico das ações desenvolvidas e
projetos previstos no estado, o banco agora confirma a parceria,
compreendendo a importância da biodiversidade nessas regiões”, declarou o
diretor do escritório do KFW no Brasil, Alfred Schweitzer. Juntamente com
diretores alemães da instituição, ele participou de uma reunião com o
vice-governador (na época, em exercício), Eraldo Tinoco, para quem
oficializou a liberação de recursos para o Estado a partir de agosto.
Os diretores do KFW estiveram em Ilhéus, onde conheceram alguns projetos já
desenvolvidos pelo Governo Estadual. “É uma ação que interessa muito ao
Governo do Estado, que, preocupado com a questão do meio ambiente, vem
desenvolvendo todo um trabalho nessa área, já tendo, inclusive, instalado o
Centro de Recursos Ambientais (CRA)”, disse Tinoco.
Também secretário de Infra-Estrutura, ele citou o exemplo da construção da
estrada Ilhéus-Itacaré, projetada a partir de um conceito de preservação
ambiental. “É uma estrada citada, hoje, em várias publicações especializadas
como um exemplo de como se pode aliar o desenvolvimento com a preservação
ambiental”, ele afirmou, destacando que o compromisso assumido pelo KFW
também representa um fator importante no projeto de revitalização da lavoura
cacaueira. “O cacau é uma cultura que tem uma característica muito própria
de ser preservadora da cobertura vegetal e as ações estaduais de recuperação
da lavoura no sul do Estado coincidem agora com mais este projeto
ambiental”.
O financiamento do KFW vai atender a dois projetos: Corredor Ecológico
Central da Mata Atlântica, que atende à Bahia e ao Espírito Santo, e o
Corredor Ecológico Central do Estado da Amazônia, cobrindo a Floresta
Amazônica. O KFW já teve uma participação na primeira etapa de diagnóstico e
mobilização da sociedade dos municípios da região, a ser concluída até o
final de julho. Nesta fase, a maior parte dos recursos foi financiada pelo
Bando Mundial (Bird).
Na segunda etapa, a ser iniciada em agosto, o KFW assume o financiamento do
projeto. A instituição já financiou projetos de preservação ambiental também
no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.
Cacau e Mata Atlântica (inserção nossa)
Potencial da região não é totalmente aproveitado
Para o diretor do Iesb, Marcelo Araújo, o cacau tem o potencial de ajudar a
conservar a região como um todo, mas esse potencial não tem sido
aproveitado. “Temos atualmente um sistema que predomina na região e esse
sistema é ambientalmente melhor do que outros que existem por aí”, destaca.
Ele diz que o cacau em cabruca é melhor do que a pecuária e do que
eucalipto. No entanto, ressalva, o cacau, por si só, não basta para
conservação da terra. É preciso que sejam inseridos dentro da forma de
plantio e de cultivo determinados critérios ambientais. “Se o cacauicultor
faz dentro da sua propriedade a averbação da reserva legal e da demarcação,
vai dar um passo para tornar bem mais correto, sob o ponto de vista
ambiental, o seu sistema de produção”, garante.
Marcelo Araújo ressalta que é possível construir um consenso que contemple
os diversos interesses da sociedade e do governo em relação à questão
ambiental. “Sou desta região, assim também como toda minha família, e não é
de hoje que ouço falar em cacau. No entanto, quando é que a região vai
evoluir, realizar um planejamento, buscar metas em comum para assegurar a
conservação do nosso patrimônio ecológico?”, questiona. Ele diz, ainda, que
o projeto Corredores Ecológicos possui um comitê de gestão, que reúne
diversas representações, tanto da sociedade como do governo, a fim de se
obter uma proposta comum. “Enquanto cada um estiver buscando metas isoladas,
não conseguiremos dar um passo para a conservação da região”, salienta,
lembrando que existe aqui “um grande potencial para evoluirmos e termos um
sistema que seja realmente de desenvolvimento sustentável”, assinala.
