Homossexualidade no casamento

Novo Código Civil ainda permite anulação em caso de cônjuge bissexual

Muito se discutiu, muito se falou, muito se divulgou. De fato, o novo Código Civil trouxe mudanças ao ordenamento jurídico. Muito embora não se trate de uma revolução jurídica, porque muitos temas nele tratados estavam regulados em leis esparsas, é certo que revela uma adequação do direito à realidade social.

Embora não seja o tema que pretendo tratar, a união de pessoas do mesmo sexo não foi abordada no código por dois motivos. Primeiro porque tal precisa se harmonizar, ainda, com o disposto na Constituição, assim como ficar a cargo de legislação específica. Segundo porque como largamente noticiado, a velocidade de atualização do código não acompanha a adaptação da realidade, costumes, culturas, pensamento social e sua evolução. Juridicamente falando, restam alguns retoques legislativos para que seja enfrentado, ou melhor, inserido o tema no mundo jurídico.

Porém, uma questão foi mantida na nova lei civil sem a devida adaptação à atualidade, o que pode favorecer o preconceito social e obstar a marcha evolutiva do Direito. Segundo o Código Civil, e interpretações jurisprudenciais, a homossexualidade de um cônjuge, descoberta pelo outro, após o seu casamento dá ensejo à anulação do matrimônio.

É claro que ninguém deve manter-se casado compulsoriamente. Todavia, nos termos que a lei determina, torna-se terreno fértil para a frutificação de preconceitos, uma vez que o artigo 1.557 diz que é um erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge o que diz respeito sobre sua boa honra e fama. Da maneira que se coloca, a homossexualidade estaria ferindo a honra e fama do cônjuge. Ora, se hoje, o casamento não possui em função primária a procriação somente, por este pensamento a homossexualidade do outro cônjuge não pode ser a única razão para sua anulação. É que o pilar do casamento é a comunhão de vida, ou seja, a vivência em comum, e se esta vivência é insuportável, pela existência da homossexualidade ou não, aí sim, se permitiria a sua anulação.

Não pensar neste sentido seria aprovar, por exemplo, que um cônjuge descobrindo que o outro possuía diversas relações afetivas sexuais antes do casamento, levando uma vida promíscua talvez, poderia arranhar sua boa fama, e por sua vez anular o casamento. O casamento não é uma relação de consumo, em que descobrindo algum defeito no produto autorizaria o posterior desfazimento do negócio. Envolve relações muito mais complexas devendo ser temperada a interpretação da letra da lei.

Por isso que embora o artigo 1.557 fale que a vida em comum tenha que se tornar insuportável para a anulação do casamento, o conhecimento da homossexualidade de um cônjuge não pode ser uma arma pessoal, visto que em nada se correlaciona com honra e boa fama neste aspecto, e sim com eventual insuportabilidade da vida em comum.

Já que não atualizados os termos legais do novo código, o espírito de adequação deve incidir sobre a interpretação da anulação do casamento, com base no erro sobre a pessoa do outro cônjuge, feita de acordo com o atual conceito de honra e boa fama.

É que o princípio da dignidade da pessoa humana deve prevalecer sempre, para ambos os cônjuges.

por Raffael Ferreira

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