Quando não guerreavam com outros grupos, os tupinambás gladiavam entre si, por diversas desavenças. Brigas por espaço, por comida e até para manter o controle demográfico. Para o sociólogo Florestan Fernandes, a guerra entre os tupinambás tinha mesmo uma função social. Uma confusão que hoje pode parecer tola teria originado uma história de ódio entre duas tribos rivais, e acabaria sendo responsável pela povoação de Itaparica e outras ilhas ao redor. Conta o cronista Gabriel Soares de Souza, português radicado na Ilha, em seu Notícias do Brasil, publicado em 1587, que um índio tomou uma jovem tupinambá de seu pai sem o consentimento do velho murubixaba (chefe). Indignado, o pai da indiazinha passou para a Ilha de Itaparica com seus parentes e amigos de outras aldeias, enfrentando os temíveis upupiaras, monstros marinhos que na lenda tupinambá habitavam as águas calmas da Kirimuré-Paraguaçu. E depois de chegar ao outro lado fizeram frente aos índios da cidade, em episódios de primitivas batalhas navais. “E ainda hoje em dia há memória de uma ilheta, que se chama a do Medo, por se esconderem atrás dela; onde faziam ciladas uns aos outros com canoas, em que se matavam cada dia muitos deles”, relatou o cronista lusitano, se referindo a uma famosa ilha da baía. Depois de destruir uma das aldeias da tribo, os inimigos abriam as covas e destruíam suas caveiras para que a vingança fosse completa.
E as desavenças entre os belicosos tupinambás não paravam por aí. Aqueles que viviam na costa de Salvador não se davam com os do sertão e ambos, por sua vez, lutavam até a morte contra os que perambulavam no litoral norte. Terminada uma das batalhas o ritual era sempre o mesmo: os vencedores escravizavam os mais fracos, e os corajosos viravam a refeição principal da festa de comemoração da vitória. Para os europeus, maior sinal de barbárie não havia do que os rituais antropofágicos dos índios tupinambás.
E quando os discípulos de Cabral aportaram nos domínios tupinambás, foram recebidos com sua cordial saudação: “Ereiupe?”, que significa: “Vieste?”. Esta, por sua vez, deveria ser respondida com um: “Pá, aju”, que quer dizer: “Pois não, vim”. Mas apesar da simpatia aparente, o fato é que eles não gostavam dos portugueses. Preferiam os franceses, que queriam apenas negociar o pau-brasil e não vinham para ficar e ocupar suas terras. Se davam com os padres jesuítas, presentes desde a fundação da cidade do Salvador, em 1549. Os tupinambás enxergavam a boa intenção daqueles que chamavam de abaré – que significa homem diferente -, pelo fato de não “gostarem” de mulheres. Com os jesuítas, os nativos viveram por muitos anos em aldeamentos destinados à catequese, onde estavam protegidos da fúria dos colonos, mas não das doenças por eles trazidas, que dizimou milhares de índios indefesos diante das pestes européias. Foi o começo do fim. O final de uma história que ainda reservaria episódios de massacres, traições e escravidão, que jamais seriam tolerados pelos nativos, que resistiram até onde puderam. Depois, fugiram, mas sem nunca se render. Por serem tão belicosos, os tupinambás jamais seriam adaptados ao convívio com os forasteiros europeus.
Mas antes mesmo que existisse fim, houve um recomeço. Do ventre da índia Paraguaçu, a mãe das mães brasileiras, e depois de outras índias tupinambás, nasceram os primeiros brasileiros mestiços que povoariam toda a Baía de Todos os Santos. Hoje, cada baiano carrega um pouco de tupinambá em si mesmo. Da semente plantada por Paraguaçu, primeira personagem feminina a entrar para a história do novo mundo, grandiosa como seu próprio nome sugere, nasceriam os caboclos e caboclas que se transformariam no símbolo da Independência da Bahia, da luta pela libertação contra os mesmos invasores de outrora. Caboclos que mais tarde se uniriam aos negros. E todos, juntos, escreveriam a história com suas próprias mãos. Uma história chamada Brasil.
CORREIO DA BAHIA