Procurei então o Grande Editor, Aderino França, o homem por trás das grandes idéias, o cara dos bastidores, da bufunfa.E ele estava lá, sentado na sua cadeira, escondido por trás da sua mesa e de um computador que acabara de pifar.Havia outros dois caras na sala, sentados nos seus lugares, com seus computadores a toda velocidade.Eu conhecia todos os caras ali.E eles, logicamente, me conheciam também.
– Não tenho tema – fui falando.
– Te dou quantos quiser.
O Grande Editor, o homem da bufunfa, abriu a sua gaveta e pegou um papel e uma caneta.Tirou o bocal da caneta e começou a escrever.Passou um tempão escrevendo.Às vezes parava, me olhava um pouco, riscava o que tinha escrito e então voltava a escrever novamente.Os outros caras da sala continuavam concentrados em suas máquinas.Quando o homem das idéias acabou, me entregou o papel, e eu li o único pedacinho que não estava rasurado.
– Que merda é esta? – Perguntei a ele.
– Não gostou?
– Parece um conjunto de temas pra vestibular ou monografia.Muito sério, profundo demais.Acho que não tenho capacidade.
Ele me olhou, mas um olhar diferente agora.
– Escreve sobre qualquer outra porra então.
E foi assim que acabou aquela nossa conversa.Saí da sala esbaforido, como dizem, pensando seriamente em escrever sobre qualquer outra porra, que nem me lembrei de me despedir dos outros dois caras.
Foi mal aê.
Os meus dias seguintes foram gastos numa lista.Andava com um bloquinho no bolso e bastava surgir uma poeira de idéia no ar, eu o puxava e anotava o que havia se passado por minha cabeça.Mas as idéias foram escasseando, como sempre, e eu acabei mais uma vez sem horizontes, perdido e sozinho, ainda em busca da originalidade.
E os dias continuaram passando.Iguais.
Me restou então escolher entre os meus temas que não existiam ou os temas de vestibular.Decisão difícil, mas acabei ficando com a segunda opção.Talvez alguma coisa acontecesse.
Vale dizer que nunca fui bem nos vestibulares da vida.Algo me confundia, um nevoeiro na minha vista, na hora da prova, um branco, e as notas simplesmente não vinham.Não sei explicar.Talvez seja um bom tema este, pensei no meu estalo repentino.Rapaz! Talvez haja alguma poesia nisso aí.Rapaz, rapaz!!!
Mas não agora.Preciso me aprofundar mais…
Desta vez ficarei mesmo no que o homem dos bastidores escreveu.Não falarei muito, já que sei muito pouco sobre tais assuntos.Na verdade, escreverei apenas como espécie de Curriculum Vitae, para poder dizer em alguma futura reunião importante (nunca se sabe): “Sim, escrevi sobre determinado assunto uma vez”.E os caras, todos com gravata e bigode – nem sei porquê desse bigode, me olhariam com um olhar amistoso e um sorriso condescendente, e me emprestariam dinheiro, arranjariam um emprego bacana pra mim.Nunca, nunca se sabe mesmo.
Mas olha aí o tema:
O PODER DA GLOBALIZAÇÃO NO CONTEXTO DO TURISMO, DA ECOLOGIA, DA POBREZA E DA SUSTENTABILIDADE.
Rapaz.
Tudo bem, vou conseguir.
Um, dois, três…
A globalização está aí, à toda, e todo mundo sabe.O que ninguém sabe, mas há quem pense saber, é se ela é boa ou ruim.Bem provável que seja as duas coisas.Ou nenhuma, o que, de uma forma ou de outra, dá no mesmo.A verdade é que um computador hoje em dia é essencial, vide os dois caras que falei antes, e também tomar o sorvete cremoso do Mcdonalds, falar marshmellow enrolando a língua.Mas a globalização que nos faz enrolar a língua talvez também tenha feito um índio dormir num ponto de ônibus em Brasília, e esta mesma globalização ainda fez com que alguns lost boys, imitando a kkk ou a gestapo, riscassem um palito de fósforo, e deu no que deu.Um caso parecido aconteceu em Porto Seguro, só que não queimaram o cara vivo, apenas bateram nele até que morresse, o que, de certa maneira, também dá no mesmo.O espancado (diria vítima, mas soaria muito pomposo) era garçom.Os agressores usavam uma mesa, uma boa mesa, sem no entanto consumirem.Faziam um escarcéu danado.A vítima (ops!) foi até a mesa dos agressores e explicou as normas da casa.O resto da história todo mundo viu, passou no Jornal Nacional.