O diretor do Iesb deixa bem claro, no entanto, que enquanto não houver um
entendimento entre os setores envolvidos na questão, o impasse permanecerá
ainda por muitos anos. “Para o tamanho do problema que temos aqui na região,
os recursos financeiros são insuficientes, por isso temos de usá-los da
forma mais racional e produtiva possível”, destaca. Outro ponto salientado
por ele é que existe hoje no mundo inteiro uma disputa muito grande por
verbas, principalmente agora que a cooperação internacional reduziu muito o
volume de dinheiro destinado ao Brasil, direcionando-o para a Ásia, depois
dos desastres das Tsunamis. “Quem apresenta a melhor proposta consegue
captar volumes maiores de recursos”, assegura.
Para Marcelo Araújo, “caso não haja um entendimento regional em relação ao
problema do meio ambiente, existe o risco de que o Sul da Bahia perca o
pouco que resta de floresta, e os recursos naturais, graças à degradação,
sejam extintos”. Ele prossegue, afirmando que “como existe uma disputa por
recursos financeiros em nível nacional e global, é preciso que tenhamos uma
representação política forte, capaz de defender realmente os nossos
interesses”, assinala.
Capacidade da pesquisa
Marcelo Araújo destaca que a região tem o privilégio de dispor de duas
instituições altamente capacitadas na área de pesquisa científica, uma
ferramenta “indispensável”, segundo ele, para o êxito do projeto. “Além
dessas entidades, temos também um quadro de organizações não-governamentais
que tem capacidade técnica de ajudar”, afirma o diretor do Iesb, lembrando
que, hoje, essas organizações não fazem só denúncias sobre agressões ao meio
ambiente, mas estão assumindo um compromisso com o desenvolvimento rural
sustentável e desenvolvem ações efetivas para viabilizá-lo. Ele assinala,
também, que diversos mecanismos econômicos têm sido desenvolvidos para
apoiar atividades ambientalmente corretas. Um desses instrumentos, adotados,
inclusive, em diversos estados, exceto na Bahia, é o ICMS Ecológico.
“Este tipo de ICMS é, na verdade, uma nova forma de distribuir os recursos
financeiros, levando em consideração os critérios sociais e ambientais de
cada região”, ele destaca, exemplificando: “A nossa região tem muitas
florestas, muito mais do que outras regiões do Estado, e poderia ser
beneficiada, caso esse ICMS fosse aprovado pelo Governo Estadual”, ele
salienta, destacando que os municípios de Ilhéus e Una são os que possuem
mais florestas remanescentes em toda a Bahia e não recebem nenhum tipo de
compensação por isso. “O imposto poderia proteger áreas que têm unidades de
conservação, bem como os municípios que adotam uma política ambiental e
social mais adequada do que outros”, avalia. Ainda de acordo com Marcelo
Araújo, a região só não dispõe do ICMS Ecológico por falta de articulação
política. “O que falta é pressão política para que a proposta vá para
votação na Assembléia Legislativa e seja aprovada, o que é lamentável,
porque seria um mecanismo de excepcional valor para o fomento do nosso
desenvolvimento rural sustentável”, garante.
Ceplac tem novo foco de atuação, diz dirigente
Segundo Elieser Corrêia, que chefia o Centro de Extensão da Ceplac, a meta
da instituição é agora garantir o desenvolvimento auto-sustentável
“Nós temos dois pontos a ponderar: um é o papel institucional da Ceplac, que
é o de promover o desenvolvimento rural sustentável das regiões produtoras
de cacau. Outro é que a instituição tem como meta o desenvolvimento da
agropecuária regional, com ênfase na pesquisa, extensão rural, ensino e
desenvolvimento. Portanto, trabalha com os agrossistemas e não com
ecossistemas”. A afirmativa é do chefe do Centro de Extensão Rural da Ceplac
(Cenex), Elieser Corrêia, que ressalta ser a agricultura uma atividade que
provoca a alteração do meio ambiente, com reflexos sobre a floresta, o solo,
o vento e a própria biodiversidade.
