Essa relação mostra a convergência de dois problemas: a necessidade de expansão da oferta desse tipo de curso, cujo principal objetivo é formar o aluno para atuar no mercado de trabalho, e a falta de mão-de-obra qualificada para ingressar imediatamente em vagas disponíveis.
“Falta gente preparada. A oferta tanto de tecnólogos [formação superior em cursos de tecnologia] como de técnicos [formação ne nível médio] é menor do que a demanda, o que acaba colocando gente desqualificada e sem formação adequada nas vagas”, diz Carlos Roberto Rocha Cavalcante, 43, superintendente do IEL (Instituto Euvaldo Lodi), instituição da CNI (Confederação Nacional da Indústria) que tem como função fazer a ponte entre a indústria e a área educacional.
Segundo Cavalcante, os problemas com a falta de mão-de-obra para atender às necessidades do setor produtivo ganham proporções ainda maiores em alguns casos. “Muitas vezes a empresa acaba tendo que gastar com o treinamento interno do novo funcionário. Porém, esse treinamento não tem diploma, não é formalmente reconhecido. Fora dessa primeira empresa, no mercado de trabalho, esses funcionários simplesmente não são oficialmente qualificados”, diz ele, qualificando o que acontece como “desperdício de energia”.
Expansão
“Mas esse crescimento [do número de vagas] não se consegue de uma hora para outra. Não pode ser um trabalho só da rede federal porque trata-se de uma expansão muito grande, com gastos imensos”, afirma Ibañez. Na opinião dele, para a expansão dar certo, é preciso ocorrer uma parceria entre rede federal, Estados e ONGs (organizações não governamentais).
“Os custos com infra-estrutura, para aumentar o número de salas, contratar professores, e gastar em pesquisas para saber quais cursos abrir, são grandes. Por isso é fundamental que, para satisfazer alunos e empresas, todos os setores que ofertam o ensino técnico e tecnológico cresçam: o público, o privado, o comunitário e o sistema S [formado por Sesi, Sebrae e Senai, entre outros]”, explica Ibañez.
O problema maior é justamente esse investimento inicial para abrir um curso: ter professores especializados, máquinas de alta tecnologia, material específico para cada área. Depois de montada a infra-estrutura, o custo de um aluno no ensino técnico e médio regular se iguala. Em São Paulo, Estado do país com o maior número de alunos na educação profissionalizante, um aluno do ensino técnico custa R$ 1.576 por ano, contra custo de R$ 1.500 das aulas regulares.
No contexto disso, Ibañez diz que existe um outro problema, mas que “já esta sendo resolvido”. É a existência de uma lei que limita os gastos com a educação nos Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica), entidades que além do ensino tecnológico, também ofertam ensino técnico. “Enviamos um PL [projeto de lei] para alterar esta medida. O texto foi aprovado na Comissão de Educação e agora está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)”, explica Ibañez.
Unificação
Justamente porque a maior parte dos alunos de cursos técnicos (58%) está na rede particular, um dos caminhos para aumentar a oferta de vagas é, segundo Ibañez, a reunificação do ensino médio e do ensino técnico –separado em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Segundo decreto publicado em julho do ano passado, a partir deste ano os alunos já podem cursar o ensino médio junto com disciplinas do ensino técnico.
Antes, pela lei, se os jovens quisessem ter uma formação profissional, eles tinham que, por exemplo, cursar o ensino médio de manhã e um curso técnico, à tarde ou à noite, muitas vezes em escolas diferentes. Ou então, tinham que concluir o ensino médio e obter o diploma para só depois ingressar em um processo de profissionalização.
O decreto também permite que as escolas tenham autonomia para unificar a grade curricular e até aumentar o tempo de estudos. Assim, em vez de estudar três anos e ter a formação tradicional, o aluno poderá estudar o mesmo período e sair com um diploma técnico. No programa, algumas disciplinas seriam criadas e outras diminuídas ou substituídas, por exemplo.
Rede pública
No âmbito público, uma das formas para alargar a curto prazo a oferta de vagas é aumentando o número de parcerias e cooperação técnica. Uma instituição educacional comunitária pode se juntar com uma empresa, por exemplo, e criar um curso técnico.
“Enquanto a escola oferece os professores e o conteúdo pedagógico, uma empresa parceira pode financiar estágios ou custear bolsas. O governo entra com recursos do Proep [Programa de Expansão da Educação Profissional] para comprar maquinários e outros equipamentos. Então, a administração da escola é obrigada a ter 50% das vagas gratuitas”, explica o secretário.