Uma história assim dificilmente aconteceria em Ilhéus.As normas daqui são outras.As normas daqui são mais em relação aos preços. “Vamos colocar o camarão de 100 paus”, diz um, “e vamos foder com o rabo dos turistas!” “Pode crer”, diz ou outro, “o meu peixe tá de 85!” “HE-HE-HE-HE-HE, pode crer!!!!!” O que esses caras ainda não descobriram é que não existe turista por aqui, e sim veranista, e uma das causas é justamente essa norma que malandramente inventaram,sabe-se lá desde quando.As outras eu falo depois, vou me aprofundar mais no tema.E o que esses caras também não descobriram é que não existem malandros na cidade.Malandros são os turistas, que há muito não das caras.E nem vão dar mais nada.Ou qualquer outra porra.
O pessoal de Itacaré, se prestarmos atenção, ruma prum outro lado, segue a linha do turismo ecológico.Estão muito certos.Claro que o preço do camarão não é essa maravilha, mas lá a TURISTADA tem algo pra se lembrar que não seja lixo, esgoto e urubus.Sei que parece pesado falar assim, nem tudo por aqui é lixo, esgoto e urubus.Mas neguinho, eu estou no bolo, sempre se lembra da pior parte.Itacaré, e nisso eles levam vantagem por ter um lugar menor, está sempre com um aspecto convidativo, de cidade bem cuidada, tudo parece estar no seu devido lugar.Ilhéus, por sua vez, é como um quebra-cabeça bonito, mas montado às pressas apenas para mostrar-se montado, em que a maioria ou muitas das peças não combinam no lugar onde estão.Não digo que é fácil montar corretamente esse quebra-cabeça, digo somente que não está bem montado.Não quero comprar briga, não me aprofundei também neste assunto.Já tenho gente demais falando de mim.Mas, de qualquer modo, entendam como quiserem.
Um parágrafo para dizer que, além de tudo, sou valente como quê.Lembro-me de Fante, do Grande Fante, outro homem das idéias.Fante dizia que tinha um medo danado de gritar, de repente, no meio de uma multidão, mas que ao mesmo tempo podia enfrentar um gigante.Talvez eu seja como Fante.Perdi alguns medos, ganhei outros.Passei noites em claro, pensando se haveria alguém atrás da porta do meu quarto, se existia Céu e inferno, pra onde eu iria depois, no fim, quando partisse dessa para uma melhor ou pior, nunca soube dizer.A maioria destes medos relevei, joguei, como a sujeira da alma, pra debaixo do tapete da sala.Ando correndo apenas das multidões.
Já tive medo também de ser pobre – de matéria e de espírito.Hoje, não mais.A gente sempre perde o medo quando finalmente se descobre do jeito que não queria estar.Entende? Mas há as suas vantagens em viver assim:grande parte da rapaziada some, aquela mesma rapaziada que te pedia disco emprestado toda semana.A desvantagem é que não há mais discos.Mas tá valendo.Pelo menos, tenho comido muito bem, às vezes camarão e tudo.
Mas há quem não coma, nem camarão nem qualquer outra porra, e é esta certamente a maior pobreza.Já pensei muito neste assunto, cheguei a várias conclusões.Nenhuma delas é confiável.Nunca passei fome de verdade, nunca mendiguei, nunca sofri do modo mais duro.Queria realmente que o mundo fosse melhor, bem melhor, acreditem, mas querer nem sempre basta.Infelizmente.
Forte demais, outra vez, mas precisava chegar na sustentabilidade, uma palavra que causa certa desconfiança em mim.Desconfiança pelo fato de que sei o que significa, o problema está em explicar.Posso escrever que tenha algo a ver com viver do que se produz, ou conseguir se manter, ou saldo restante ou qualquer coisa do tipo.Vou dizer, não entendo muito do assunto e nunca perdi tempo me aprofundando nele.Acho que deveria perder.Foi mal aê.É um tema importante e atual, do contrário o cara das grandes idéias não mencionaria.O caso é que sustentabilidade é, mais do que tudo, uma palavra difícil de se soletrar e muito longa para se escrever, e eu estou um tanto cansado, doido para acabar logo com este negócio.Para finalizar, digo que o segredo está em sermos corajosos.
Pronto, acabou.
Ninguém jamais vai saber o quanto eu sofri.
De qualquer maneira, foi o que consegui, é este o resultado.Avisei, sempre tive problemas com primeiros textos.Por um momento, cheguei a pensar que este seria diferente, pensei que poderia nele desencavar algo de novo e bonito no ventre e na alma da cidade, algo puro e até mesmo poético e que fizesse todos dizerem simplesmente: rapaz!!!!!!!! Mas não deu.Meus pecados ainda são muitos, a luz não me ilumina tão fácil assim – a luz azul e brilhante, como me disseram.Fica a esperança de que as coisas melhorem e fiquem, com o perdão do trocadilho, mais claras no futuro.Ou então que o Grande Editor, por justa causa, me tire do ar.Tudo pode acontecer.Mas enquanto nada acontece, vou continuar dando minhas voltas por aí, em busca da originalidade ou pelo menos de um sorriso, um desses raros, salvadores, que me acontecem de vez em quando numa ponta ou outra da Paranaguá.