

ilheusamado – Pedro você é natural de Ilhéus?
Pedro Mattos – Naturalíssimo, nascido na rua Carneiro da Rocha, 55. Naquela época,1944, a área ainda não era puteiro, depois… e no momento não sei o que é.
IA – Você deixou Ilhéus por um tempo em busca da melhora educacional; conte um pouco dessa fase de sua vida.
PM – Em 1963, terminei o curso ginasial no querido IME. Segui para Salvador, aonde fiz o “científico” no colégio Manuel Devoto (manhã) e o “clássico” à noite, no Severino Vieira. Pelas tardes frequentava, como aluno ouvinte ( e participante) a Escola de Teatro, no Canela. Em seguida, fui para São Paulo, estimulado pelo grande teatrólogo italiano Alberto D’Aversa. Poucos meses depois o “mestre Alberto” faleceu, repentinamente, deixando-me “orfão”, embora já estabilizado, sem devaneio, na “Paulicéia Desvairada”.
Daí para fazer teatro foi um pulo. Entrei na Faculdade de Comunicação Social Anhembi,,, formei-me, sempre fazendo teatro, cinema e um pouco de televisão (na época, coisa “não muito recomendável” para os bons artistas. Fundei o Grupo de Teatro Anhangá, na própria Faculdade, dava cursos de arte dramática, enfim, a minha vida artística e profissisonal começava a caminhar a “pulmões plenos”.
Em 1979, após uma cirurgia de câncer na garganta tive que passar um tempo fora da poluição que a “Paulicéia” era campeã.
Claro, retornei a Ilhéus, que se preparava para comemorar o seu centenário. E fui ficando, ficando, ficando…. e aqui estou eu, feliz e contente.
IA – Quantas peças teatrais atuou e dirigiu na sua carreira e qual delas te deu mais prazer?
PM – A que me deu mais prazer foi uma comédia de cunho sexual, claro! Tão ruim a esperiência e a tal comédia que esqueci o nome e as consequências….
Desenvolvi uma infinidade de trabalhos teatrais (Ilhéus, aonde atuava no teatro amador, em 1958; Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte….).
Assim, no momento, não sei dizer precisamente quantas, como ator, dietor, roteirista, sonoplasta. Qualquer dado estatístico seria um “chute” e quem está precisando de gols é a Seleção e alguns times pernas-de-pau…
A peça que mais me encantou e até hoje tenho gratas recordações, foi “Palhaços”, de Timochenco Wehbi, com direção de Fausto Fuser, trilha sonora de Sérgio Sá e cenografia de Gabriel Borba Filho. O trabalho, que teve assinatura da Temporal Produções Artísticas, ficou em cartaz durante dois anos (1974/76), percorrendo quase todo o Brasil, dentro da campanha promovida pelo antigo e saudoso SNT – Serviço Nacional de Teatro. Quer dizer, de São Paulo ao Rio Grande do Sul… percorremos cidades que nunca tinham visto teatro. Foi uma experiência válida e sadia.
IA – A cultura no Brasil é elitizada; a grande massa não tem acesso aos teatros e eventos que tem produções culturais autênticas. Você atribui isso a péssima distribuição de renda, a televisão ou a outro fator?
PM – Diria que a televisão até ajuda. O problema é a falta de uma política cultural, em todos os níveis, municipal , estadual e federal. Elas, as autoridades, o poder, não tem nenhum interesse em divulgar e insentivar a cultura, que “mexe e remexe” as cabeças. Para que cabeças pensantes, para dar “dores de cabeça” ao poder dominante (e dominador)?
Culpados também somos nós, a massa, o povo, que aceitamos pacificamente este caos cultural, em troca de “remeximentos de bundas”, com os axés, batuques bobos e esta parafernália em que estamos inseridos. É o tal “pão e circo”.
Eu diria que aqui no Brasil, atualmente temos uma cultura popular, em grande expansão: a cultura da dengue e outros males, com fundo musical daquele musiquinha infantil “serra serra serra dor, quantas serras já serrou?”.
Uma pequena comparação: enquanto a Argentina promove, com sucesso, o consciente e politicamente correto “panelaço”, aqui nós temos os axés e similares, comandados pela “Arrankabaço”. Que piadinha infame, não?
IA – O Brasil em ano de eleições tão importantes, tem para distrair o povo eleitoralmente falando, a Copa do Mundo de Futebol, e agora as tais “casas” onde armam um falso cárcere privado com artistas, menos ou mais famosos na mídia. O que você acha dessas formas de entretenimento e de que forma podem influenciar as eleições deste ano?
PM – É o tal “pão e circo”. A catarse. Nada melhor par a alienação total de um povo o que essas “overdoses” culturais, esportivas e não sei mais o quê. Faz parte do “meu show” (deles). Até o dia em que o povo, o grande responsável, diria eu, por esta caótica e divertida situação, comece a dizer e acreditar que “o sonho acabou”.
Novamente volto à Argentina (que exemplo!): em plenas festas do reveillon, data propícia para armação do “circo”, aquela gente, sem pão, armou-se de panelas e tocou para correr presidentes, ministros, influenciando ações e atos governamentais.
No Brasil, quando isto será possível? Não sei… depende de todos nós.
IA – Em Ilhéus os investimentos em cultura existem? Vejo o Circo Folias de Gabriela em abandono, não existem projetos de teatro nos bairros e distritos, não vêm existindo uma renovação de valores anônimos e artisticos,. Como você vê essa situação e o que pode ser feito para mudar?