“Trabalhar com os agrossistemas, visando garantir a auto-sustentação do
homem sob o ponto de vista econômico e social, mesmo atentando para a
conservação ambiental, difere um pouco da filosofia do Ministério do Meio
Ambiente, cuja atribuição fundamental é trabalhar na conservação e
preservação ambiental”, esclarece Elieser, destacando que, nos dois últimos
anos, a Ceplac vem modificando o seu foco de atuação, abrindo mão de uma
função produtivista e até reducionista da agricultura e passando a trabalhar
com um enfoque de agricultura sustentável.
De acordo com Elieser, desde o ano passado foi definida uma função para a
Ceplac que não é mais só de atender a um monocultivo, mas de pensar o
desenvolvimento rural sustentável das regiões produtoras de cacau no Brasil.
“Nós trabalhamos com dois biomas de extrema relevância sob o ponto de vista
de conservação no mundo inteiro, a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica”,
assinala o dirigente da Ceplac. Ele destaca que o Sul da Bahia e o Norte do
Espírito Santo são regiões onde se encontram as maiores riquezas da
biodiversidade em áreas já estudadas no Brasil. Portanto, ele afirma, a
cacauicultura foi muito importante para a conservação dessa biodiversidade,
porque foi capaz de minimizar os impactos ambientais que normalmente ocorrem
em função de qualquer exploração agrícola.
“Se nessas áreas fosse desenvolvida outra atividade produtiva, como pecuária
extensiva, cana-de-açúcar ou produção de alimentos, certamente a realidade
seria outra”, ressalta. Outro aspecto fundamental da questão, segundo
Elieser Corrêia, é manter os recursos naturais ainda conservados, sobretudo
o solo, a água, correntes de vento e florestas. “Nós já temos quase 3
milhões de hectares de pecuária extensiva na região, mais de 1 milhão de
hectares com eucalipto, e o que se pode observar é que a biodiversidade é
praticamente zero nessas áreas, tanto de fauna como de flora”, garante.
Já com o cacau, prossegue Elieser, o agrossistema cabruca manteve boa parte
da diversidade. “Em estudos recentes da pesquisadora Déborah Faria, da Uesc,
a respeito do impacto do cacau no meio ambiente, ficou evidente que foram os
sistemas originais do plantio do cacau que mantiveram uma grande quantidade
de animais e de espécies nativas da Mata Atlântica, espécies estas que
poderiam ter sido extintas, caso existisse ali outro tipo de cultivo”,
afirma Elieser, lembrando que as cabrucas funcionam como “corredores de
biodiversidades”, sobretudo em áreas que possuem fragmentos de florestas
muito próximos.
Ainda de acordo com Elieser, existe uma perspectiva positiva desse
agrossistema (cacau e sistemas florestais) para a manutenção de recursos
naturais importantes. “Não digo que o agrossistema é responsável pela
conservação integral da biodiversidade e sim pela inibição da redução da
biodiversidade”, ressalva. O papel da Ceplac tem sido, então, avançar com
novas perspectivas e arranjos produtivos. “Estamos atuando em sistemas
agroflorestais a serem implantados em áreas degradadas, promovendo a
expansão de cultivos potencialmente rentáveis, como as frutas, e fazendo
diversos arranjos, como cacau e seringueira, cacau e palmito, açaí, coco,
cupuaçu e cajá”, ele garante.
Elieser enfatiza, também, que a Ceplac desenvolve um projeto voltado para
sistemas agroflorestais na Estação Experimental de Santo Amaro, sob a
responsabilidade do pesquisador Manfred Müller. Além dele, outros
profissionais estão envolvidos no projeto, muito bem aceito, aliás, pelo
Ministério da Agricultura. “O que está se fazendo agora é a definição destes
sistemas de produção e dos arranjos de acordo com a espécie de vocação para
cada agrossistema, de forma que se possa trabalhar como forma de
financiamento para o produtor”, esclarece Elieser.
Herbário
O chefe do Cenex lembra que o Herbário mantido pela Ceplac é um dos mais
importantes do mundo, com mais de 100 mil espécies florestais catalogadas.
