GANDHI, JOÃO 23, GORBACHEV e GEORGE W. BUSH

(e-mail para João Ubaldo Ribeiro. De divulgação liberada)

Estranho, associar o inefável George W. Bush com os outros três
personagens? A primeira suposição do amigo certamente seria de que o que
se busca é um forte efeito de contraste entre este último e os demais,
não é? Pois não é o que pretendo. Na minha visão perscrutadora das
recônditas intimidades da história, o que descobri é uma notável
semelhança entre as atuações dos quatro, na configuração do mundo atual e
futuro. Semelhança entre W. Bush e Gandhi? Sim, senhor, é o que pretendo
mostrar na minha avaliação insólita. O mesmo vejo entre Bush e o papa
gordinho, João 23, e também entre o dito senhor e o sempre festejado
Mikhail.

Será que antes de prosseguir nesta leitura, o querido amigo, laureado em
ciência política e tantas outras louçanias que lhe adornam a invejável
cultura, poderia buscar onde se encontra a semelhança que este analista
amador encontrou entre tão díspares fazedores da história? Não é tão
difícil de achar a característica que os une e unirá na avaliação das
futuras gerações – evidentemente admitida a hipótese de que ainda venham
a existir futuras gerações – em nossa fase terminal e pré-baratal.
Para não espichar demais estas considerações, que poderiam resultar em
mais um dos ensaios impopulares que venho perpetrando ultimamente – este,
sim, decididamente impublicável, não por obscenidade, mas por ser
demasiado perturbador – quero fazer uma rápida e sintética avaliação das
missões históricas de cada um dos citados personagens.
Por ordem cronológica, vejamos o caso de Gandhi, o “faquir magrelo e nu”
que tanto exasperava o gordão do charuto que assumiu ser o defensor
máximo do falecido Império Britânico. Qual foi, em síntese, a missão
maior do faquir? Todo mundo diria que foi libertar a Índia. Mas eu digo
que não foi. Evidentemente ele libertou a Índia, valendo-se de recursos
inéditos em tática e estratégia política que trouxeram ao mundo uma visão
insólita de como manobrar o carro da história. Tudo bem. Foi isso mesmo.
Contudo, a missão de maior alcance da atuação de Gandhi não foi a
libertação da Índia, que teve um efeito apenas local, por maior e mais
importante que seja a Índia, por suas dimensões, cultura e enorme
população. Na minha interpretação, a obra maior do faquir foi minar e
iniciar a derrocada do maior poder internacional de então, o dito Império
Britânico, que nunca mais foi o mesmo depois que perdeu a Índia e, a
partir de então, escorregou ladeira abaixo até se tornar a merda que é
hoje, mero estado americano em terras da Europa, dirigido por um
subserviente bestalhão menos perspicaz do que um poodle.
E João 23? qual foi a missão histórica que ele cumpriu, no seu inovador
papado? Renovar a Igreja Católica com o Concílio Vaticano II, diriam os
mais apressadinhos… Fazê-la ver o papel social que ela deveria ter em
defesa dos oprimidos e deserdados deste mundo cruel, dando chance para
surgirem Bettos e Boffs, que só não chegaram ao papado porque outros,
apavorados, não deixaram. Mais uma vez, interfiro para dizer que essa
tarefa de tão longo alcance não foi a verdadeira missão do dito 23. O
que ele fez, cumprindo inconscientes determinações superiores – e bota
superiores nisso! – foi liquidar com o poder e a influência da Igreja no
mundo, espantando os seus “fiéis” com extraordinária eficiência, quando
tirou dos rituais o místico e o mágico, de que o povão não pode
prescindir. Ao fazer os padres se vestirem de yuppies, darem as costas
para o Cristo e se voltarem demagogicamente para a platéia, na missa,
falando não mais o misterioso latim, e sim o vernáculo que todos podiam
compreender – e com isso ver as besteiras que diziam – acabou-se o
mistério, fodeu-se a liturgia e a Igreja entrou em parafuso, estando
hoje no estado terminal de que o João Paulo II, coitado, é a própria
imagem: de estar permanentemente in articulo mortis.
E o gordo Mikhail? A esta altura fica bem fácil inferir qual foi a
missão histórica que tão brilhantemente cumpriu: afundar o Encouraçado
Potemkin, inoculando-lhe os vírus da democracia – este um tanto fictício
– e da verdade, este sim, mortal. Um império construído em cima de
mentiras, violência, opressão e trabalho escravo não poderia jamais
sobreviver na luz perturbadora da verdade, ainda que esta fosse apenas
parcial. E as bandeiras da perestróika e da democracia – falsa, é claro,
mas eficiente para o secreto fim a que se destinava – foram minando
irreversivelmente mais este poder mundial, numa época – a nossa – em que
poderes mundiais têm que ir para os enormes aterros sanitários do lixo
histórico que a humanidade tem copiosamente produzido.
Assim como os
outros, Gorbachev pensava que estava fazendo uma coisa, quando,
efetivamente fazia outra, de alcance muito maior. É a história do
Caçador de Esmeraldas que se repete: Fernão Dias pensava que estava
procurando esmeraldas, mas na verdade estava era plantando cidades no
interior do Brasil, levando “civilização” e povoamento de brancos para
as terras dos índios.
Pronto. Agora está evidente o que o caubói vai fazer, não é? A diferença
dos outros três é que enquanto nos casos anteriores os processos por
eles deflagrados levaram muito tempo para se concluir – e, na verdade
ainda estão inconclusos e nos seus derradeiros estertores – a queda do
Império Americano pode ser tão rápida, chocante e surpreendente quanto a
queda das torres do WTC. O dólar mal se aguenta nas suas pernas de
ficção e é sua desmoralização que vai selar a debacle .Esse Bush, mais
um benemérito da história, como vemos, vai separar os Estados Unidos do
resto do mundo, os governos das populações, e o povo do seu país vai-se
estilhaçar em lutas e barricadas nas ruas como nunca se sonhou que
pudesse acontecer lá, na terra deles, enquanto os marines morrem aos
magotes assados no deserto escaldante. E, provavelmente, num caso sem
precedentes tão conspícuos, vamos assistir a um mundo que se liquida not
in a whimper, but with a bang. Portanto, daqui segue minha palavra de
estímulo: prossiga, Bush, prossiga: o avanço da história para patamares
e paradigmas realmente novos precisa de você. Do mesmo modo que precisou
de Gandhi, João 23 e Gorbachev, seus precursores.

O Marquês

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