PM – É tudo uma questão de ausência de uma política cultural séria. O que aconteceu com o “Folias de Gabriela”, com o Teatro Municipal de Ilhéus e com a falta de atividades artísticas na sede, bairros e distritos do município é um problema dessa falta de política cultural.
Fazem investimentos errôneos, sem projetos, sem um estudo, tudo feito “nas coxas”.
Mas a culpa, neste caso, cabe aos artistas. Eles são quietos, acomodados, alienados, “sangue de barata”. Com estes sistomas, o poder público fica numa posição cômoda e vai tocando o “pão e circo” da maneira que acha mais viável e rentável para ele, o poder.
Ilhéus parou… culturalmente falando. Vivemos num grande marasmo cultural. A Fundação Cultural de Ilhéus, criada na primeira gestão do prefeito Jabes Ribeiro, teve um grande papel na vida artística regional. O mesmo aconteceu na gestão do prefeito João Lyrio. Daí para a frente houve uma “trégua na cultura”. Hoje a Fundaci é uma “lembrança dos bons tempos”. Hoje a Fundaci vive apenas para lançar obras literárias, o que acho ótimo, mas ela, a Fundação, foi criada e existe também para projetos de outras áreas, como outrora. É uma pena que isto não esteja acontecendo. é frustante a gente observar o que está acontecendo (ou não acontecendo?) no órgão cultural do município, criado com tanto carinho, com tanto esmero, com tantos projetos…
Mas… compreendo: onde o povo se cala, os artistas engolem pafícamente, a cultura tem o destino de ser um grande xabú.
IA – O ator ilheense Fábio Lago vem fazendo sucesso na televisão e no teatro. Sei que ele foi seu aluno e é seu fã; fale um pouco sobre ele!
PM – Fabinho é um lago profundo de talento, onde a veia artística “fala alto”. Ele começou a fazer teatro no IME, aonde estudava (1985, por aí). Tive a chance de fazer trabalhos, ser seu primeiro diretor.
Sei que ele é meu fã. E tinha mesmo que ser: tudo o que “ensinei” naquela época, ele veio a vivenciar em Salvador, São Paulo e agora no Rio de Janeiro. Fábio Lago é uma estrela em crescimento. Estudioso, aplicado e humilde, vem cada dia me surpreendendo com as suas interpretações.
O mérito do sucesso é dele, cabe apenas a ele. Agora, o “descobrir”, o empurrão primeiro… aí, meu amigo, a glória é minha mesmo. Sem modéstia, porque isto é um dom os mentirosos. “Ser ou Não Ser… Eis a Questão”.
IA – Pedro, você vem ministrando cursos de teatro há muitos anos em toda a Bahia; fale sobre os planos para o ano de 2002!
PM – Na verdade, há mais de dez anos venho dando… aulas de teatro na Casa dos Artistas, em Ilhéus. Tenho feito teatro com gente o nível de Rita Santana, Lamartine Ferreira, Tereza e Telma Sá, Marcelo Sá , Bruno Susmaga, e tantos outros… que não gostam e não “aceitam” esta “minha participação”. Paciência! Quem pode, pode… quem não pode fica arretado e se sacode.
Mas a minha grande paixão é o “Projeto Chapéu de Palha”, criado pela saudosa atriz Jurema Penna e promovido pelo DECAR – da Fundação Cultural do Estado da Bahia.
O Projeto envia oficineiros (técnicos) para as mais diferentes cidades da Bahia, onde, durante vinte e um dias, faz-se um levantamento histórico do lugar, e, entre aulas teóricas e práticas de arte cênica , vai sendo difundida por nós, oficineiros. Ao final, coordenamos a apresentação, geralmente em praça pública, do espetáculo de encerramento. É uma maravilha! E o rendimento do Projeto (também com dança, música, artesanato, cerâmica) tem sido uma constante na vida artística-cultural dos municípios visitados.
Já visitei, por exemplo, as cidades de Ipiaú, Coaraci, Teixeira de Freitas, Ibicaraí, Itabuna, Itamaraju, Prado, Itacaré e tantas outras. È interessante e salutar acrescentar que sempre surgem grupos de teatro nestes municípios visitados. Adoro!
Para este 2002 tenho planos de continuar dando… os cursos de teatro, com modificações substanciais. Por exemplo: oficinas de LEITURA DRAMÁTICA. É uma loucura a quantidade de pessoas querendo “fazer teatro”, mas sem “saber ler” um texto. Ler, no sentido de interpretar a leitura, o contexto, saber quem é o autor, e por aí vai. Pretendo fazer este “resgate” – expressão tão em voga nos dias atuais.
Mas vou montar duas peças infantis e uma adulta. Estou estudando textos. O elenco será escolhido com os alunos o Curso de Teatro na Casa dos Artistas, que começa no mês de março, com duração de seis meses. É aguardar para ver!
IA – Pedro: muito obrigado, é sempre um prazer imenso conversar com você; faça suas consideracões finais e sempre estaremos acompanhado seu trabalho.
PM – Não vou fazer considerações finais porque não pretendo terminar nunca. Breve nos veremos novamente, uma vez que é um prazer recíproco (e platônico) o nosso encontro.
De resto, quero continuar pedindo, sonhando e esperando que os nossos artistas locais e também os regionais, acordem, gritem, deixem fluir a arte que existe dentro de cada um. Vamos juntos, dizer aos “donos do poder” que ARTE É A VIDA DE UMA CIDADE… DE UMA NAÇÃO…