Apesar do status das vagas ser privado, se destacam na oferta de cursos gratuitos as entidades do chamado Sistema S, que inclui Senai e Sesi, entre outros. Nessas instituições, a gratuidade existe porque os programas de ensino técnico são financiados pelas empresas ligadas à CNI (Confederação Nacional da Indústria), obrigadas a contribuir com um percentual de seu lucro.
Em São Paulo, por exemplo, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) oferece, ao todo, 3.340 vagas distribuídas em 34 cursos técnicos. Apesar da importância que tem, o número se perde diante do universo de alunos da rede privada no Estado de São Paulo: 173.863.
Maioria dos alunos do ensino tecnológico está na rede pública
O ensino tecnológico, que é um ensino profissionalizante com status de graduação, também é um ponto problemático no que diz respeito à expansão. No último ano, os Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) conseguiram autonomia para abrir novos cursos e criar mais vagas. Mais uma vez, porém, o entrave é a falta de recursos do governo federal para tal ação.
O Brasil possui 34 Cefets, em 22 Estados. Ainda não têm Cefets os Estados do Acre, Amapá, Rondônia, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal. A rede federal de ensino tecnológico reúne, segundo dados do Inep (Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), cerca de 34 mil alunos, mais da metade do total de 60 mil estudantes que cursam o ensino superior profissionalizante no país.
No âmbito estadual, um dos destaques na formação de tecnólogos são as Fatecs (Faculdades de Tecnologia). Mais uma vez, a procura (em média, são 32 mil candidatos inscritos por ano) é muito maior que a oferta (são oferecias cerca de 3.000 vagas anualmente).
Ainda de acordo com o Inep, é importante destacar uma tendência inversa à do ensino técnico: apesar de a maioria das vagas serem ofertadas pelo ensino privado (63,76%), há mais alunos freqüentando cursos tecnológicos na rede pública. Enquanto no primeiro setor foram registradas, em 2003, 12.970 novas matrículas, nos cursos públicos o universo foi de 14.325 matrículas.
Soma-se a isso o fato de sobrar quase metade das vagas (ao todo, são 25 mil) ofertadas pela rede privada –na outra ponta, as públicas são totalmente preenchidas. Isso acontece porque cursos tecnológicos, apesar de serem mais curtos (em médias de dois a três anos), são caros para os alunos.
Modelo
Para Carlos Roberto Rocha Cavalcante, 43, superintendente do IEL (Instituto Euvaldo Lodi), instituição da CNI (Confederação Nacional da Indústria), um dos meios para expandir a formação de tecnólogos na rede pública é criar parcerias, principalmente que atendam às demandas regionais.
“Na Alemanha e EUA o perfil da educação tecnológica é completamente diferente. Nesses países há uma grande oferta de cursos de curta duração, voltados para as necessidades da comunidade nas quais estão inseridas”, diz Cavalcante. Assim, se em Minas, por exemplo, o forte é a mineração, os cursos devem ser criados em parceria com empresas que trabalhem com mineração.
“As escolas na Alemanha estão construídas dentro das próprias fábricas. Um semestre ou mais do curso ocorre lá dentro, as aulas práticas no dia-a-dia de uma indústria fazem parte da grade curricular. Isso forma um profissional qualificado para atuar no mercado já quando sai do ensino superior”, afirma Cavalcante.
Na opinião dele, apesar do diálogo entre empresa e escola existir, ainda tem muito o que avançar.
Reforma universitária
Ao falar sobre a falta de políticas para o crescimento do setor, Cavalcante menciona o fato de o ensino tecnológico não ter sido sequer citado no projeto de reforma do ensino superior feito pelo MEC, o qual vem sendo chamado de reforma universitária. A única menção feita pelo texto refere-se à criação de “Universidades Tecnológicas”, mas sem detalhamento.
Assim como fizeram outras entidades, a CNI também apresentou suas sugestões ao texto. Entre elas estão a proposta de criação de mestrados profissionais, em que pessoas trabalhariam para criar projetos que atendessem diretamente às necessidades das empresas, e a discussão do uso do ensino a distância (EAD).
“Faltou clareza com relação à interação entre universidades e as empresas, no nosso caso as indústrias. Não foi sequer mencionado como pode ser feita a formação dos alunos para encaixá-los no setor produtivo”, diz Cavalcante.
CAMILA MARQUES
Folha Online