“Sob o ponto de vista tecnológico e de zoneamento, conhecimento do clima e
das espécies, já possuímos um acervo suficiente para implementar o
programa”, ele destaca, lembrando que a Ceplac tem participado dos estudos
sobre os corredores ecológicos há mais de quatro anos, com representação,
inclusive, no Sub Comitê da Reserva da Biosfera na Mata Atlântica, um fórum
que trata da questão ambiental.
Ainda de acordo com Elieser, a instituição também tem fornecido informações
do seu banco de dados, visando colaborar na discussão sobre a criação de
programas sustentáveis da agricultura. Ele destaca também a participação da
instituição em programas executados no Parque do Conduru, nas Apas da Lagoa
Encantada e em Itacaré, assim como programas de bacias do Cachoeira e
Almada. “O estabelecimento de parcerias com entidades que trabalham com
corredores ecológicos no baixo sul e outras que atuam na região de Camamu,
tem merecido atenção da Ceplac”, ele afirma, destacando que a Baía de
Camamu, em função da pesca predatória e da necessidade de preservação dos
estuários, ameaçados com a exploração de gás natural que ali acontece agora,
também são motivos de preocupação.
A produção certificada foi outro ponto citado por Elieser Corrêia, que
informa ter a Ceplac três grupos trabalhando com esse tipo de atividade,
capaz de diminuir o impacto ambiental. Essa diminuição, segundo ele, pode
ser obtida ao se deixar de aplicar os pacotes tecnológicos com grande uso de
insumos externos, sobretudo de agroquímicos. “É o que estamos fazendo em
parceria com a Cabruca e o Iesb, num sistema de produção coordenado
inicialmente por essas organizações, mas que a Ceplac já participa com
suporte tecnológico”, salienta. Ainda de acordo com Elieser, a instituição
também atua em conjunto com a Barry Calebaut, que reúne grande de número de
produtores certificados em produção orgânica, e com os assentamentos de
reforma agrária, além de algumas ONGs e o próprio Incra, que, segundo ele,
tem interesse que os assentamentos disponham de um sistema de produção de
menor custo, com utilização maior de mão-de-obra e dos recursos naturais da
propriedade.
“Quando se afirma que Ceplac, ao estimular sistemas de exploração de cacau
em cabruca, contribuiu para a conservação ambiental, não se diz uma
heresia”, destaca Elieser, explicando que, nesse caso, está-se falando de
agrossistemas que estão sendo explorados economicamente e “ninguém plantou
cacau para conservar a floresta e sim para ter rendimento econômico”. O
dirigente da Ceplac, enfatiza que o produtor adotou a cabruca não por uma
suposta consciência conservacionista, mas porque esse sistema tinha um custo
muito menor. Além disso, ele prossegue, o agricultor tinha a percepção de
ser o cacau uma planta que necessita de muita sombra para manter uma boa
produção.
Elieser admite que a Ceplac, com o processo de modernização da agricultura,
procurou aumentar essa produção e que, com isso, contribuiu para reduzir
mais a biodiversidade, principalmente a partir dos anos 60, quando estimulou
a aplicação intensiva de produtos químicos e derruba total. Hoje, porém, a
instituição trabalha para que os sistemas originais sejam mantidos,
introduzindo tecnologias que não exijam a derrubada de florestas e sim a
utilização dessas florestas como um recurso natural que pode ser bom para
conservar a biodiversidade e para garantir a sobrevivência do homem.
Isso, segundo Elieser, pode ser feito com a exploração ou não da madeira, em
atividades agropecuárias ou em serviços florestais, mantendo-se o cultivo do
cacau em sistema de cabruca, inclusive para o turismo científico e
ecológico, uma variável que tem sido pouco explorada. “Já está comprovado
que se tivermos a capacidade de alterar o paradigma de produção convencional
para sistemas de produção orgânica e biodinâmica, capazes de valorizar os
sistemas naturais sem a necessidade de trazer recursos de fora, haverá o
aumento ou a conservação da biodiversidade já existente”, ele afirma,
destacando que esta é uma perspectiva que a Ceplac está trabalhando
diligentemente. “Queremos conscientizar os produtores rurais para a
importância de reduzir ao máximo a dependência de insumos externos e ter
sempre o cuidado de não aplicar agroquímicos, pois, além de prejudiciais
para o homem, eles afetam também o meio ambiente”, assinala Elieser,
apontando para o esforço que deve ser desenvolvido a fim de que sejam
implementadas das tecnologias centradas na produção de compostos orgânicos,
caldas biológicas, extratos de plantas e manejos diferenciados de solo.
