Hipocrisia Contemporânea

Todas as imperfeições que caracterizam a sociedade contemporânea, sejam elas superficiais ou arraigadas, externadas com menor ou maior intensidade, sempre estiveram presentes neste planeta. Entre elas, a hipocrisia é uma das que mais me chamam atenção. Não apenas pela sua faceta danosa, mas, principalmente, pela sua inequívoca abrangência e irrefutável antiguidade. Nas Sagradas Escrituras, há cerca de dois mil anos, Jesus Cristo já condenava os hipócritas da época, que proclamavam um modo de viver diverso do seu real dia-a-dia. Lá em Mateus 15:8, o Filho de Deus afirma: “Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim”.

Infelizmente, vinte séculos depois, continuamos testemunhando o caminhar de uma sociedade visceralmente hipócrita. Observamos o agir da hipocrisia na igreja quando muitos pregam a Palavra de Deus, mas não vivenciam seus ensinamentos; a enxergamos na família, liderada por pais que condenam seus filhos pelas mesmas atitudes que construíram suas histórias; e nos decepcionamos com a hipocrisia no trabalho, cada vez mais marcado pelas conveniências e pelas concessões fraudulentas. O fato é que a utilização da máscara vem se tornando uma filosofia de vida e, o que é pior, uma marca dos nossos dias. Seja por herança genética, seja por necessidade de sobrevivência, as pessoas adotam a bandeira da dissimulação como os náufragos se agarram a qualquer coisa que os mantenha na superfície.

Forte aliada da hipocrisia, a mentira continua desenhando o mundo e construindo protótipos da verdade aparente. Com fervor cada vez maior, as pessoas mentem para trabalhar, mentem para namorar, mentem para liderar, mentem para impressionar, mentem para convencer, mentem para parecerem o que não são, mentem para viver, mentem até para mostrar que não mentem. É o mundo da aparência, do falsamente agradável, da resposta evasiva, dos argumentos relativos, do culto ao sucesso ilusório, do vazio existencial. A imensa maioria dos dicionários afirma, entre outras coisas, que hipocrisia é o fingimento de qualidades. Na verdade, a hipocrisia é a virtude deteriorada pelo falso desejo de ser virtuoso, uma vez que o hipócrita não tem vontade real de ser bom, apenas uma inclinação para apresentar-se em consonância com o perfil idealizado.

Verossímil ou não, o que me levou a escrever sobre um tema tão árido foi o convencimento pessoal de que é possível construir uma existência sem hipocrisia. Penso que é perfeitamente plausível mostrar a verdadeira cara e, porque não dizer, os lugares mais recônditos de nossas almas. Nunca me convenci de que para ser feliz, ser um cidadão querido ou um profissional respeitado é fundamental alimentar uma vida dissimulada. Por todos os ângulos, é possível dizer a verdade e arcar com seu ônus natural. Basta coragem, boa vontade e, sobretudo, a consciência de que não dá para passar a vida inteira sendo outra pessoa. As relações humanas baseadas na mentira, na infidelidade e no tratamento desleal têm duração curta. Não viemos até aqui para prescindirmos do único direito verdadeiramente intransferível: o de sermos nós mesmos, com todos os nossos defeitos, fragilidades, equívocos e, sobretudo, fraquezas.

Alex Malta Raposo

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