Alternativas
Segundo Elieser Corrêia, existem várias alternativas para que o meio
ambiente seja defendido. “Sabe-se hoje que as áreas de cacau, de cabruca ou
não, têm uma alta capacidade de produção de matéria orgânica com
serrapilheira, seja do cacau ou do sub-bosque que cobre as plantações, e
isso permite uma boa conservação do solo e de microorganismo existentes
nele”, lembra Elieser, destacando que, desse modo, a biodiversidade do solo
continua preservada, dependendo do sistema de produção adotado. Ele
exemplifica que, no caso da cabruca, o número de plantas por hectare, o
porta-enxerto mais adequado, a cobertura mais eficiente e uma série de
outras variáveis podem ser determinantes para a conservação da
biodiversidade. “A identificação de todos esses fatores e como eles podem
interagir no meio ambiente têm merecido a atenção da Ceplac, que não pode
simplesmente elaborar uma cartilha rígida e sim utilizar o bom senso ao
fazer as recomendações técnicas, pois temos agrossistemas diferentes,
cultivo em áreas diferenciadas de clima e solo e tudo isso deve ser levado
em consideração”, esclarece.
O chefe do Cenex destaca, ainda, que os recursos financeiros para os
programas de desenvolvimento rural sustentado são do orçamento fiscal do
Governo Federal, o que vem determinando algumas dificuldades temporárias em
função do contingenciamento de verbas, mas este, segundo ele, é um obstáculo
que logo será superado. “Os programas de conservação, sobretudo o projeto
dos corredores ecológicos, estão recorrendo a recursos financeiros gerados
por organizações internacionais, com a participação do Banco Mundial e do
Fundo Mundial para a Biodiversidade, com contrapartida do Ministério do Meio
Ambiente”, ele ressalta, destacando que esse fato já foi tema de reunião do
Comitê da Reserva, com a participação, inclusive, do deputado Josias Gomes,
que abriu uma discussão junto ao Ministério do Meio Ambiente para que sejam
liberados os recursos necessários. “Dos cerca de R$ 1,5 milhão previsto, até
agora foram liberados somente cerca de R$ 120 mil, menos de 10%, portanto”,
informa Elieser.
Para CNPC, a cabruca é modelo na agricultura
Wallace Setenta afirma que o cacau cabruca é um modelo de exploração já
consagrado porque associa produção e conservação ambiental
Para o presidente da CNPC, Wallace Setenta, a tese defendida pela professora
Deborah Faria em entrevista publicada recentemente pelo Caderno Agora Rural
evidencia “uma visão segmentada da questão ambiental e da suposta
contribuição do cacau cabruca para o desmatamento”. Ele diz que “quando a
professora fala de áreas em Gandu que têm oito árvores por hectare e rotula
de cabruca como uma prática danosa ao meio ambiente, demonstra
desconhecimento da soma de plantios realizados ao longo de todos esses anos
na Região Cacaueira”.
Segundo Wallace, quando se vê a cabruca isoladamente, até que a professora
pode ter razão em seu ponto de vista. Mas quando se leva em consideração que
a cabruca está inserida num contexto maior, ou seja, encontra-se circundada
por áreas de mata, onde existe uma troca relativa entre a mata e a cabruca,
aí, então, vê-se que a realidade é outra. “Esse método de plantio é, hoje,
um modelo que o mundo inteiro busca imitar na prática da agricultura”,
acentua Wallace, afirmando que se esse método sobrevive há 50 anos, com
êxito total, é porque associa produção e conservação.
O presidente da CNPC destaca que “desde que o homem começou a exercitar a
sua inteligência, passou a intervir na natureza e isso causa impacto,
evidentemente”. Com a cabruca, ele destaca, não poderia ser diferente, mas o
fato é que ela representa a melhor alternativa conhecida para a floresta
tropical úmida. Wallace diz, ainda, que o projeto Corredores Ecológicos
representa a melhor contribuição para a conservação e preservação do meio
ambiente nas regiões produtoras de cacau, pois aqui existem os maiores
remanescentes de Mata Atlântica do Sul da Bahia. “Na nossa região temos,
compondo um mosaico, a floresta, o cacau cabruca, a capoeira e outros
sistemas importantes, que devem ser conservados”, enfatiza, lembrando também
que a cabruca já não é mais um método de cultivo adotado apenas para o
cacau, mas é utilizado na formação de pastos, nos plantios de dendê, de
coco, podendo ser utilizados em vários outros tipos de exploração agrícola.
Visão do produtor é conservacionista
Wallace Setenta sustenta que os produtores não querem avançar sobre os
remanescentes de Mata Atlântica. Pelo contrário, ele explica: “Os produtores
querem preservar os remanescentes e, para isso, pretendem recuperar áreas de
cabrucas, recabrucar as áreas de derruba total, especialmente aquelas de
alto risco, nas áreas de conservação permanente, de alta declividade e de
matas ciliares”.
Para que essas mudanças sejam possíveis, ele acredita, é preciso haver um
pacto de unidade entre os vários segmentos da cadeia produtiva do cacau,
Ceplac e Uesc. “A Ceplac tem que reavaliar a sua visão do que é
produtividade hoje, pois não pode se prender mais a ganhos monetários,
porque produtividade não é hoje apenas um conceito de economia, é físico e
de espaço”, salienta. Quanto à Uesc, Wallace também defende uma reavaliação
dos conceitos concernentes à pesquisa, atualizando-os à nova realidade
regional e convencendo o governo do caráter de emergência dessa medida.
Para o presidente da CNPC, será muito mais conveniente para todos se o
governo for convencido a promover um programa de recuperação do cacau
comprometido com a conservação do meio ambiente, pois não existe nenhum
programa de recuperação econômica de crédito oficial brasileiro com esses
termos, postos pelos clientes. “Nós temos dito ao governo que queremos criar
um programa novo, com uma visão conservacionista, e o governo ainda não
entendeu isso, continuando a bater na tecla de que o caminho da produção e
produtividade é o que é eficiente”, destaca, levantando a possibilidade de
que isto ocorra talvez porque é o que manda o manual de crédito, conforme o
Acordo de Basiléia. “Mas isso tem que ser revisto” garante.
Wallace entende que os produtores têm que aceitar as regras para o
financiamento, como a produtividade acima de 150 arrobas por hectare, mas
questiona: “E as águas? E a conservação dos remanescentes aqüíferos? E a
conservação da flora e fauna? E o bem-estar? E as mudanças climáticas e o
seqüestro de carbono e os corredores ecológicos, ficam onde?”.
Faltou criatividade ao Governo Federal
Na avaliação do presidente da CNPC, o projeto de Corredores Ecológicos
poderia estar bem mais avançado, pois o governo se dispôs a aplicar na
cacauicultura, através do Programa de Recuperação, R$ 340 milhões, que seria
a contrapartida a qualquer projeto de financiamento internacional. Se o
governo aplica no cacau R$ 340 milhões e se esse programa tem uma visão
diferenciada, ou seja, de recabrucar a área, recuperar as áreas de derruba
total, áreas com densidades menores do que 25 a 30 árvores por hectare, e
mostra esse projeto internacionalmente com 300 mil hectares, aumentando a
densidade de espécies da Mata Atlântica com algo em torno de 20 milhões
essências nativas, ainda com a possibilidade de recuperar os 150 mil
hectares de cacau perdido, estaríamos oferecendo ao mundo um projeto com uma
contrapartida de R$ 340 milhões, mais que o dobro do exigido.
Para Wallace, “essa é uma questão de entendimento burocrático do governo e
não conseguimos criar uma afinidade entre os ministérios do Meio Ambiente e
o da Agricultura, pois a burocracia não se entende”. Ele avalia que existem
perspectivas de mudanças, após a criação da Câmara Setorial do Cacau, mas
isso precisa ser deixado bem claro para as esferas governamentais. “Acredito
que o argumento da renegociação é muito mais por esse caminho ambiental, do
compromisso do produtor de cacau com o meio ambiente, do que pelo caminho da
produtividade, já que as crises são freqüentes, como ciclos de preços, de
clima e de doenças”, destaca. Ele ainda defende uma eqüidade de crédito para
grandes, médios e pequenos produtores, reduzindo as disparidades.
O que ficou de bom para a cacauicultura depois dessa matéria publicada sobre
a cabruca, ele acredita, foi a retomada da discussão para se produzir um
cacau diferenciado, porque a cabruca permite ter a Ceplac como a grande
certificadora da Região Cacaueira, o que pode resultar na obtenção de preços
melhores. “O que não pode mais continuar acontecendo é sermos produtores de
amêndoas e ficar discutindo se conservamos ou se agredimos a Mata
Atlântica”, ele diz, defendendo a formação de uma equipe multidisciplinar da
Uesc para discutir a questão ambiental.
Cabruca e Procacau dois modelos distintos
“Se conseguimos manter nossa paisagem agrícola com esse método, vamos
conseguir também formar uma grande área com corredores ecológicos ideais
para a sobrevivência tanto de espécies animais como vegetais”, ele diz,
assegurando que essa prática poderá contribuir, inclusive, para recompor até
áreas de derruba total. Outro ponto destacado por Wallace é que o Pacto do
Cacau defende para a cacauicultura uma postura inversa do que a adotada
antes, compatibilizando a retomada da atividade com a cabruca. “Se no
Procacau foi recomendada a derruba total como prioridade, agora, no Programa
de Recuperação da Lavoura Cacaueira, usaríamos o cacau cabruca como modelo”,
afirma. Para Wallace, as áreas de plantio deveriam ter, no mínimo, 45
árvores por hectare. Nas áreas de conservação permanente, como encostas e
matas ciliares, deveria haver obrigatoriamente uma densidade de cacau acima
de 80 árvores por hectare, que é a cabruca densa. Este, segundo o presidente
da CNPC, seria o encaminhamento mais correto para a questão, descartando-se
o adensamento de 1.111 plantas de cacau por hectare em função de uma suposta
produtividade.
No entendimento de Wallace, os plantios deveriam ter algo em torno de 700
pés de cacau por hectare, com uma produtividade de cerca de 50 arrobas por
hectare, que é uma média histórica da Região Cacaueira. Associada a esse
modelo, segundo ele, deveria haver uma compatibilização com os interesses
ambientais. “Essa é a base de argumento para negociação em todos os níveis:
produzir cacau orgânico, construir um modelo de sistema agroflorestal
comprovadamente eficiente e implantar um contexto com essa concepção de
moderna cacauicultura”, afirma, fazendo, no entanto, uma ressalva. “Para
fazer isso, não poderíamos ter os extremos: nem a Ceplac pregando 1.111
plantas de cacau por hectare ou a manutenção da floresta sem exploração
econômica”, ele diz, defendendo o que classifica de “sintonia com o que
pensa o mundo inteiro”, visando, justamente, a obtenção de uma qualidade de
vida melhor.
Na visão do presidente da CNPC, a construção do modelo que propõe seria um
avanço. “Quando a Ceplac reformular essa concepção de 1.111 plantas por
hectare, que é uma recomendação do programa anterior e que não funciona
mais, e adotar o sistema moderno de agricultura em ecossistema de florestas
tropicais úmidas, afastaremos definitivamente a ameaça de degradação”, ele
afirma, fazendo o seguinte questionamento: “Porque iríamos degradar as
nossas florestas se temos métodos compatíveis de exploração?”.
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